Acórdão nº 00697/19.8BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 03 de Abril de 2020

Magistrado ResponsávelLu
Data da Resolução03 de Abril de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo: M.

(nacional do Paquistão, com residência indicada na R. (…), (…)), interpõe recurso jurisdicional de decisão do TAF de Coimbra, em acção administrativa intentada contra Ministério da Administração Interna (Praça (…), (…)), julgada improcedente.

O recorrente conclui: A) Impugnação da matéria de facto 1. Devem ainda ser dados como PROVADOS os factos constantes dos arts. 30º a 33º, 41º a 43º e 45º da P.I., nos seguintes termos: Art. 30º - O pai do A. foi morto em 12.08.2015.

Art. 31º - o seu corpo foi levantado da respectiva morgue, pelo A. e pelo seu tio, no dia seguinte (13.08.2015).

Art. 32º - Nesse mesmo dia, foi realizado o respectivo funeral no cemitério de Gunr Khel Saleh Khana.

Art. 33º - Apenas 4 (quatro) dias depois, o seu tio veio a ser igualmente assassinado.

Art. 41º - O pai do A. Foi morto por se fazer transportar no seu veículo, não só com dois talibãs, mas também com armas e, por esse motivo, terá recusado parar num ponto de controlo da polícia, e mais concretamente quando vinha de regresso da cidade de Torkham, para onde se havia deslocado para adquirir peças de automóvel para a sua oficina.

Art. 42º - o Autor, juntamente com o seu pai, irmão e tio eram proprietários de uma oficina de reparação e venda de peças para veículos automóveis, sita no Bazar Shoba em Peshawar.

Art. 43º - A qual tinha a designação Naimat & Sons Auto Spare Parts Dealer.

Art. 45º - Oficina que até então laborava normalmente, mas que, na sequência dos acontecimentos relatados, encerrou.

15) Assim, perante este quadro factual reformulado, e assente em prova válida e autêntica – que o R., em momento algum, contraditou – dúvidas não restariam sobre a credibilidade da versão apresentada pelo aqui A.

16) Motivo pelo qual haverá que considerar demonstrada a versão apresentada pelo mesmo, a qual, sem margem para quaisquer dúvidas, deverá determinar o Tribunal a considerar ser válida a sua pretensão de protecção internacional.

17) Devendo este Superior Tribunal, em consequência, modificar a matéria de facto nos moldes indicados na medida em que a convicção do julgador, em 1.ª instância, não se pautou pela razoabilidade, desde logo, por ser manifesta a desconformidade dos factos assentes com os vários meios de prova disponibilizados nos autos.

18) Perante a factualidade ora impugnada, não restará outra alternativa senão a condenação à prática do acto devido, concluindo-se ter o A. direito à emissão de um acto que, deferindo o seu pedido de proteção internacional, lhe conceda o direito de asilo ou uma autorização de residência por proteção subsidiária.

19) Caso assim não se entenda, o que apenas se coloca por mera hipótese, pelo menos, e no respeito pelos mais básicos direitos de defesa, deverá sempre ordenar-se a realização de todos os actos de instrução necessários a fim de habilitar o Julgador a decidir em conformidade, designadamente, permitindo ao A. produzir a prova testemunhal que indicou.

20) Tudo no respeito pelo disposto no art. 111º nº1 do C.P.T.A..

18) Do Direito (Direito de Asilo e de Protecção Subsidiária) B).I – Da credibilidade da versão apresentada pelo A.

  1. Após alterada a matéria de facto nos termos supra expostos, e atendendo agora sim à globalidade da prova produzida, deve a decisão proferida ser substituída por outra que conceda ao A. a justa e merecida protecção internacional.

  2. Quanto à sua verosimilhança e/ou (in)credibilidade, nada foi demonstrado que infirme a versão do A..

  3. Ao requerente de protecção internacional, designadamente no que ao ónus da prova subjectivo concerne, incumbe demonstrar a veracidade dos “(…) factos constitutivos das características e experiências pessoais (…) que terão gerado o receio de perseguição alegado, e a consequente ausência de vontade de beneficiar da protecção das autoridades do país de origem.

    ”, ou a sua impossibilidade e/ou incapacidade de o protegerem – cfr.

    UNHCR, in http://www.unhcr.org/refworld/docid/3ae6b3338.html. [consultado em 24 de Janeiro de 2020].

  4. Assim, quanto à credibilidade da versão apresentada pelo Autor, a decisão final, sem avaliar individualmente os factos alegados, não respeitou os procedimentos recomendados pelo ACNUR, designadamente acerca da suficiência de detalhe e especificidade; consistência interna; consistência com informação disponibilizada por parentes e/ou outras testemunhas (pois que não puderam ser ouvidas); consistência com a informação disponível e plausibilidade da versão apresentada.

  5. O recorrente, para os devidos efeitos, concretizou ampla e cabalmente as medidas individuais de natureza persecutória de que, desde o primeiro momento, alegou ter sido vítima.

  6. Exactamente por apresentar um discurso preciso e concreto, o ora recorrente logrou demonstrar a veracidade do relato apresentado quanto a eventuais atos objetivos de natureza persecutória.

  7. De igual modo, revelou que a sua permanência no país se tenha tornado insustentável a ponto de o abandonar.

  8. O Autor, ora Recorrente, ao contrário do que se verifica, é certo, em muitas situações relatadas em diversos acórdãos, salvo melhor opinião, foi capaz de apresentar provas que, no mínimo, suscitariam a eventualidade do benefício da dúvida no que respeita a ameaças ou actos objetivos de natureza persecutória.

  9. De igual modo, revelou que a sua permanência no país se tornou – perante os factos descritos (e comprovados) – insustentável, a ponto de o abandonar.

    B).II – Do receio fundado de perseguição 17. A Sentença proferida, ainda que suportada exclusivamente nas informações nº2063/GAR/16 e 1685/GAR/18, e consequentemente nas válidas fontes internacionais pesquisadas (“countryInformation and Guidance: Pakistan: Fear of the Taliban and Other Militant Groups”), incorre no mesmo erro, ainda que inadvertidamente, que estas informações, pois que estas se mostram parcialmente descontextualizadas, ao omitirem o facto de também paquistaneses comuns, principalmente nas áreas onde aqueles grupos armados anti governo operam (e entre as quais a de onde provém o Autor – Khyber Pakhtunkhwa), serem alvo de perseguição.

  10. Motivo pelo qual se mostra completamente irrelevante a circunstância do recorrente, à primeira vista, não se enquadrar no “perfil normal” avocado.

    B).III – Da ausência de protecção das autoridades do país de origem 19. O recorrente não invocou apenas o receio de perseguição pelas autoridades do seu país, mas sim, por parte também dos Talibã.

  11. Pelo que não podia a entidade instrutora, e muito menos o Tribunal a quo, limitar-se a referir a alegada capacidade de protecção das autoridades do Estado, descurando, por exemplo, o facto de o A. e o seu irmão se terem visto numa posição delicada, após as circunstâncias comprometedoras envolventes à morte do seu pai, e posteriormente, do seu tio.

  12. Aquele, como já referido, foi morto pelas autoridades, em circunstâncias nunca devidamente esclarecidas, na sequência da não paragem num posto de controlo da polícia. Este, por sua vez, foi igualmente assassinado em represália, desta vez, por parte daquele grupo terrorista.

  13. Factos que não deixaram de naturalmente de despertar um profundo temor no espírito da família (e do próprio recorrente) dos possíveis resultados dos contactos com as autoridades.

    B).IV – Da alternativa interna de protecção 23. Os serviços do R., salvo melhor opinião, utilizaram fontes que não deixam de considerar a existência de um cenário de insegurança generalizada, e repetidas perseguições, sejam elas do “UK Home Office” ou mesmo do “Austrian Federation Ministry of the Interior”.

  14. E omitiram outras (“UN High Commissioner for Refugees”) que claramente qualificam o cenário paquistanês como não permitindo alternativas internas disponíveis, desde logo nas áreas da FATA, ou de Khyber Pakhtunkhwa de onde é natural o recorrente.

  15. De igual modo, a Sentença ora em crise, porque se baseou unicamente nas informações dos serviços de instrução do R., uma vez mais, não cuidou de aprofundar, como lhe competia, essas circunstâncias.

  16. Ora, não pode sem mais o Tribunal a quo dar por reproduzido um texto, e consequentemente dar como provado um facto, sem concretamente nada ter feito para apurar minimamente, neste caso, a possibilidade de fuga interna.

  17. Pois, a este propósito, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) considera que “uma decisão acerca da existência de uma alternativa interna de fuga deve fundar-se num profundo conhecimento e avaliação da segurança e das condições políticas e sociais existentes na parte específica do país. Só existirá uma alternativa interna de fuga efectiva quando as condições correspondem às exigências decorrentes da Convenção de 1951 e dos demais instrumentos nucleares de direitos humanos. Acima de tudo, uma alternativa interna de fuga deve ser acessível em termos de segurança e ter natureza duradoura. A possibilidade de estar em segurança noutras regiões do país deveria existir à data da fuga e deve continuar disponível quando a decisão de elegibilidade é tomada e o retorno ao país é implementado” – cfr. UNHCR em anotação ao art. 1º da Convenção de 1951, disponível em http://www.refworld.org/docid/3ae6b32c8.html [Consultado em 24 de Janeiro de 2020].

  18. Quer as informações prestadas pela autoridade administrativa – sobre quem recai o ónus de demonstrar a existência de uma alternativa interna de protecção no caso concreto – quer igualmente a Sentença que se impugna, em momento algum procederam a uma tal análise, desde logo, acerca elementos constitutivos indispensáveis de alternativa interna de fuga, tais como a razoabilidade, e as condições de dignidade e protecção disponíveis para o recorrente nessa mesma alternativa.

    B).V – Da informação sobre o país de origem 29. Por se manterem integralmente válidas as fontes indicadas quer na Sentença, quer também no Parecer apresentado, em 22.11.2016, pelo Conselho Português para os Refugiados, pouco mais...

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