Acórdão nº 4716/18.7T8FNC.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 16 de Abril de 2020

Magistrado ResponsávelPEDRO MARTINS
Data da Resolução16 de Abril de 2020
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados A 06/09/2018, o Magistrado do Ministério Público instaurou, ao abrigo do disposto nos artigos 138, n.º 1, e 141, do Código Civil, e 891 e seguintes do Código do Processo Civil, acção especial, pedindo que se declarasse T interdita por anomalia psíquica e se lhe nomeasse como tutora a sua irmã, com quem reside, para que esta cuide dos bens daquela e legalmente a represente.

Alegava, para tanto e em síntese, que a requerida é, desde os primeiros meses de infância, portadora de deficiência mental profunda; é parcialmente dependente para os cuidados diários de alimentação, higiene e vestuário, carecendo de supervisão de outra pessoa para a orientar fora do espaço habitacional; é incapaz de se orientar no tempo, não identifica o ano, mês e dia em que se encontra, nem conhece as horas. Juntou, entre o mais, declaração médica comprovativa da deficiência alegada e de que a requeri-da não estava capaz de reger a sua pessoa e os seus bens.

Foi anunciada a propositura da acção, nos termos do art. 892 do CPC. Em virtude de a requerida se encontrar impossibilitada de receber a citação, foi citada na pessoa do curador provisório, que não deduziu contestação e, uma vez que o Ministério Público é o requerente, solicitou-se à delegação da Ordem dos Advogados a indicação de defensor oficioso, nos termos do art. 894/1 e 21/2 do CPC, que também não deduziu contestação.

A 11/02/2019 entrou em vigor a Lei 49/2018, de 14/08 (Lei que criou o regime jurídico do maior acompanhado e eliminou os institutos de interdição e da inabilitação), de aplicação imediata aos processos de interdição e de inabilitação pendentes, conforme dispõe o art. 26/1 da referida lei; ao abrigo do n.º 2 do mesmo artigo procedeu-se às adaptações necessárias no processo e na sequência o MP veio dizer que “em relação à medida de acompanhamento e sem que ainda se tenha procedido à audição da beneficiária, requer-se, por ora, que seja o regime de representação geral, com incapacidade para testar.” Procedeu-se à audição pessoal e directa da requerida, tendo sido tomadas declarações à pessoa indicada para tutora, irmã da requerida, e depois foi proferida sentença que julgou a acção procedente e, em consequência decidiu: 1.1 – Declarar T, beneficiária de medida de acompanhamento, sujeita ao regime da representação geral (cfr. artigos 138 e 145/2-b, 1.ª parte, do CC).

1.2 – Designar R acompanhante da beneficiária (cfr. art.143/2-i do CC); 1.3 - Atribuir à acompanhante designada em 1.2, poderes de representação geral do beneficiário, que segue o regime da tutela, com as necessárias adaptações por força da entrada em vigor da Lei 49/2018, de 14/8, designadamente os poderes para receber pensões e/ou subsídios e geri-los em benefício e de acordo com as necessidades da beneficiária.

1.4 - Consignar que a acompanhante designada em 1.2, no exercício da sua função, deverá privilegiar o bem-estar e a recuperação do acompanhante com a diligência requerida a um bom pai de família, na concreta situação, devendo manter um contacto permanente com aquela, não se designando regime de visitas porquanto a requerida vive consigo (cfr. art. 146 do CC).

1.5 - Dispensar a nomeação de Conselho de Família (cfr. art. 900/2 do CPC).

1.6 - Consignar que, para os efeitos do disposto no art. 2189/-b do CC, a beneficiária é incapaz de testar.

1.7 - Consignar que, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 5/3 da Lei 36/98, de 24/07 (Lei de Saúde Mental), a situação de acompanhamento de maior, declarada pela presente sentença, não faculta o exercício directo de direitos pessoais para efeito do art. 13/1 da referida Lei.

1.8 - Consignar que, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 4/1 do DL 272/2001, de 13/10, o acompanhado não pode aceitar ou rejeitar pessoalmente liberalidades a seu favor.

1.9 - Consignar que não existe notícia de que a beneficiária tenha outorgado testamento vital e/ou procuração para cuidados de saúde (cfr. art. 900/3 do CPC e artigos 4/-b, 14/3 e 16 da Lei 25/2012, de 16/07).

1.10 - Consignar que a incapacidade da requerida se verifica desde os seis meses de idade (cfr. art. 900/1 do CPC).

1.11 - Fixar em cinco anos o prazo de revisão da medida aplicada, nos termos e para os efeitos previstos no art. 155 do CC. 1.12 - Determinar a publicação da presente sentença em sítio oficial (cfr. art. 893, n.ºs 1 e 2 do CPC e art. 153/1 do CC).

O Ministério Público recorre desta sentença – para que se declare a nulidade dela quanto ao decidido no ponto 1.7, por falta de fundamentação, nos termos do disposto no artigo 615/1-b do CPC, substituindo-se por outra que não restrinja os direitos pessoais da requerida -, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem na parte útil: I. O RJMA tem como objectivo, plasmado no artigo 140/1 do CC, o bem-estar do acompanhado e a sua recuperação, em pleno exercício de todos os seus direitos, constituindo a restrição de tais direitos um regime excepcional, cuja imposição, por sentença, deverá justificar-se mediante cada situação concreta.

  1. Por isso, o art. 145/1 do CC limita o acompanhamento ao estritamente necessário e o art. 147/1 do CC estatui, como princípio geral, a liberdade no exercício dos direitos pessoais dos acompanhados, tais como os de casar, de estabelecerem relações de união de facto, de procriarem, perfilharem ou de adoptarem, o de cuidarem e educarem os filhos, o de escolherem profissão, deslocarem-se no país ou estrangeiro, fixarem residência ou domicílio, de testar e de estabelecerem relações com quem entenderem.

  2. O direito de os maiores acompanhados constituírem família e de contraírem casamento, em condições de plena igualdade não se encontra unicamente protegido pelo CC, merecendo, ainda, protecção nos artigos 67 e 36/1 da Constituição da República Portuguesa.

  3. A liberdade de deslocação e de escolha de domicílio, a que o art. 147/2 do CC também faz alusão, encontra-se protegida, expressamente, no artigo 44 da CRP, que, garante a “todos os cidadãos”, “o direito de se deslocarem e fixarem livremente em qualquer parte”.

  4. O direito à integridade física e moral encontra-se previsto no artigo 25/1 da CRP e o direito de o portador de doença mental poder decidir sobre a prática, no seu corpo, de actos de saúde decorre do artigo 5.º da Lei de Saúde Mental.

  5. Não obstante, a sentença que determinou a aplicação de medida de acompanhamento à requerida, impede-a de exercer esses, e outros, direitos pessoais.

  6. E tal decisão, restritiva dos direitos pessoais fundamentais da requerida, foi adoptada sem se alicerçar em qualquer facto, ou razão de direito, que se encontre descrito na sentença, ou tenha sido alegado na petição inicial que deu origem ao presente processo.

  7. Pois que, dos factos dados tidos como relevantes “para a decisão a...

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