Acórdão nº 03106/12.0BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 13 de Março de 2020

Magistrado ResponsávelRog
Data da Resolução13 de Março de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: O Estado Português veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 17.01.2014, pela qual foi julgada parcialmente procedente a acção administrativa comum, sob a forma de processo ordinário, intentada por P.

contra o Estado Português, para pagamento, a título de responsabilidade civil extracontratual, da quantia de 149.099,00 euros, acrescida de juros de mora desde a citação até efectivo pagamento e que, em consequência, condenou o Réu a pagar ao Autor a quantia de 320,00 euros a título de danos patrimoniais; e a quantia de 12.000,00 euros, a título de danos não patrimoniais; julgou improcedente o pedido reconvencional deduzido pelo Réu e dele absolveu o Autor e decidiu que às quantias supra referidas acrescem juros de mora, à taxa legal, desde a citação do Réu, em 6 de Dezembro de 2013, até efectivo e integral pagamento.

Invocou para tanto, em síntese, que se verifica oposição (contradição) entre os fundamentos e a decisão; erro de julgamento de facto; erro de julgamento de direito, por não verificação dos pressupostos da obrigação de indemnizar e excesso do montante indemnizatório fixado a título de danos não patrimoniais na sentença recorrida.

O Recorrido contra-alegou, defendendo a manutenção do decidido.

O Tribunal a quo proferiu despacho em que se pronuncia pela não verificação da nulidade arguida nas alegações de recurso, pelas razões constantes da sentença recorrida.

*Cumpre decidir já que nada a tal obsta.

* I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional: 1 - Verifica-se a nulidade da douta sentença prevista no artº 615º, nº 1, al. c) , do CPC de 2014 (aplicável «ex vi» artº 1º do CPTA), por se encontrarem os fundamentos da sentença recorrida em manifesta oposição (contradição) com a mesma decisão, pois: 1.1 - Tendo o A., enquanto Oficial do Exército em Regime de Contrato, requerido a rescisão do seu contrato com efeitos imediatos, a 02.08.2010, e tendo o seu comandante, com base no entendimento de que essa rescisão não operava com efeitos imediatos, lhe aplicado uma pena disciplinar por ausência ilegítima, o Tribunal «a quo» considerou verificarem-se os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Réu pela prática de atos ilícitos.

1.2 – E o Tribunal «a quo» também: 1.2.1 – Considerou, no que concerne aos danos patrimoniais, que, "julgamos como muito verosímil, que a teia de acontecimentos em que o Autor foi envolvido, por culpa do Exército, após o seu pedido de rescisão em 02 de Agosto de 2010, demandava acompanhamento médico na valência em causa, dada a perturbação depressiva em que ficou envolvido, e que veio a culminar no decretamento da prisão disciplinar".

1.2.2 – Considerou, no que respeita aos danos não patrimoniais, que "para lá da teia de acontecimentos em que o Autor se viu envolvido, por deficiente e anómala tramitação do pedido de rescisão com efeitos imediatos, viu ainda registado na sua folha de matricula militar, para todo o sempre, toda uma série de registos, nada desejáveis, e que de todo ai deveriam constar ( ... )" (sublinhado nosso).

1.2.3 –Excluiu o pedido reconvencional do réu, ora recorrente por considerar que, "na temporalidade em causa (entre 02 de Agosto de 2010 e 02 de Outubro de 2010), atinente aos 60 dias de falta de pré-aviso, o Autor esteve sempre sob a hierarquia do Exército" (sublinhado e negrito nossos).

1.3 – Destarte, o Tribunal «a quo» considerou a existência de vínculo contratual entre recorrido e recorrente para além do requerimento de rescisão contratual, datado de 02 de Agosto de 2010, mas tão só para efeitos de verificação do prazo de pré-aviso por parte do recorrido e já não quanto à responsabilidade disciplinar por parte do Recorrente.

1.4 - A fixação da existência do vínculo contratual (laboral) terá salvo melhor entendimento, necessariamente de operar efeitos em ambas as circunstâncias.

1.5 - Assim, ou se considera que o vínculo contratual entre recorrido e recorrente se manteve nos meses de Agosto a Outubro de 2010 e, em consequência, por um lado, o A. cumpriu o pré-aviso e, por outro lado, o ora recorrente tinha capacidade disciplinar sobre aquele; ou se considera que o requerimento de rescisão teve de facto efeitos imediatos e não houve vínculo laboral entre Agosto e Outubro, pelo que o A. não cumpriu com o pré-aviso e o recorrente não tinha efetivamente poder disciplinar sobre aquele.

1.6 - E o não cumprimento do pré-aviso acarretaria a procedência do pedido reconvencional formulado ainda que com base no enriquecimento sem causa.

1.7 – Aliás, a verificar-se, como se verificou, a fixação de que "na temporalidade em causa, atinente aos 60 dias de falta de pré-aviso o Autor esteve sempre sob a hierarquia do Exército", como oficial do Exército, o Tribunal «a quo» está implícita e inevitavelmente a considerar que este detinha uma tutela disciplinar sobre aquele como militar, acarretando, neste âmbito, a inexistência da responsabilidade extracontratual.

1.8 – Pelo que, tendo em conta o exposto, deve a sentença recorrida ser substituída por outra.

2 – Em todo o caso, a douta sentença padece de erro de julgamento de facto , já que considerou provado no ponto 28 da factualidade provada da douta sentença recorrida, o qual deve ser eliminado ou, se assim não se entender , deverá conter a causa ou motivo da «definitividade» aí indicada passando, destarte, o ponto 28 a ter redação similar à seguinte:«28 - As menções na folha de matrícula, referidas em 26 e 27 supra, manter-se-ão aí definitivamente, salvo se forem eliminadas ou canceladas, não tendo até ora o A. requerido o respetivo cancelamento ou eliminação». Pois: 2.1 - Se, no caso de deferimento total da reclamação, do recurso hierárquico, da impugnação ou da revisão, são eliminadas ou canceladas na folha de matrícula as punições (quando averbadas antes de a decisão ser definitiva) – v. artºs 42º, nºs 2 e 4, al. a) do REDME e artºs 63º, nºs 1, 2 e 4, e 132º, nº3 do RDM - igualmente o deverão ser os factos que consubstanciam tais punições não efetivadas e os factos indicadores ou reveladores da existência dessa punição considerada indevida ou nula e do respetivo processo.

2.2 - É que se assim não for o cancelamento ou eliminação do registo/averbamento da condenação na folha de matrícula não logra atingir a finalidade pretendida com essa eliminação: a impossibilidade de conhecimento de situações pretéritas averbadas.

2.3 - Aliás, nada impedia que, face à não eliminação de tais averbamentos, pela administração militar, o próprio autor o tivesse requerido quer à instituição militar quer em ação própria nos tribunais administrativos, o que não fez, conformando-se assim com a existência desses averbamentos.

2.4 – Apesar de o depoimento da testemunha O., Tenente-Coronel do Exército ter sido prestado em consciência e se apresentar (aparentemente) credível, não se podia considerar como provado, apenas com base nesse depoimento, a definitividade dos averbamentos acima referidos, pois a esta definitividade subjaz a solução de que o averbamento não pode, depois de efetuado, ser eliminado, o que contraria o regrado designadamente no REDME e no RDM .

3 –Atentos os factos apurados, mostra-se existir erro de julgamento de direito pela não verificação de pressupostos da responsabilidade civil extracontratual pela prática de facto ilícitos, pois: 3.1 – Se, segundo o Tribunal «a quo», o Autor esteve, como militar, desde 05.02.2007 a 02.10.2010 sob a hierarquia do Exército, este, durante esse período - incluindo, por conseguinte, necessariamente, o de 29.07.2010 a 02.10.2010 - tinha capacidade/tutela disciplinar sobre o A..

3.2 - Ora, não há dúvida que o A., a 02.08.2010, apresentou requerimento de rescisão imediata do contrato celebrado com o Exército Português, pedindo o deferimento desse requerimento, estando-se, assim, perante um pedido de rescisão imediata por mútuo acordo; 3.3 - Ou seja, com esse requerimento, contrariamente ao considerado na douta sentença, o A. não rescindiu o contrato ou comunicou a rescisão imediata do contrato; 3.4 -As faltas ao serviço subsequentes a esse requerimento, e antes de qualquer decisão sobre o requerido, apenas podem configurar faltas injustificadas (ou, noutras palavras, ausência ilegítima), com as consequências daí decorrentes; 3.5 – Atentos os mencionados factos e considerando o disposto no RDM a instauração desse procedimento disciplinar não constitui violação de qualquer normativo; 3.6 - O facto de uma decisão disciplinar ter soçobrado, ao ser anulada em sede de recurso hierárquico ou em sede de impugnação judicial, não acarreta, como consequência direta, a responsabilidade do Estado pelos efeitos da decisão disciplinar, porquanto não importa, à partida, um juízo de ilegalidade ou de ilicitude na sua elaboração desde que proferida no uso de uma competência legal e com respeito pelos princípios que regem o exercício das respetivas funções; 3.7 - A instauração de procedimento disciplinar é justificada pela conduta do A., sendo, assim, reconhecido ao superior hierárquico titular desse poder-dever o direito legal de sacrificar (eventuais) bens ou valores jurídicos de que aquele é titular inferiormente valorados pela ordem jurídica, não se mostrando violada nenhuma regra de ordem técnica ou o dever de cuidado configuradores de facto ilícito, tal como é previsto no art. 9º, nº1 do Regime aprovado pela Lei nº 67/07.

3.8 - Igualmente não se mostra que a instauração e tramitação do processo disciplinar, a acusação, condenação nele proferidas e os averbamentos na folha de matrícula tiveram lugar de modo leviano, imaginário e infundado e que os respetivos autores de tal factualidade tinham o dever de os não ter praticado.

3.9 - Não se vislumbra como pode a existência dos averbamentos na folha de matrícula respeitantes à conduta...

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