Acórdão nº 184/19.4T8AMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 19 de Março de 2020
Magistrado Responsável | EDUARDO AZEVEDO |
Data da Resolução | 19 de Março de 2020 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães M. S. em 05.08.2019 intentou o presente procedimento cautelar especificado contra A. C., M. E., P. F., casada com F. F., J. R. e S. N., pedindo: “como preliminar do procedimento de partilha de bens do acervo hereditário do falecido A. L., … o imediato arrolamento: de (…) a) Prédio urbano – casa de habitação e eido junto - sito no Lugar ..., freguesia de ..., do concelho de ..., inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ... e atualmente descrito na Conservatória do Registo Predial sob n.º 254; b) Prédio rústico denominado “Campos do Ribeiro ou do Nabal e Campo do Moinho” sito no Lugar ..., Minhotos, Pedreira ou Pedreiras, freguesia de ..., do concelho de ..., inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo 391 e rustica sob o art. 381 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob n.º 220 – resulta de parte descrita no art. 5871 e de parte não descrita; c) Prédio urbano sito no Lugar ..., freguesia de ..., do concelho de ..., inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ... descrito na Conservatória do Registo Predial sob n.º ... – ... – o qual, após constituição de propriedade horizontal, deu origem às frações autónomas “A” e “B” com o artigo matricial n.º … e descrição na CRP ... A e ... B; d) Prédio rústico denominado “Campo da …” sito no Lugar ..., freguesia de ..., do concelho de ..., inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial sob n.º …”.
Alegou, em síntese: os prédios em causa, por conta da quota disponível, foram doados aos requeridos em vida pelo citado A. L., seu pai e dos três primeiros requeridos, bem como avô dos demais, filhos de M. N.; o falecido deixou a suceder a esposa e sete filhos, herdeiros legitimários; após o óbito do doador verifica-se que o valor da doação ultrapassa o valor da quota disponível, antevendo-se o exercício do direito de redução daquelas doações por inoficiosidade; o falecido era proprietário ainda de mais dois imóveis, sendo apenas estes os únicos incluídos na participação de óbito e liquidação de imposto de selo apresentada no Serviço de Finanças; receia que os donatários dissipem ou onerem tais bens, o que já começaram a fazer, pretendendo, por isso, face ao justo receio de extravio, lançar mão do arrolamento para salvaguardar os direitos a exercer no âmbito do processo de inventário que instaurará.
Citados, os dois últimos requeridos vieram deduzir oposição alegando, em síntese: a caducidade do direito de instaurar a ação para redução das doações por inoficiosidade; esta forma de procedimento cautelar apenas pode ser usada por herdeiro legitimário que ainda tenha possibilidade de proceder à redução; a improcedência do arrolamento por não se verificarem os respetivos pressupostos; o valor do bem doado é o da doação; relativamente ao imóvel que receberam e de modo a dividirem entre si o seu uso e fruição, em 02.06.2004 constituíram a propriedade horizontal através de duas frações, uma delas entretanto reconstruída e ampliada; a avaliação desse imóvel e dos demais está inflacionado; os bens não doados são mais que suficientes para garantir o pagamento do quinhão hereditário da requerente; a hipoteca entretanto constituída sobre uma das frações pode ser já cancelada; e a venda que pretendem fazer foi motivada única e exclusivamente pelas relações de má vizinhança provocadas pela requerente e marido.
Dando-se cumprimento ao disposto no artº 3º, nº 3 do CPC a requerente respondeu à matéria de exceção suscitada em sede de oposição, mantendo a sua posição inicial.
Proferiu-se despacho: “(…) Compulsados; os assentos de nascimento e óbito, as certidões matriciais e prediais e as escrituras públicas de doação; todos apresentados com o requerimento inicial, que são documentos com eficácia probatória plena quanto os factos por si atestados, podem dar-se como assentes os factos seguintes: 1. M. S. nasceu a - de Abril de 1958, em ..., concelho de ..., filha de A. L. e I. T..
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A. L. faleceu a - de Março de 2016, em …, ..., no estado de casado com I. T..
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Em 12 de Agosto de 1980, por escrito, perante notário, A. L. e I. T. declararam doar à filha M. E., por conta da quota disponível, o prédio urbano, sito no Lugar ..., da freguesia de ..., ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ....
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Em 28 de Maio de 1998, por escrito, perante notário, A. L. e I. T. declararam doar à filha P. F., por conta da quota disponível, o prédio rústico, sito no lugar ..., freguesia de ..., ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ….
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Em 15 de Fevereiro de 1999, por escrito, perante notário, A. L. e I. T. declararam doar aos netos, J. R. e S. N., por conta da quota disponível, o prédio urbano, sito no Lugar ..., da freguesia de ..., ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ....
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Em 4 de Setembro de 2006, por escrito, perante notário, A. L. e I. T. declararam doar ao filho A. C., por conta da quota disponível, o prédio rústico, sito no Lugar ..., da freguesia de ..., ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ….
Com relevo interesse para a discussão da causa, inexistem factos não provados.
Não se respondeu à demais matéria por ser de natureza conclusiva, de facto e de direito, e/ou irrelevante para a decisão a proferir.
Enquadramento jurídico Elencados os factos com relevo para a decisão a proferir, importa, então, apreciar a pretensão de arrolamento de bens apresentada pela requerente.
Dispõe, na matéria, o artigo 403.º do Código de Processo Civil (CPC), preceituando que: “1. Havendo justo receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens, móveis ou imóveis, ou de documentos, pode fazer-se o arrolamento destes.
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O arrolamento é dependência da ação à qual interessa a especificação dos bens ou a prova da titularidade dos direitos relativos às coisas arroladas”.
Ainda com relevo para a decisão a proferir, dispõem os artigos 404.º e 405.º, ambos do CPC, respetivamente, que: artigo 404.º “1. O arrolamento pode ser requerido por qualquer pessoa que tenha interesse na conservação dos bens ou dos documentos”.
artigo 405.º “1. O requerente faz prova sumária do direito relativo aos bens e dos factos em que fundamenta o receio do seu extravio ou dissipação… … 3. Produzidas as provas que forem julgadas necessárias, o juiz ordena as providências se adquirir a convicção de que, sem o arrolamento, o interesse do requerente corre risco sério.” .
Conforme já se viu, pretende a requerente, como preliminar da ação de inventário a instaurar por óbito de seu pai, A. L., o arrolamento dos prédios doados em vida pelos pais, por conta da quota disponível, por entender que tal negócio será, eventualmente, reduzido por inoficiosidade, temendo que os donatários, face a tanto, dissipem/onerem aqueles bens lesando os interesses dos demais herdeiros.
O arrolamento consiste, - conforme das disposições conjugadas dos artigos artigo 403.º e 406.º do CPC resulta -, numa descrição, avaliação e depósito de bens, móveis e/ou imóveis, ou de documentos, sobre os quais recaia justo receio de extravio, ocultação ou dissipação, e que fica na dependência da ação principal onde se discutirá a especificação dos bens e a prova da sua titularidade.
Trata-se, por isso, de uma providência provisória, por vezes, antecipatória, justificada pelo periculum in mora; ou seja, pelo justo receio de lesão grave e dificilmente reparável de um direito (cfr. artigo 362.º do CPC).
O que vem de ser dito basta para, e sempre ressalvado o devido respeito por entendimento em contrário, concluir que os prédios em causa nos autos não estão sujeitos a arrolamento; ainda que tenham sido doados em vida do de cujus, por conta da quota disponível, conforme se demonstrou.
Efetivamente, nessas circunstâncias, o valor das doações é computado para cálculo da legítima (cfr. artigo 2162.º do Código Civil) e regressa à massa da herança apenas para efeitos de igualação da partilha; é o que se chama colação (cfr. art. 2104º, n.º 1 do Cód. Civil).
Ora, conforme já entendia o STJ (Ac. STJ de 3/10/95, in CJ, t. III, pág. 38), a cujos argumentos se adere por manterem toda a sua actualidade, a colação é um “ónus … não … mais que uma reunião fictícia dos bens doados com o fim de reconstituir o património do de cujus, de maneira a incluir nele todos aqueles bens que dele fariam parte se o autor da herança os não tivesse doado.
Para que se verifique a hipótese de colação torna-se cumulativamente necessário: que haja...
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