Acórdão nº 281/19.6T8PRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 19 de Março de 2020

Magistrado ResponsávelSANDRA MELO
Data da Resolução19 de Março de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães Apelante e Requerente: MUNICÍPIO DE ..., com sede na Rua …, na vila de ..., Apelados e Requeridos: A. C. e mulher, A. G., residentes no lugar ..., freguesia de ..., dito concelho de ....

Autos de apelação (em incidente de oposição em processo de procedimento cautelar especificado de restituição provisória de posse) I.

Relatório --- O Requerente deduziu o presente procedimento cautelar peticionando que, sem audiência dos Requeridos, se ordene a restituição ao Requerente da posse do caminho que identifica, mediante a remoção do cadeado por aqueles colocado e a sua intimação para não impedirem ou, por qualquer meio, limitarem o livre trânsito pelo mesmo caminho para acesso ao rio ..., como sempre (há mais de 10 anos) vinha acontecendo, tanto a pé, como com veículos automóveis.

Alegou para tanto, em síntese, que desde há mais de 10/11 anos, continuada e ininterruptamente, após contactos e negociações com os Requeridos, que chegaram a bom termo, tem sido utilizado um caminho, pavimentado pelo Requerente, sem a menor oposição ou contestação, nomeadamente, dos Requeridos. Em finais do mês de junho de 2019, os Requeridos vedaram a utilização do referido caminho em mais de metade da sua extensão, até ao rio.

Após produção de prova, foi proferida decisão pela qual se deferiu a requerida providência cautelar e se ordenou a restituição provisória da posse ao requerente sobre o caminho, mediante a remoção do cadeado colocado pelos Requeridos, ficando-lhes vedado que impeçam ou, por qualquer meio, limitem o livre trânsito pelo mesmo caminho para acesso ao rio ..., tanto a pé, como com veículos automóveis.

Os Requeridos deduziram oposição, impugnando o esbulho e afirmando que foi celebrado contrato de comodato, o qual foi denunciado, tendo exigido a restituição do imóvel.

Produzida prova, foi proferida decisão, julgando procedente a oposição deduzida e revogando a providência de restituição provisória da posse antes decretada.

É desta decisão que a embargante apela, apresentando as seguintes conclusões 1.

A Sra. Juiz recorrida decidiu revogar a providência apenas com base no facto de os Requeridos terem endereçado uma carta ao Presidente do órgão executivo (Câmara Municipal) do requerente, denunciando uma alegada cedência temporária e requerendo a sua entrega. A nosso ver, essa interpelação nunca podia ter o efeito que lhe foi atribuído, principalmente sem o requerente ter oportunidade de se pronunciar quanto à mesma.

  1. Tendo assim decidido por ter enquadrado a situação em causa num contrato de comodato, parece-nos que também esse entendimento não foi correto, desde logo porque a factualidade provada não quadra com a noção legal desse contrato. Enquanto o comodato se traduz na entrega de uma coisa a outrém para dela se servir e, depois, restituir, nada disso se passou no caso presente. Os Requeridos não cederam a utilização da parcela de terreno do seu prédio, mas cederam a própria parcela para integrar um caminho público de acesso a um rio.

  2. Essa cedência só podia entender-se e considerar-se como definitiva, tanto porque a parcela de terreno seu objecto foi transformada (desmatação do respectivo espaço, remoção de entulhos, nivelamento de terras e pavimentação em calçada) precisamente para integrar o caminho público de acesso ao rio.

  3. Tal factualidade só é compatível com uma cedência definitiva, a não ser que se considere normal ou, sequer, possível que o requerente aceitasse uma cedência temporária, maxime sem a estipulação de um prazo mínimo ou até à verificação de determinada ocorrência, assim ficando sujeito a ter de restituir a parcela de terreno a qualquer momento, nomeadamente após escassos meses ou até dias, para mais depois de nela já ter introduzido tão relevantes e dispendiosas transformações.

  4. Além disso, tanto numa situação normal como, por maioria de razão, na do caso presente em que tudo aponta para não se estar perante um caso desses, o Tribunal só podia concluir ter-se tratado de uma cedência temporária com base na alegação e prova da correspondente factualidade por parte dos Requeridos.

    Ora, apesar de o terem alegado, o certo é que os Requeridos nada demonstraram a tal propósito.

    Por isso, não podia concluir-se senão ter sido uma cedência definitiva.

  5. Acresce que dos depoimentos das duas testemunhas inquiridas e arroladas pelo requerente resulta claramente ter-se tratado de uma cedência definitiva.

    Assim sucedendo com o depoimento da testemunha R. S., quando referiu "tudo aconteceu por se ter pensado em abrir um acesso que fosse lá uma viatura para ficar mais perto do rio (v.min. 2.10), que quando foi para planear o traçado do caminho a requerida-mulher, depois de ter dito ser complicado pelo meio dos patamares acabou por dizer que cedia um patamar dos do fundo e que a Sra. cedeu o patamar e abriu-se o caminho" (v.min. 3.08).

    Tendo acrescentado, com inequívoco significado no sentido de ter sido uma cedência definitiva, que durante um ano ou dois o caminho ficou em terra e só depois é que foi calcetado mesmo até ao rio (v.min. 7.37) O mesmo decorre, ainda mais claramente, do depoimento da outra testemunha, J. L., quando começou por referir que falaram com a requerida-mulher no sentido de "ceder, pagando" uma parcela de terreno para alargar um caminho público de acesso ao rio (v.min. 2.07).

    Tendo acrescentado que o traçado inicialmente proposto por eles, testemunha, como Presidente da Junta não mereceu a concordância da requerida-mulher, tendo então concordado, em vez de alargar o caminho antigo, fazer um acesso novo que era mais conveniente para ela (v.min. 4.49), com a cedência da tal parcela de terreno.

    Confirmando que só mais tarde foi pavimentado (v.min. 6.03). E, a instâncias da Sra Juiz, foi peremptório e assertivo na afirmação de que não foi por anos; era indefinido, era uma melhoria (v.min. 11.06) e confirmando também ter ficado assente que era para sempre (v.min. 11.52).

  6. Além disso, a nosso ver, independentemente do respectivo título, tendo sido provada a posse legítima do requerente, tinha que se manter a providência decretada pois, como tem sido entendimento praticamente unânime, tanto na doutrina como na jurisprudência, basta que a posse seja de duração superior a um ano, para merecer protecção legal, nomeadamente para ser restituída, ainda que provisoriamente, a quem dela tiver sido privado por meios violentos, só depois, na acção definitiva, havendo lugar à discussão sobre se a mesma (posse) é ou não legitima.

  7. Ora, no caso presente, manteve-se inalterada toda a factualidade alegada pelo requerente integradora da sua posse, há mais de 10/11 anos, continuada e ininterruptamente, sem qualquer oposição ou, sequer, contestação de alguém, nomeadamente dos Requeridos, não podia deixar de se manter a restituição decretada. 9. Aliás, entendemos mesmo que, face ao teor da oposição dos Requeridos e por nela não se conter factualidade susceptível de por em causa a posse do requerente, essa oposição devia ter sido liminarmente indeferida.

  8. Assim não se tendo entendido e decidido e ao decretar-se o levantamento da providência, estamos certos não ter sido feita a melhor e mais correcta interpretação e aplicação ao caso das pertinentes disposições legais, nomeadamente dos arts. 342º, 1129º, 1278º e 1279º do C. Civil, pelo que No provimento do presente recurso, deve revogar-se o despacho recorrido e, em sua substituição, ser proferido outro que julgue improcedente a oposição deduzida pelos Requeridos e mantenha a decretada restituição provisória de posse Os Requeridos apresentaram resposta, com as seguintes conclusões 1. A ora Recorrente não sofreu quaisquer prejuízos sérios, considerando que o caminho não era utilizado pela generalidade das pessoas para acesso ao Rio, para no tempo de calor, tomarem banho, nem tão pouco para a realização de atividades, convívios, passeios de barco, nem como local de pesca.

  9. Pelo contrário, com a reabertura do caminho, os Recorridos sofrerão avultados prejuízos, tendo em conta o projeto de turismo Rural, o qual se encontra em fase de aprovação.

    C. Caso assim não se entenda, a aplicação de uma caução, nunca poderá ser inferior a €4.000,00.

    D. A decisão sob a qual a ora Requerente pretende agora recorrer, já foi objeto de sentença anterior, tendo transitado em julgado, E. Sendo por isso, neste momento, irrecorrível.

    F. De facto, a decisão quanto à qualificação jurídica do negócio que uniu as partes foi tomada pela sentença proferida em...

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