Acórdão nº 212/14.0T8EVR-C.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 27 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução27 de Fevereiro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Procº 212/14.0T8EVR-C.E1 Acordam os Juízes da 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora Recorrente: Ministério Público Recorridos: (...) e (...) *No Tribunal Judicial da Comarca de Évora, Juízo de Família e Menores de Évora, o Ministério Público, propôs o processo de promoção e proteção, relativamente aos menores (…) e (…), filhos de (…) e de (…), requerendo que lhes fosse aplicada, a título cautelar e imediato, a medida de promoção e proteção de acolhimento residencial, prevista nos artigos 35.º, n.º 1, alínea f), 50º, 37º, 91º e 92º todos da Lei n.º 147/99, de 01-09 (LPCJP).

Entretanto, por decisão proferida a 06.04.2018 pelo Ministério Público foi aplicada à menor (…), em procedimento de urgência, a medida proposta, medida que acabou por ser judicialmente confirmada por decisão de 09.04.2018.

Posteriormente, por decisão proferida a 04.07.2018 foi igualmente aplicada a referida medida ao menor (…).

*Foi declarada aberta a instrução, no decurso da qual se realizaram as diligências reputadas por convenientes, tendo-se, designadamente, procedido à audição de diversas testemunhas, à recolha de informações sobre as condições socioeconómicas do agregado familiar das menores â realização de perícias psicológicas.

*Encerrada, a instrução e entendendo-se necessária a aplicação de uma medida de promoção e proteção aos dois menores sem que se vislumbrasse a possibilidade de obtenção de decisão consensual, determinou-se o prosseguimento dos autos para a realização de debate judicial.

Cumprido o preceituado no artigo 114° da LPCJP, quer o Ministério Público, quer progenitora (…) apresentaram alegações e indicaram prova.

O Ministério Público requereu que aos dois menores seja aplicada a medida de promoção e proteção de confiança a pessoa selecionada para a adoção ou a instituição com vista à adoção, prevista nos artigos 35.º, n.º 1, alínea g), 38.º-A e 62.º-A, todos da LPCJP e que seja designado curador provisório, nos termos do último dos citados preceitos.

Alega, em síntese, que os menores residiam com os seus progenitores, evidenciando sinais graves de negligência ao nível da alimentação, da higiene e dos cuidados adequados â sua faixa etária, apresentando, inclusivamente, o menor (…) um atraso no seu desenvolvimento. Mais refere que a 06.04.2018 a situação da menor (…) foi sinalizada pela sua educadora de infância junto do DIAP de Évora por suspeitas de abuso sexual, na medida em que a mesma apresentava uma fissura no ânus e recusava os cuidados de limpeza da região genital e anal fechando as pernas, lesão física que foi confirmada em contexto hospitalar e que determinou a aplicação, título cautelar e urgente, da medida de acolhimento residencial no Refúgio (…).

Tal medida foi igualmente aplicada, a 04.07.2018 ao menor (…), que foi acolhido na mesma instituição da irmã. Os dois menores permanecem à presente data no Refúgio (…) sem visitas de familiares, pois, por se entender que o contacto com a família poderia evocar o passado e o reviver da situação emocional traumática, foi determinada a suspensão de quaisquer contactos com familiares.

Os factos denunciados foram investigados no processo n.º 520/18.0T9LVR e conduziram à condenação de ambos os progenitores dos menores, por acórdão proferido a 29.05.2019 mas não transitado em julgado, a uma pena única de 13 anos de prisão, pela prática, em relação à menor (…), de (dois) crimes de abuso sexual de criança agravada, previstos e punidos pelos artigos 171.º, n.

os 1 e 2 e 177.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal.

Por fim, refere que não obstante os menores possuírem avós maternos e paternos, a sua entrega à guarda e cuidados destes familiares não se afigura conforme aos seus interesses, pois os menores não conhecem os avós paternos e os avós maternos apesar de terem conhecimento da negligência a que os netos se encontravam sujeitos nunca atuaram com vista à sua proteção e revelam incapacidade para aceitarem a condenação penal.

Termina, dizendo que à presente data ambos os menores já apresentam um grau de desenvolvimento adequado à sua idade e conseguem estabelecer relações afetivas e emocionais com os pares e com os adultos.

A progenitora (…) requereu que seja aplicada aos dois menores a medida de apoio junto dos avós matemos, prevista no artigo 35.º, n.º 1, alínea b), da LPCJP.

Alega que os avós maternos para além de possuírem todas as condições para poderem acolher os seus netos, sempre se preocuparam e providenciaram pelas condições necessárias ao seu bem-estar físico, psicológico e emocional, mantendo com os mesmos uma relação de proximidade.

Mais refere que tais familiares nada têm a ver com os factos que motivaram a sua condenação, bem como a do progenitor, e que o facto de manterem contacto consigo, sua filha, não pode ser interpretado como equivalendo a uma falta de consciência ou juízo crítico em relação ao ilícito penal, mas tão só o resultado das relações familiares que os unem.

Tanto mais que os avós matemos se mostram disponíveis para recorrerem a todos os profissionais do foro para os apoiarem nos cuidados que os seus netos careçam quando regressem ao seio da família.

Termina alegando que a medida proposta pelo Ministério Público ao ignorar a possibilidade do acolhimento dos menores no seio da família alargada, viola o princípio constitucional da primazia da família biológica.

*Realizado o julgamento foi proferida a seguinte decisão: Pelo exposto, atendendo ao superior interesse dos menores e aos princípios orientadores da intervenção para a promoção e proteção da criança em perigo, acordam os juízes que compõem este tribunal coletivo misto: A. Aplicar aos menores (…) e (…), pelo período de 1 (um) ano e com revisões trimestrais, a medida de promoção e proteção de apoio junto dos avós maternos, (…) e (…), acompanhada por apoios de natureza psicopedagógica e social, nos termos dos artigos 35.º, nº 1, alínea b), e 40.º da LPCJP.

B. Determinar a proibição de contactos dos menores com os seus progenitores (…) e (…) até ao trânsito em julgado da decisão proferida no processo n.º 520/14.0T8HVR, altura em que a situação deverá ser reavaliada.

*Sem custas, considerando o disposto no artigo 4.º, n.º 2, alínea f), do Regulamento das Custas Processuais.

*De conhecimento à Instituição que acolhe os dois menores.

*Solicite-se ao processo comum coletivo n.º 520/14.0T8EVR a oportuna remessa de certidão, com nota de trânsito em julgado, da decisão aí proferida.

*Após transito, notifique e comunique ao ISS.IP/CD Évora, solicitando o envio de plano de execução da medida, que contemple a prestação de apoios de natureza psicopedagógica e social, e o envio de relatórios com vista a proceder-se à sua revisão.

* Não se conformando com o decidido, o Ministério Público recorreu da sentença, formulando as seguintes conclusões, que delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, artigos 608º/2, 609º, 635º/4, 639º e 663º/2 do CPC: 1- O tribunal a quo fez uma interpretação da prova produzida em audiência de forma descontextualizada com as informações vertidas nos autos pelas entidades que vêm acompanhando e testemunhando a evolução das crianças (…) e (…), não se socorrendo, para tanto, das normas de experiência comum que quando confrontadas com os factos resultariam numa decisão diversa da proferida; II- O douto acórdão recorrido violou o disposto no art.º 607º, 4, do Código de Processo Civil, ao não valorar todas as provas juntas aos autos e melhor elencadas no referido supra, que davam conta da situação de perigo em que as crianças (…) e (…) se encontravam no convívio e proximidade com os avós maternos (…) e (…); III- O douto acórdão incorreu em erro na apreciação da prova, ao confundir a manifestação comportamental da avó materna, caracterizada pelo duplo padrão (double-bind), como uma real preocupação e competência para o exercício da parentalidade que não se reflete na existência de uma relação de referência afetiva, de cuidado e segurança efetiva para com as crianças, como da nulidade a que se refere o artigo 615º, nº l, alínea d), do Código de Processo Civil; IV- O douto acórdão omitiu qualquer preocupação quanto às efetivas condições pessoais, afetivas e psicológicas dos avós maternos (…) e (…) para, no imediato e sem qualquer preparação pedagógica, psicológica prévia, para se constituírem como cuidadores das crianças (…) e (…), colocando-as numa situação de potencial revitimização face às vivências traumáticas anteriores e de incompreensão e inabilidade para evitar os efeitos negativos secundários associados; V- A ausência de uma relação afetiva positiva de referência das crianças (…) e (…) com a avó materna (…), a situação de instabilidade emocional imanente ao estado depressivo desta e a vulnerabilidade emocional das crianças vítimas de experiências traumáticas, não oferece a necessária estabilidade ao são desenvolvimento das crianças, pelo que também não aconselhariam a colocação das crianças junto da avó materna; VI- Os progenitores (atualmente reclusos) e os avós maternos e paternos não constituem alternativa para garantir um salutar e harmonioso crescimento das crianças (...) e (…), pelo que a medida adequada à salvaguarda dos direitos das crianças é a medida de promoção e proteção de confiança a pessoa selecionada para a adoção ou a instituição com vista à adoção, in casu, no Refúgio (…), nos termos dos artºs. 35º, nº 1, al. g), 389º-A e 629º, nº 1, da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP) aprovada pela Lei nº 147/99, de 1/9, com as alterações da Lei nº 142/2015, de 8/9.

* A Recorrida (…) contra-alegou, concluindo: A. O tribunal “a quo” fez a melhor interpretação da prova produzida em audiência, contextualizando-a com toda a restante informação documental carreada para os autos, exprimindo um raciocínio assente em premissas logicas e coerentes, consonantes e isentas de qualquer reparo em termos das regras da experiência comum.

B. Para o efeito, o tribunal fez igualmente uso da livre convicção do...

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