Acórdão nº 917/19.9T8ABF.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 27 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelCRISTINA D
Data da Resolução27 de Fevereiro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Apelação n.º 917/19.9T8ABF.E1 (1.ª Secção) Relator: Cristina Dá Mesquita Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora: I. RELATÓRIO I.1.

(...), Seguros Gerais, SA, requerida no procedimento cautelar de arbitramento de reparação provisória movido por (...), interpôs recurso da sentença proferida pelo Juízo Local Cível de Albufeira do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, o qual julgou parcialmente o procedimento cautelar e, em conformidade, condenou a requerida, ora apelante, a pagar, com efeitos desde 01.10.2019, ao requerente/apelado, a renda mensal de € 800,00 até ao dia 8 de cada mês, a título de reparação provisória, até ao trânsito em julgado da sentença que for proferida nos autos de ação principal, absolvendo-se do demais peticionado.

Na ação, o requerente havia peticionado a fixação de uma renda mensal, a título de reparação provisória, de valor não inferior a € 1.000,00.

Para tanto alegou, em síntese, que foi vítima de um acidente de viação ocorrido no dia 17.06.2018, em Albufeira, o qual ocorreu por culpa única e exclusiva do condutor da viatura de matrícula n.º (...), a qual se encontrava, à data, segura pela requerida (...), tendo esta seguradora assumido a responsabilidade do seu segurado e, consequentemente, procedeu ao pagamento de despesas e de algumas diferenças salariais, tendo ainda indemnizado o requerente pela perda total do seu veículo. O requerente sustentou que lhe sobrevieram lesões graves em consequência do sinistro – as quais descreveu – e que, encontrando-se ainda em período de recuperação, mantém marcha claudicante, mantém dores, em particular ao nível do joelho e perna esquerdos, vendo-se obrigado, em determinadas circunstâncias – que concretiza – a usar canadianas e que, após o acidente, não mais pôde voltar a trabalhar, encontrando-se atualmente desempregado, não possuindo quaisquer bens ou rendimentos suscetíveis de prover ao seu sustento, subsistindo com a ajuda financeira da sua companheira, de familiares e de amigos. Invocou despesas várias, que concretizou. Alegou, ainda, que o sinistro foi simultaneamente um acidente de viação e de trabalho e que se encontra pendente no tribunal do Trabalho de Faro um processo no qual se encontra a aguardar a realização de uma perícia médico-legal, não estando a seguradora (...) Seguros a pagar o que quer que seja.

O procedimento cautelar foi admitido liminarmente e foi designada data para a realização da audiência de julgamento, em sede da qual a requerida (...) apresentou contestação.

Naquele seu articulado, a requerida reconheceu a assunção da responsabilidade do seu segurado pela eclosão do acidente de viação, sustentando, todavia, que o autor se encontra a exercer o seu direito indemnizatório pelos danos patrimoniais sofridos em consequência do acidente de viação junto da (...) Seguros, seguradora do ramo acidentes de trabalho, e que o presente procedimento cautelar deveria ter sido deduzido junto daquele tribunal do Trabalho.

Mais alegou que o requerente não explica o como, o porquê e o quando da cessação do seu contrato de trabalho, factos essenciais para apurar do nexo de causalidade entre a situação de necessidade alegada e os danos decorrentes do acidente, nem apresenta qualquer documento que comprove a não verificação das condições de atribuição de subsídio de desemprego, tal como, em momento algum, alega o valor do rendimento que auferia à data do acidente, o que é essencial para a decisão da causa, considerando que sem saber o valor dos rendimentos do requerente no momento imediatamente anterior ao acidente de viação não é possível apurar se a situação de necessidade, a existir, resulta diretamente dos danos sofridos ou, pelo contrário, já existia àquela data. Para além de que não junta quaisquer documentos comprovativos das despesas que alega, sendo insuficiente a prova testemunhal «sem o mínimo substrato documental para atestar factos que são todos eles refletidos em documentos de fácil acesso para o requerente».

Realizada a audiência de julgamento, com inquirição da prova testemunhal arroladas pelas partes, foi proferida a decisão objeto do presente recurso.

I.2.

A recorrente formula alegações que culminam com as seguintes conclusões: «1ª - Surgem as presentes alegações no âmbito do recurso da sentença proferida nos autos de procedimento cautelar, nos termos da qual decidiu o Tribunal a quo julgar a providência cautelar parcialmente procedente, condenando a Apelante, a pagar uma renda mensal de € 800,00 a título de reparação provisória, com efeitos desde 01.10.2019, até ao trânsito em julgado da sentença que for proferida nos autos de ação principal. 2ª - Porque com tal decisão a recorrente não se pode conformar, serve o presente recurso para submeter o presente pleito à reapreciação e reanálise de V. Exas. para decisão. 3ª - O artigo 388º do CPC faz depender o decretamento da providência de arbitramento de reparação provisória da verificação de pressupostos cumulativos que caberia ao Apelado provar: “a) a existência de um direito de indemnização, já judicialmente reclamado ou a reclamar, pelos prejuízos resultantes da morte, lesão corporal ou dano suscetível de colocar seriamente em causa o sustento ou habitação do lesado; b) a existência de um estado de necessidade económica do lesado e de um nexo de causalidade entre aqueles danos e a situação de necessidade; c) a indiciação de uma obrigação de indemnizar a cargo do(a) requerido(a)”, não podendo a Apelante deixar de impugnar a valoração da prova feita pelo douto Tribunal a quo relativamente a tais pressupostos. 4ª - Se nenhuma dúvida se suscita quanto à existência de um direito indemnizatório do Apelado resultante do acidente de viação ocorrido em 17.06.2018, porquanto, como se refere na douta sentença, a responsabilidade pelo acidente foi assumida pela Apelante, o mesmo já não se poderá dizer relativamente ao facto de o dano indemnizável consubstanciar uma situação suscetível de colocar em causa o sustento do lesado, e isto porque, entende a Apelante que a prova que foi produzida não permite alcançar tal desiderato. 5ª - De facto, o douto Tribunal dá como provado que “O requerente não possui quaisquer meios financeiros que lhe permitam custear as suas despesas, para mais que após o acidente não mais pôde voltar a trabalhar, para o qual o requerente nada contribuiu.” e que “Encontra-se desempregado, não possuindo quaisquer bens ou rendimentos suscetíveis de prover o seu sustento, por se encontrar doente e em convalescença, não pode voltar a trabalhar”, (pontos 23 e 24 da matéria provada) o que fez, segundo se retira da fundamentação da matéria de facto, atentos os depoimentos de (…), mulher do Apelado, (…), filha do Apelado, e (…) e (…), que, de forma geral, referem que o Requerente “não tem condições para trabalhar” ou que “não tem condições para trabalhar como fazia antes do acidente”. 6ª - Sendo certo que a primeira testemunha é empregada de limpeza, a segunda estudante e as terceira e quarta aposentadas, entende a Apelante que a prova testemunhal produzida não é suficiente para suportar os factos supra referidos e dados como provados pelo Tribunal a quo, desde logo porque está em causa uma matéria que exige conhecimentos técnicos especiais do foro clínico que o julgador não dispõe, nem tão pouco as testemunhas inquiridas, pelo que não podem os seus depoimentos ser bastantes para atestar que o Apelado não pode trabalhar em consequência do acidente sofrido. 7ª - A avaliação do estado clínico, impactos e repercussões que o acidente sofrido pelo Apelado possa ter tido para a sua saúde e atividade profissional só pode ser certificada de forma credível e séria por profissionais do foro da saúde, não juntando o mesmo um único relatório ou parecer médico que ateste o seu estado e comprove a sua situação de incapacidade para o trabalho posterior ao mês de maio de 2019. 8ª - A documentação aportada aos autos pelo Apelado sustenta precisamente o contrário, já que nela se refere que “a partir do dia 2019-04-24, o Sinistrado ficou com a seguinte situação: Com uma Incapacidade Temporária Parcial de 20%, até (data não definida), data da próxima consulta, podendo retomar a sua atividade profissional”, sendo o “Boletim de Situação Clínica” dado a conhecer ao Apelado, titulando a alta clínica considerada pela seguradora do trabalho, justificando obviamente o facto de este ter “deixado de receber qualquer quantia desde Maio (…)”. 9ª - O que está efetivamente indiciado é que o Apelado desde 24.04.2019 está em condições de retomar a sua atividade profissional ainda que com um esforço acrescido, ou seja, precisamente o contrário do que o douto Tribunal levou à matéria de facto dada como provada, pelo que não deixar de se impugnar a valoração da prova produzida. 10ª - Não poderia, assim, face ao exposto, o Tribunal dar como provada a matéria dos pontos 23. e 24. nos termos em que fez, impondo-se a eliminação no ponto 23. da parte em que se afirme “(…) para mais que após o acidente não mais pôde voltar a trabalhar (…)” e no ponto 24. da parte final “por se encontrar doente e em convalescença, não pode voltar a trabalhar”, o que se requer pelo presente recurso. 11ª - Também para avaliar o “estado de necessidade económica do lesado”, fundamental se tornaria, em primeira linha, apurar os rendimentos e despesas do Apelado, o que na perspetiva da Apelante, não foi conseguido, sendo a prova valorada de forma simplista e pouco exigente, impondo-se decisão distinta da adotada pelo Tribunal a quo nos pontos 27, 28 e 29 da matéria considerada provada. 12ª - É certo que o Apelado alegou ter a seu cargo despesas num valor total de € 1.002,50, mas também é certo que não juntou um único documento para prova desta realidade, considerando o douto Tribunal provada tal factualidade unicamente com base no depoimento das testemunhas mulher e filha. 13ª - A Apelante está plenamente consciente que a exigência de prova no âmbito dos autos de procedimento cautelar se encontra reduzida a uma...

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