Acórdão nº 02635/13.2BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 05 de Março de 2020

Magistrado ResponsávelAna Patroc
Data da Resolução05 de Março de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I. Relatório O Excelentíssimo Representante da Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, em 24/01/2017, que julgou procedente a Oposição judicial deduzida por G. contra o processo de execução fiscal n.º (…) e apensos, instaurado originariamente contra a sociedade comercial denominada ”W., Lda.”, para cobrança coerciva de dívida de IRC, de 2008, no montante de €26.583,96.

O Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: A. “A oposição em causa visa o processo de execução fiscal instaurado para cobrança coerciva de dívida de IRC devido em relação ao ano de 2008, na dívida exequenda € 26.583,96, vencida em 10.04.2012, no qual o oponente, por despacho de 22.07.2013, citado na qualidade de responsável subsidiário segundo o art. 24°, n°1, al. a), da LGT.

B. O oponente arguiu que a decisão de reversão estaria afetada de erro nos pressupostos de facto e de direito, por não se ter verificado o exercício efetivo da gerência por parte do oponente, porquanto a sociedade devedora originária teria sido constituída em 18.04.2007 no interesse da pessoa a quem o impugnante tinha outorgado, em 23.04.2007 uma procuração pela qual conferiu poderes que lhe permitiam administrar a sociedade.

C. A douta sentença de que se recorre entendeu procedente a oposição, afirmando que "não logrou a Fazenda Pública provar que o oponente tivesse qualquer conhecimento da vida da sociedade executada originária, ou que desse o seu consentimento aos atos praticados pelo seu mandatário", e que "do probatório coligido resulta que o oponente outorgou uma procuração (...) com uma tal amplitude que não carecia de qualquer intervenção, nem esta resultou provada, daquele primeiro para comandar os destinos da sociedade" D. e que "o único ato de gestão efetiva praticado pelo oponente foi o da outorga da procuração no mesmo dia em que foi constituída a sociedade comercial que é aqui executada originária, que nenhum outro", concluindo faltar um dos pressupostos legais da reversão, declarando o oponente parte ilegítima para a execução e julgando a oposição totalmente procedente.

E. Com o assim decidido, e salvo o devido respeito, não pode a Fazenda Pública, conformar-se, porquanto a douta sentença recorrida mostra-se afetada por erro de julgamento de facto e, em consequência, de direito, F. já que a douta sentença recorrida selecionou de modo deficiente ou insuficiente a matéria de facto provada, o que concorreu para a errónea valoração prova produzida, em termos que afetam irremediavelmente a validade substancial da sentença, pelas razões que passa a explanar.

G. Antes de mais, a Fazenda Pública propugna, respeitosamente, que a sentença recorrida, sob a epígrafe "Factos provados", não especifica todos os factos pertinentes para a boa decisão da causa, e deles retira conclusões de facto não consentâneas com um rigoroso exame crítico da prova produzida, valorizando indevidamente uns e subalternizando por outros, pelo que a Fazenda Pública propugna que se adicionem aos "Factos Provados", aqueles indicados no desenvolvimento destas alegações, que aqui se dão como reproduzidos, H. Ademais, o elemento documental correspondente ao Relatório de Inspeção Tributária, tem origem nos contatos tidos pelo inspetor tributário que conduziu o procedimento de inspeção que associa a conduta do representante como gerente de facto à procuração que lhe foi outorgada pelo oponente, mas não faz, nem porventura tinha de o fazer, o adequado enquadramento jurídico da atuação do representante com os limites e fundamentos da representação voluntária constituída com base na procuração datada de 25.04.2007.

I. A ligação da gerência de facto ao representante mencionada no Relatório de Inspeção Tributária não tinha o sentido de que esse representante tenha, com a procuração outorgada pelo oponente, passado a exercer a gerência de modo livre e autónomo, senão não se compreenderia a indicação no dito Relatório dos poderes conferidos na procuração, nem que o oponente tenha deixado de ter interesse na sociedade e no modo como ela passou a ser gerida.

J. Assim, a Fazenda Pública defende, ao contrário da sentença recorrida, que a referência feita no Relatório de Inspeção Tributária à procuração emitida pelo sócio(-gerente) aqui oponente indica que o representante informou os serviços de inspeção que intervinha na qualidade de representante, e que pretendeu esclarecer e comprovar essa qualidade exibindo o instrumento notarial que a legitimava, demonstrando que agiu sempre enquanto representante e que disso tinha consciência, ainda que na aparência praticasse os atos próprios de um gerente de facto agindo em seu nome.

K. Também o elemento documental constituído pela sentença que decidiu, em 19.04.2013, a absolvição penal do oponente no âmbito do processo n°(…), transitada já em julgado, com base na falta de prova da sua gerência efetiva, não deve porém constituir obstáculo a priori ao estabelecimento, com base em exigências de prova menos restritas e à luz do regime jurídico próprio, de responsabilidade tributária subsidiária.

L. A sentença de absolvição no processo criminal, não tendo a força de caso julgado no que respeita aos factos aí dados como provados ou não provados, constitui tão-só mais um elemento de prova, a ser valorado de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, nos termos do n°5 do art. 607° do CPC, por remissão do art. 2°, al. e), do CPPT.

M. No que concerne à prova testemunhal produzida pelo oponente, a valoração dos depoimentos prestados pelas testemunhas ouvidas, na ótica da Fazenda Pública, como se argumentou na exposição destas alegações, não infirma o pressuposto da gerência efetiva da sociedade devedora originária por parte do oponente para a sua responsabilização tributária subsidiária.

N. As testemunhas quando afirmaram que era o representante indicado que exercia a gerência da sociedade devedora originária, sugerem apenas que era ele que, presencialmente, tratava dos assuntos correntes da empresa, que exigiam a sua permanência nas instalações, mas não que, nas decisões extraordinárias ou que escapavam à normal gestão, ou que o representante não reportasse a sua atuação ao representado aqui oponente.

O. Os depoimentos dessas testemunhas, indicam que, na aparência, o representante agia como gerente de facto, mas não contrariam a informação de que agia mediante procuração, conforme verificado pelos serviços de inspeção tributária e pelo órgão da execução fiscal nas diligências executivas.

  1. Assim, é de concluir que o oponente, estando na origem dos poderes transmitidos através da procuração foi quem exerceu de facto a gerência da sociedade devedora originária nos momentos revelantes, através do representante.

  2. O oponente, quando conferiu poderes de representação da sociedade através de procuração outorgada no dia 23.04.2007 no Cartório Notarial de (...), por meio da qual o oponente, "na qualidade de único sócio em representação da sociedade", declarou que "na qualidade em que intervém constitui procurador da sua representada", atuou em representação da sociedade e, portanto, na condição de sócio-gerente, no exercício dos seus poderes de gestão, razão pela qual tal procuração configura desde logo o ato fundamental do exercício efetivo da gerência pelo oponente, determinante da orientação dos destinos ulteriores da executada originária, sem contudo renunciar ele próprio à gerência que detinha.

R. Tudo se passava como se fosse o próprio dominus aqui oponente a realizar os ulteriores atos de gerência para cuja prática pelo representante a procuração fora outorgada, pelo que, refutando a argumentação da sentença, mesmo naturalisticamente, quando o representante agiu, era o oponente que estava efetivamente a exercer a gerência.

S. A desresponsabilização tributária do gerente nominal autor do ato fundamental da gestão da sociedade, por força da mera circunstância de, após esse ato, não se apresentar externamente como gerente efetivo, conduziria, como decorre do acórdão desse Douto Tribunal Central, de 18.12.2014, que o representado não poderia ser responsabilizado subsidiariamente porque a representação o afastava do exercício da gerência de facto, e, logo o ilibava da gestão societária, T. enquanto que o representante também não poderia ser responsabilizado porque, ainda que exercesse os poderes de facto do gerente e com proximidade em relação à sociedade, exercia-os em nome e por conta daquele gerente.

U. Não pode, então, o oponente deixar de ser responsável pela dívida exequenda, e enquanto tal, parte legítima na execução - quando faz uso do instituto da representação voluntária o oponente tem de ter presente as consequências, naturalísticas e jurídicas, dessa atuação.

V. Pelas razões acabadas de explanar, entende a recorrente Fazenda Pública que o oponente deve ser julgado parte legítima na execução e, em consequência, ser julgada totalmente improcedente a oposição.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.as Ex.as se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e em consequência ser a douta sentença ora recorrida, revogada e substituída por douto Acórdão que declare improcedente a oposição, tudo com as devidas consequências legais.”****Não houve contra-alegações.

****O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.

****Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

****II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto, por errada valoração dos elementos...

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