Acórdão nº 148/19.8BCLSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 27 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelPAULO PEREIRA GOUVEIA
Data da Resolução27 de Fevereiro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 1.ª SECÇÃO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL I – RELATÓRIO F..... - FUTEBOL SAD intentou no T.A.D. processo arbitral “necessário” contra FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL.

A pretensão formulada perante a instância arbitral foi a seguinte: - Anulação da decisão administrativa colegial da Secção Não Profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol em 16/11/2018, que decidiu confirmar a decisão disciplinar proferida no processo disciplinar pela Secção Não Profissional do Conselho de Disciplina da FPF, em formação restrita, no dia 16/08/2018, publicitado através do comunicado oficial nº 57 da L.P.F.P. sob o processo disciplinar nº 06/Disc.-18/19, através do qual foi a Demandante condenada em multas no valor total de 9.180,00 € (nove mil cento e oitenta euros), por factos ocorridos no jogo nº 100.00.001, entre a Demandante e a C………………… - Futebol SAD, realizado no dia 04/08/2018, a contar para a Supertaça Cândido de Oliveira, época desportiva 2018/2019.

Por DECISÃO ARBITRAL COLEGIAL, a instância arbitral privada recorrida decidiu, por maioria, julgar improcedente o “recurso”.

* Inconformada, a impugnante F……… interpôs o presente RECURSO DE APELAÇÃO contra aquela decisão, ao abrigo da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto, formulando na sua alegação o seguinte quadro conclusivo: i.

O presente recurso tem por objeto o acórdão de 09.10.2018 do Tribunal Arbitral do Desporto, que confirmou a condenação da recorrente pela prática das infrações disciplinares p. e p. pelos arts. 204.°-1, 208.° e 209.° do RDFPF, alegadamente cometidas aquando do jogo realizado a 04.08.2018 (entre o F..... - FUTEBOL SAD e C..... - FUTEBOL SAD ), punindo-a em multas no valor total de €9.180,00, e fixando as custas no total de € 6.125,40.

ii.

Considerando as infrações p. e p. pelos arts. 204.°-1, 208.° e 209.° do RDFPF em causa nos autos, era necessário que o Conselho de Disciplina tivesse carreado aos autos prova suficiente de que os comportamentos indevidos foram perpetrados por sócio ou simpatizante da F................ — Futebol SAD, e ainda, que tais condutas resultaram de um comportamento culposo da F................ — Futebol SAD.

iii.

O ónus da prova em processo disciplinar cabe ao titular do poder disciplinar, pelo que não tem o arguido de provar que é inocente da acusação que lhe é imputada.

iv.

Aliado ao ónus da prova que recai sobre o titular da ação disciplinar, vigora ainda o princípio da PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA, o qual tem como um dos seus principais corolários a proibição de inversão do ónus da prova, não impendendo sobre o arguido — in casu a recorrente — o ónus de reunir as provas da sua inocência.

v.

É precisamente o princípio de inocência que exigia ao Tribunal formular um juízo de certeza sobre o cometimento das infrações para condenar a Recorrente.

vi.

Nem mesmo a presunção de veracidade dos relatórios prevista no art. 220° do RDFPF pode contrariar esta quadro normativo, dado que, mesmo beneficiando de uma presunção de verdade, não se trata de prova subtraída à livre apreciação do julgador, não se permitindo daí inferir um início de prova ou sequer uma inversão do ónus da prova.

vii.

À míngua de meios de prova demonstrativos da violação de deveres de cuidado, o Tribunal a quo presumiu que a demandante falhou nos seus deveres, entendendo que caberia à demandante ilidir a presunção de culpa pela qual o Tribunal se segue; recorrendo a um critério da primeira aparência.

viii.

Resulta claro da leitura do acórdão que o Tribunal a quo confirmou a condenação da demandante somente com base na prova da primeira aparência e num esquema argumentativo e racional fundado numa distribuição de ónus da prova: à demandada, titular do poder punitivo disciplinar, cabe fazer a prova da primeira aparência; e à demandante, uma vez comprovada essa primeira aparência, compete refutá-la, destruindo essa indiciação.

ix.

Este critério decisório viola o princípio da PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA, direito fundamental de que a demandante é titular e, do mesmo passo, implica que para a prova dos factos fundamentadores de responsabilidade disciplinar não será necessária uma racional e objetiva convicção da sua verificação, para além de qualquer dúvida razoável, sendo suficiente uma sua simples indiciação.

x.

Sucede que o arguido em processo disciplinar presume-se inocente, correspondendo o princípio da presunção de inocência em processo disciplinar a um direito, liberdade e garantia fundamental, ancorado no direito de defesa do arguido (art. 32.°, n. 2 e 10 da CRP), no princípio do Estado de Direito (art. 2.° da CRP) e no direito a um processo equitativo (art. 20.°-4 da CRP) (cf. Ac. do Pleno da Secção do CA do STA de 18-04-2002, Proc. 033881 e Ac. do STA de 20-10-2015, Proc. 01546/14, www.dgsi.pt).

xi.

O critério decisório adotado pelo Tribunal a quo - da prova da primeira aparência, com imposição de ónus da prova ao arguido - contraria aberta e frontalmente a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo.

xii.

Pelo exposto, cumpre repor a legalidade, revogando-se o Acórdão recorrido e impondo-se ao Tribunal a quo que adote um critério decisório em matéria de VALORAÇÃO DA PROVA CONSENTÂNEO com o princípio da presunção de inocência, exigindo-se, designadamente, que a prova de todos os elementos constitutivos da infração corresponda a um convencimento para para além de qualquer dúvida razoável, e não numa convicção da verificação decorrente da verificação de simples indícios resultantes de uma prova de primeira aparência, e que não se imponha à demandante (arguida no processo disciplinar) o ónus de demonstração da não verificação de qualquer elemento tipicamente relevante, xiii.

Mas mais, nem mesmo acolhendo a presunção de verdade prevista no art. 220.° do RDFPF ou jurisprudência recente do Supremo Tribunal Administrativo (processo n.° 297/2018 de 18-11-2018) se alcançaria a condenação da aqui recorrente, porquanto sempre se mostra por preencher PRESSUPOSTO DE IMPUTAÇÃO E CONDENAÇÃO: a atuação culposa da recorrente.

xiv.

Nos relatórios de jogo, prova documental nos autos que beneficia da presunção de verdade, não se descreve um único facto relativamente ao que fez ou não fez o clube, por referência a concretos deveres legais ou regulamentares, nem tão-pouco se descreve por que forma essa atuação do clube facilitou ou permitiu o comportamento que é censurado; sendo a atuação culposa um dos "demais elementos das infrações" que se impunha à FPF, aqui recorrida, provar, sempre se mostrava prejudicada a condenação do Clube por falta de preenchimento de pressuposto legal exigido pelos arts. 204.°, 208.° e 209.° do RDFPF.

xv.

Assim não se entendendo, antecipa-se como inconstitucional, por violação do princípio da PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (inerente ao seu direito de defesa, art. 32.°, n.°s 2 e 10, da CRP; ao direito a um processo equitativo, art. 20.°-4 da CRP; e ao princípio do Estado de direito art. 2.° da CRP) e do princípio jurídico-constitucional da CULPA (art. 2.° da CRP), a interpretação dos 204.°, 208.° e 209.° do RDFPF, no sentido de que a indiciação, com base em relatórios do jogo, de que sócios ou simpatizantes de um clube praticaram condutas social ou desportivamente incorretas é suficiente para, sem mais, dar como provado que essas condutas se ficaram a dever à culposa abstenção de medidas de prevenção de comportamentos dessa natureza por parte desse clube.

xvi.

Tem-se como inconstitucional, por violação por violação do princípio da PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (inerente ao seu direito de defesa, art. 32.°, n.° 5 2 e 10 da CRP; ao direito a um processo equitativo, art. 20.°-4 da CRP; e ao princípio do Estado de direito art. 2.° da CRP) e do princípio jurídico-constitucional da culpa (art. 2.° da CRP), a interpretação dos artigos 204.°, 208.° e 209.° do RDFPF, no sentido de que se dá como provado que o clube violou deveres regulamentares e legais de vigilância, controlo e formação dos seus sócios e simpatizantes quando se prove, com base com base no artigo 220.° do RDFPF, que esses sócios ou simpatizantes adotaram um comportamento social ou desportivamente incorreto, cabendo ao clube aportar prova demonstradora do cumprimento desses seus deveres.

xvii.

O parâmetro da violação do dever de prevenção adotado pelo Tribunal a quo é o mesmo para a imputação da infração p. e p. pelo art. 209.° do RDFPF, correspondente ao comportamento incorreto dos adeptos consubstanciado em cânticos grosseiros e ofensivos de terceiros.

xviii.

Acontece que é completamente impossível à recorrente impedir manifestações vocais desse tipo e fica sempre por demonstrar a efetividade de qualquer possível esforço pedagógico nesse sentido.

xix.

Responsabilizar disciplinarmente os clubes pelas grosserias ditas pelos seus adeptos significa puni-los por algo que, objetivamente, não estão em condições de prevenir ou evitar, o que equivale a uma responsabilidade objetiva.

xx.

Estando em falta um elemento imprescindível para a imputação da infração à recorrente: a capacidade de agir para dar cumprimento ao dever que impende sobre o agente, fica necessariamente prejudicada a decisão do Tribunal a quo ao confirmar a condenação da aqui recorrente.

xxi.

A MODIFICAÇÃO DO VALOR DA CAUSA promovida pelo Tribunal a quo para € 30.000,01 — ao invés do total da multa por que foi a recorrente condenada — foi feita em violação do previsto no art. 33.°, b) do CPTA, pelo que se impõe repor a legalidade, fixando-se o valor da ação no montante de € 9.180,00 daí se extraindo as devidas consequências.

xxii.

As custas fixadas pelo TAD comprometem de forma séria e evidente o princípio da tutela jurisdicional efetiva (arts. 20.°-1 e 268.°-4 da CRP).

xxiii.

Considerando o critério da nossa jurisprudência constitucional, não são compatíveis com o direito fundamental de acesso à justiça (arts. 20.° e 268.°-4 da CRP) soluções normativas de tal modo onerosas que se convertam em obstáculos práticos ao efetivo exercício de um tal direito, como é o caso do TAD.

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