Acórdão nº 272/18.4T8VPA.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 27 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelJOAQUIM BOAVIDA
Data da Resolução27 de Fevereiro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães (1): I – RELATÓRIO 1.1. X Transportes de Mercadorias, Lda., intentou acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra Y – Companhia de Seguros, SA, pedindo que a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 8.340,75 (oito mil, trezentos e quarenta e euros, e setenta e cinco cêntimos), acrescida dos respectivos juros de mora, contados desde a data da citação até integral pagamento.

Para fundamentar a sua pretensão, alegou a verificação de um acidente de viação, ocorrido mediante culpa exclusiva do condutor do veículo seguro na companhia de seguros Ré, que provocou estragos no seu veículo e implicou a respectiva imobilização durante 33 dias nas instalações da oficina reparadora, tendo a Autora ficado privada do uso do veículo e de fruir todas as utilidades que o mesmo lhe proporcionaria.

*A Ré contestou, admitindo a dinâmica do acidente descrito na petição inicial, referindo que pagou a reparação do semi-reboque da Autora e impugnando a matéria concernente ao dano da privação do uso.

Concluiu, propugnando pela improcedência da acção.

*1.2.

Em audiência prévia, foi elaborado despacho-saneador, definido o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.

Realizada a audiência final, proferiu-se sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento, e absolveu-a do demais peticionado.

*1.3.

Inconformada, a Autora interpôs recurso de apelação da sentença, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem: «1. A sentença de que se recorre incorre em erro de julgamento da matéria de facto, bem como incorre em erro de interpretação e aplicação do direito, revelando-se assim injusta e desproporcionada.

  1. Foram inquiridas as seguintes testemunhas (com interesse para este recurso): S. S. (transcrição do minuto 00:04:30 a 00:06:10) e A. M. (Transcrição minuto 00:00:35 a 00:01:40): que evidenciaram o facto de se tratar de um veículo para transporte internacional e que esteve parado.

  2. Salvo o devido respeito, considera o Recorrente que o facto não provado sob o número 17 (aliás, único facto não provado) foi incorretamente julgado, já que a prova carreada para os autos e em conjugação com o facto provado n.º 15, devidamente avaliada e ponderada de acordo com as regras da experiência comum, impunha que o mesmo fosse dado como provado.

  3. Na apreciação crítica da prova, o Tribunal deve aduzir argumentos que permitam com razoável segurança credibilizar determinada informação ou deixar de lhe atribuir relevo (através da fundamentação, o juiz passa de convencido a convincente!), o que não sucedeu no caso dos presentes autos.

  4. Está suficientemente comprovada a matéria vertida alegada pela A., pelo que se impunha que o Tribunal aplicasse se o valor de paralisação acordado entre a ANTRAM e APS para um veículo de idêntica classe (serviço internacional) e desse como provado que o valor de aluguer diário de um veículo pesado de mercadorias e do respetivo semi-reboque é de 252,75€.

  5. Deve a sentença se revogada e proferida outra que consagre o supra exposto, condenando a Ré no pagamento à A. da quantia de 6.318,75€, correspondente a 25 dias de paralisação à taxa diária de 252,75€, por ser a decisão que se impõe.

  6. Acresce que, a privação de uso de um bem patrimonial constitui um ilícito, por impedir o proprietário do exercício dos direitos inerentes à propriedade (direitos conferidos pelo artigo 1305.º do CC) e implica, por si, um dano que deve ser indemnizado.

  7. Apesar de não ficar demonstrado o prejuízo efetivo da A. pela impossibilidade de utilização do veículo, tal não impede a fixação de indemnização, dada a possibilidade legal de recurso à equidade, que a lei permite.

  8. E o acordo estabelecido entre a ANTRAM e a Associação Portuguesa de Seguros serve como base de referência para fixação da indemnização pela privação do uso de veículo por recurso à equidade.

  9. Na imposição normativa da fixação do quantum indemnizatório e na impossibilidade reconhecida de o determinar de modo preciso - com cautelas acrescidas prevenindo as insuficiências da prova e a solução que, por via dessas mesmas insuficiências, decorreria dos critérios gerais e abstratos da norma jurídica, ou seja, a absolvição por falta de prova do montante dos danos, apesar da inquestionabilidade da existência destes.

  10. Por isso prescreve o nº 3 do art. 566º CC que “se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente, dentro dos limites que tiver por provados”; por outras palavras, se não for possível determinar o valor exato dos danos, o tribunal deve julgar segundo a equidade.

  11. O julgamento segundo a equidade pressupõe uma atitude ética e um modo de decisão diferentes do julgamento segundo a lei; assim, enquanto este, por força da Seguradora ...dade e abstração típicas da norma jurídica, se caracteriza por uma postura de indiferença às particularidades concretas do caso a decidir e susceptíveis de lhe conferir uma especial configuração merecedora de consideração normativa, o julgamento baseado na equidade, ao invés, atende aos aspectos particulares do caso que o diferenciam e individualizam perante outros.

  12. E quando o juiz valora equitativamente o dano, fá-lo no uso de um arbítrio discricionário, fixando discricionariamente a medida justa ressarcível; a equidade dirige e enforma essa discricionariedade.

  13. Este quantum do dano a ressarcir não constitui um facto nem o resultado de um julgamento de facto; representa, antes, o resultado de um julgamento jurídico, logo, em função de critérios jurídicos coerentes com as exigências previstas no ordenamento jurídico relativamente ao ressarcimento; a certeza do montante exacto dos danos fixado por equidade não corresponde a um julgamento de facto mas sim a um julgamento de direito.

  14. Assiste assim razão à A. no que respeita ao facto de a mesma peticionar o valor de 252,75€ por dia, em virtude de acordo ANTRAM ter sido estabelecido com a Associação Portuguesa de Seguros, e que o acidente ocorreu com um veículo pesado de mercadorias que se encontrava a realizar um transporte internacional, sendo que a Ré é a aqui responsável e é esta que se encontra abrangida por tal acordo.

  15. E mesmo não sendo aplicável diretamente tal acordo, o mesmo sempre servirá, como elemento de referência para a fixação da indemnização na falta de outros elementos de facto mais concretos, mas que servem para a formação de um melhor juízo de equidade e de forma a afastar o mais possível qualquer arbitrariedade na fixação da indemnização.

  16. Nos termos do acordo ANTRAM "Por paralisação entende-se o período de tempo de imobilização da viatura aguardando peritagem, o período de tempo em que se aguarda disponibilidade dos serviços de reparação na oficina e o período de tempo para reparação dos danos”.

  17. O valor diário da imobilização previsto no acordo referido para 2015 era de 252,75€ (cfr. doc. 9 da petição inicial).

  18. Independente da A. ser ou não membro da ANTRAM, a verdade é que esses valores foram fixados entre essa estrutura representativa de grande parte dos transportadores nacionais e a associação representativa das seguradoras que exercem a sua atividade seguradora em Portugal.

  19. Os valores aí acordados não deixaram de ser montantes indemnizatórios considerados equilibrados, quer por parte da estrutura representativa das seguradoras, quer por parte da ANTRAM, que representa grande parte das empresas transportadoras com sede em Portugal.

  20. Tendo, assim, em conta que a A. se dedica ao transporte de mercadorias em território nacional e internacional (cfr. declarações das testemunhas supra transcritos e facto provado n.º 15), o valor diário pela paralisação do semi-reboque, atentas as características deste, ascende a 252,7€, o que perfaz um montante indemnizatório global de 6.318,75€ - tendo em consideração que ficou provado que o veículo ficou imobilizado 25 dias (cfr. factos dados como provados sob os números 9 e 12).

  21. Impõe-se, assim, revogar a sentença de que se recorre e substitui-la pela condenação da Ré a pagar à A. a quantia global de 6.318,75€, acrescida de juros de mora, à taxa de 4% ao ano, desde a citação até integral pagamento.

  22. A sentença proferida violou, entre outros, os artigos 607.º do CPC, 342.º, 376.º, 566.º e 1305.º do CC.

    Termos em que, decidindo em conformidade, farão V. Exas., Venerandos Desembargadores, a costumada JUSTIÇA!».

    *A Recorrida não apresentou contra-alegações.

    *O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

    *Foram colhidos os vistos legais.

    ** 1.4. QUESTÕES A DECIDIR Em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nºs 2 a 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas, salvo as questões de conhecimento oficioso. Por outro lado, os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, não podendo o tribunal ad quem analisar questões que não foram anteriormente colocadas pelas partes ao tribunal a quo. Em matéria de qualificação jurídica dos factos a Relação não está limitada pela iniciativa das partes - artigo 5º, nº 3, do CPC.

    Neste enquadramento, são questões a decidir: i) Verificar se existiu erro no julgamento da matéria de facto, no que respeita ao ponto nº 17 dos factos não provados e se o mesmo deve ser dado como provado face aos elementos probatórios que a Recorrente especifica; ii) Quanto à matéria de direito, em consonância com a modificação da matéria de facto proposta pela Recorrente, saber se a sentença deve ser alterada, julgando a acção totalmente procedente. Para isso, importa saber se existe fundamento fáctico e jurídico para a condenação da Ré no pagamento da quantia de € 6.318,75, a título de dano de privação do uso do veículo...

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