Acórdão nº 1532/17.7T8VRL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 27 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelRAQUEL BATISTA TAVARES
Data da Resolução27 de Fevereiro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I. Relatório L. M., residente em Edifício …, Sítio da …, Faro, intentou a presente acção de processo comum contra o ESTADO PORTUGUÊS, peticionando a condenação do Réu a pagar ao Autor: a) Indemnização, por danos não patrimoniais, de €110.000,00, acrescida de juros de mora à taxa legal a partir da citação; b) Indemnização em renda, destinada a suportar o tratamento psiquiátrico e psicológico de que carece e cujo âmbito e duração ainda não é possível determinar, por falta da competente averiguação clínica.

Alega, para tanto e em síntese: Que à data dos factos em causa nesta acção, estava institucionalizado na Escola de Artes e Ofícios de... e que em 22/06/2014 foi apresentada uma denúncia na PSP de Chaves, em que o ora Autor é apresentado como suspeito da prática de abuso sexual sobre dois outros menores, de nomes N. e R., igualmente institucionalizados naquela Escola de Artes e Ofícios; Mais alega que em 23/06/2014 a Polícia Judiciária ouviu os menores N. e R. que referiram a prática de abusos sexuais por parte do Autor e que nesse mesmo dia, o Autor foi ouvido como Arguido pela Polícia Judiciária, tendo então referido que o menor N. lhe beijou o pénis; nesse mesmo dia a Polícia Judiciária ordenou a detenção do Autor determinando a sua apresentação ao magistrado do Ministério Público da Comarca de Chaves, para os efeitos da validação da sua constituição como Arguido e para os demais efeitos legais.

Que o Autor em 24/06/2014 foi ouvido pela Senhora Juíza de Instrução Criminal, negando a prática de qualquer acto de conteúdo sexual com os menores N. e R. mas a Senhora Juíza de Instrução, na esteira da promoção do Ministério Público, julgou fortemente indiciada a prática, pelo Autor de dois crimes de abuso sexual de crianças, e, considerando a gravidade dos crimes, o perigo de continuação da actividade criminosa, o alarme social que a situação em causa suscita e o perigo de perturbação do inquérito, determinando a aplicação ao Autor da medida de coacção de prisão preventiva.

Que em 26/06/2014 o Ministério Público promoveu a tomada de declarações para memória futura dos menores N. e R. e ainda a realização de uma perícia de avaliação psicológica aos mesmos, com vista a aferir, entre outros aspectos, da credibilidade dos seus relatos e da sua capacidade para testemunharem.

Alega ainda que em 30/06/2014 a perita encarregada de efectuar as referidas avaliações psicológicas informou o Tribunal de que, apesar de ainda não estar concluída a perícia, na avaliação preliminar efectuada, apurara que os menores haviam desmentido as versões narradas à Polícia Judiciária; em 02/07/2014 a Senhora Juíza de Instrução recolheu as declarações dos menores N. e R. para memória futura, tendo estes negado a prática pelo Autor de quaisquer factos de abuso sexual cometidos sobre as suas pessoas.

Que em 21/07/2014, a Senhora Juíza de Instrução apreciou um pedido formulado pelo Defensor Oficioso do Autor no sentido de ser substituída a medida de coacção de prisão preventiva por outra menos gravosa, o que fundou no teor das declarações para memória futura, o Ministério Público continuou a propugnar pela manutenção da prisão preventiva, e a Senhora Juíza de Instrução determinou que se mantivesse tal medida de coacção, como a única adequada e proporcional a acautelar os perigos de continuação da actividade criminosa e de perturbação da paz e tranquilidade públicas, bem como perigo de perturbação do decurso do inquérito e/ou da aquisição, conservação ou veracidade da prova.

Que o julgamento teve lugar em sessões que decorreram nos meses de Abril e Maio de 2015, tendo, em 12/05/2015 sido lavrada a sentença respectiva, que absolveu o Autor/arguido e determinou a sua imediata libertação.

Que o Autor sofreu intensamente com a situação de prisão preventiva a que foi sujeito, com a acusação injusta que lhe foi movida e com a interposição do recurso.

O Ministério Público, em representação do Estado, apresentou contestação, impugnando o alegado erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto da prisão preventiva e concluí, propugnando pela improcedência da acção.

Foi dispensada a realização da audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador e despacho a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas de prova.

Veio a efectivar-se a audiência de discussão e julgamento com a prolação de sentença nos seguintes termos, no que concerne à parte dispositiva: “Pelo supra exposto, julga-se a acção parcialmente procedente e, consequentemente, decide-se: A) Condenar o Réu ESTADO PORTUGUÊS a pagar ao Autor L. M. a quantia de 35.000,00€ (trinta e cinco mil euros), acrescida de juros de mora à taxa legal a partir da citação; B) Absolver o Réu ESTADO PORTUGUÊS do demais peticionado; C) Condenar o Autor no pagamento das custas processuais em função do respectivo decaimento.

*Registe e notifique.” Inconformado, apelou o Ministério Público, em representação do Estado Português, concluindo as suas alegações da seguinte forma: “1ª) A presente acção funda-se, exclusivamente, na previsão estatuída no artº 225º, nº1, alínea b) do CPPenal - privação da liberdade devida a erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia; 2ª) O período de privação de liberdade em causa circunscreve-se ao que se situou entre 21/07/2014 (data da pelo Autor questionada decisão de manutenção da prisão preventiva) e 12/05/2015 (data restituição à liberdade do arguido/Autor), perfazendo 296 dias; 3ª) A prescrição contida no artº 226º, nº1 do CPPenal, de que o pedido indemnizatório fundado em privação da liberdade ilegal ou injustificada não pode, em caso algum, ser proposto depois de decorrido um ano sobre o momento em que o detido ou preso foi libertado ou foi definitivamente decidido o processo penal respectivo, traduz a fixação de um prazo substantivo de caducidade e encerra, do mesmo passo, proibição legal da propositura da respectiva acção judicial depois de findo aquele prazo; 4ª) Estatuição essa motivada por razões de interesse público e que torna indisponível para as partes a matéria sobre que versa, podendo, por consequência, a correspondente excepção ser conhecida oficiosamente pelo tribunal e arguida em qualquer fase do processo (cfr. artº 333º, nº1 do CCivil); 5ª) O termo inicial do prazo de um ano fixado no artº 226º, nº1 do CPPenal conta-se desde o momento da libertação do arguido/detido, seja quando o pedido indemnizatório se estribe em privação da liberdade ilegal, nos termos do nº 1 do artº 220º ou do nº 2 do artº 222º do CPPenal (alínea a)), seja quando tal pedido radique em privação da liberdade devida a erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia (alínea b)); 6ª) Em ambas as referidas situações, a apreciação do seu bom ou mau fundamento deverá fazer-se exclusivamente com base nos factos, elementos e circunstâncias que ocorriam na altura em que a prisão foi decretada ou mantida, com irrelevância daqueles que tiverem sido recolhidos/adquiridos posteriormente para o processo penal respectivo e/ou do desfecho deste; 7ª) Sendo que o prazo de caducidade, se a lei não fixar outra data, começa a correr no momento em que o direito puder legalmente ser exercido (cfr. artº 329º do CCivil); 8ª) Tendo sido restituído à liberdade, no âmbito do por ele referenciado processo penal, em 12/05/2015 - data da leitura da respectiva sentença (absolutória) -, logo a partir desse momento começou a correr o prazo de caducidade estabelecido no artº 226º, nº1 do CPPenal, por o Autor se encontrar então em condições de exercer o seu aqui invocado direito indemnizatório (já que reunidos então, na sua perspectiva, todos os pressuposto/requisitos da correspondente acção de responsabilidade civil extraobrigacional); 9ª) Donde que, ao interpor a presente acção apenas em 12/09/2017, fê-lo quando decorrido se encontrava, há muito, o falado prazo de caducidade de um ano – e, por consequência, extinto o seu nela invocado direito indemnnizatório; 10ª) Ao assim não entender, julgando extemporaneamente arguida e despida de fundamento a sobredita excepção da caducidade invocada pelo Réu/Estado - em requerimento efectuado na sessão da audiência de julgamento de 21/03/2019 (cfr. fls 444/448) - desaplicou o Sr. Juiz recorrido, por erro de interpretação, os comandos normativo insertos nos arts 333º, nº1 do CCivil e 226º, nº1 do CPPenal; 11ª) Acresce que, a douta sentença recorrida enferma de omissão de pronúncia relativamente à prova de factos alegados, quer na petição inicial, quer na contestação com interesse para a boa decisão da causa, insuficiência da matéria de facto dada como provada para fundamentar a decisão (na 28 de 37 medida em que se aprecia o erro judiciário realizando-se a súmula do conteúdo o despacho proferido em sede primeiro interrogatório judicial, sem a respectiva transcrição integral), erro de julgamento quanto à consideração de que a decisão de manutenção da prisão preventiva se encontra ferida de erro judiciário grosseiro, na sua forma de erro temerário (art. 225.º, n.º 1 al. b) do CPP) e omissão de pronúncia quanto à aplicabilidade do n.º 2 do art. 225.º do CPP perante o comportamento processual do arguido (art. 615.2, n.8 1 al. d) e 608º, n.º 2 do CPC).

  1. ) Analisado o despacho de 21 de Julho de 2014, verifica-se que a Mmª Juiz se socorre da argumentação anteriormente utilizada no despacho proferido a 24 de Junho se 2014 que aplicou a medida de coação de prisão preventiva, dando por reproduzido o teor desse despacho.

  2. ) Da fundamentação dessa primeira decisão, resulta que a Mmª Juiz ponderou os vários elementos probatórios existentes nos autos, naquela altura, os quais considerou reproduzidos, aludindo, ainda, às declarações prestadas em interrogatório judicial pelo arguido e explicitando porque é que não lhes deu credibilidade, quando contrapostas aos demais elementos probatórios.

  3. ) Nesse momento e conforme ali é descrito, a convicção da Mm.ª Juiz firmou-se no sentido...

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