Acórdão nº 02526/10.9BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 28 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelHelena Canelas
Data da Resolução28 de Fevereiro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I. RELATÓRIO A.M.N.F.P.B.

(devidamente identificada nos autos) instaurou em 01/09/2010 no Tribunal Administrativa e Fiscal do Porto na ação administrativa especial contra o MUNICÍPIO DO (...), na qual, impugnando a deliberação da Câmara Municipal do (...) datada de 04/05/2010, que lhe determinou a aplicação da sanção disciplinar de suspensão por 90 dias, peticionou a declaração de nulidade ou anulação daquela decisão bem como a condenação deste a reconstituir a situação que existiria se não fosse a prática daquele ato, designadamente a pagar-lhe a quantia de 2.883,54€ correspondente à remuneração base que deixou de auferir acrescida de juros de mora.

Por sentença datada de 21/01/2014 o Tribunal a quo julgando a ação procedente anulou a deliberação impugnada e condenou o réu MUNICÍPIO DO (...) a reconstituir a situação que existiria se não fosse a prática do ato anulado, designadamente a pagar à autora a correspondente remuneração base que não lhe pagou durante o período da suspensão, acrescida dos juros de mora à taxa legal desde a citação até integral e efetivo pagamento.

Inconformado, o MUNICÍPIO DO (...) dela interpôs recurso de apelação (fls. 432 SITAF), pugnando pela sua revogação, formulando as seguintes conclusões, nos seguintes termos: (a) O presente recurso restringe-se aos aspetos da decisão a quo que não foram favoráveis ao R., aqui Recorrente, nomeadamente na parte em que considerou existir violação do direito de audiência prévia da Recorrida, e violação de lei pelo facto de a infração disciplinar praticada pela A. integrar a violação do dever de isenção, mas já não do dever de zelo; (b) Na presente demanda, o R. decaiu no facto de ter sido reconhecida a violação do direito de audiência do arguido, bem como a inexistência de violação do dever de zelo, anulando consequentemente o ato por esse motivo. É assim, nos termos do artigo 633.º, n.º 1 e n.º 2 do Código de Processo Civil (aplicável ex vi artigo 1.º e 140.º do CPTA), admissível e tempestivo o presente recurso subordinado de revista; (c) Nos termos do artigo 55.º, n.º 5 do Estatuto Disciplinar na decisão podem ser invocados factos constantes da acusação ou da defesa do arguido, bem como todos os factos que contribuam para diminuir a responsabilidade disciplinar deste último; (d) Na sua resposta à acusação a Recorrida alegou que efetuava pagamentos à clínica de St.º (...), pelo que, face à defesa apresentada pela Recorrida, o instrutor teve o cuidado de analisar se o processo continha prova nesse sentido, tendo efetivamente localizado os cheques constantes do ponto 45) do relatório final, incluindo assim os mesmos na matéria de facto provada; (e) O facto de a Recorrida efetivamente ter utilizado o dinheiro que recebia das comparticipações dos SMAS para pagar os tratamentos que efetuava na Clínica serviu para atenuar a sua culpa, o que foi devidamente valorado pelo instrutor disciplinar, pois que isso revelava, como revelou, uma intenção de pagar tratamentos efetivamente recebidos e já não um enriquecimento pecuniário direto (como aconteceu com outros arguidos); (f) O instrutor disciplinar e a entidade decisória não puderam ser indiferentes a estes factos no único plano em que os mesmos podiam ser valorados (no plano da culpa do agente), pelo que, nessa medida, o facto 45), alegados pela Recorrida, contribuíram para a diminuição da sua responsabilidade; (g) À data da prática dos factos, havia nos Serviços Municipalizados de Águas e Saneamento do MUNICÍPIO DO (...) (SMAS Porto) regras vigentes e claras no que diz respeito à entrega, por parte dos colaboradores, de recibos para pagamento de comparticipações médicas, as quais eram conhecidas de todos os colaboradores, inclusivamente da A.; (h) A A. exercia funções nos SMAS do (...) desde 1985, motivo pelo qual, à data da prática dos factos, tinha já cerca de 20 anos de antiguidade e estando, assim, plenamente familiarizada com os procedimentos vigentes nesses serviços no que diz respeito à entrega de despesas médicas com vista ao processamento de comparticipações; (i) As regras referentes ao pagamento de comparticipações médicas por quem seja beneficiário da ADSE estavam igualmente previstas no Decreto-lei n.º 118/83, de 25 de fevereiro, designadamente nos artigos 4.º, 5.º, 44.º e 45.º; (j) Viola o seu dever de zelo o colaborador que não cumpre as regras legais e regulamentares e as ordens e instruções vigentes nos serviços onde exerce funções, designadamente entregando recibos que sabia serem falsos, com vista a que lhe fossem processadas comparticipações médicas em valores muito superiores àqueles que sabia lhe serem devidos, devendo ter sido esse o sentido em que deveriam ter sido interpretadas e aplicadas pelo Tribunal a quo as normas constantes do artigo 3.º, n.º 4, alínea b) e n.º 6 do ED/84, o disposto no artigo 4.º, n.º 1 da Lei n.º 58/2008, de 9 de setembro, o disposto nos artigos 3.º, n.º 1, n.º 2, alínea e), n.º 7, 17.º, 18.º e 54.º do ED/2008 e o disposto nos artigos 4.º, 5.º, 44.º e 45.º do Decreto-lei n.º 118/83, de 25 de fevereiro; (k) As regras constantes no Decreto-lei n.º 118/83, de 25 de fevereiro, por um lado, e especialmente as regras então vigentes nos SMAS do (...) a respeito da entrega de recibos para comparticipações médicas, relacionam-se particularmente com a realidade aí vivida, estando direcionadas para destinatários específicos (os funcionários dos SMAS), no qual a Recorrida se incluía. Por esse motivo, e face à antiguidade da mesma, o não cumprimento dessas regras está diretamente relacionado com o serviço em que a Recorrida se encontrava, devendo ser sido esse o sentido em que os artigos 4.º, 5.º, 44.º e 45.º do Decreto-lei n.º 118/83, de 25 de fevereiro deviam ter sido interpretados e aplicados pelo Tribunal a quo; (l) O dever de zelo implica também que o funcionário ou agente deve evitar o desbarato ou a irregularidade nas despesas, sendo que o não cumprimento das regras regulamentares a observar no caso da obtenção de comparticipações médicas implica responsabilidade disciplinar por violação do dever de zelo – o que ocorreu claramente no caso em apreço, devendo ter sido esse o sentido em que deveriam ter sido interpretadas e aplicadas pelo Tribunal a quo as normas constantes do artigo 3.º, n.º 4, alínea b) e n.º 6 do ED/84, o disposto no artigo 4.º, n.º 1 da Lei n.º 58/2008, de 9 de setembro, o disposto nos artigos 3.º, n.º 1, n.º 2, alínea e), n.º 7, 17.º, 18.º e 54.º do ED/2008 e o disposto nos artigos 4.º, 5.º, 44.º e 45.º do Decreto-lei n.º 118/83, de 25 de fevereiro; (m) Face aos factos descobertos e dados como provados, e tendo presente o enquadramento legal aplicável, a pena de suspensão por 90 dias afigura-se como a mais adequada e proporcional, dada a gravidade e censurabilidade da conduta, a culpa do agente e os danos causados ao Recorrente, sendo que, nas hipóteses em que a medida se situa dentro de um círculo de medidas possíveis, deve considerar-se proporcionada e adequada aquela de que a administração se serviu; (n) Caso assim não se entenda, e sem prescindir, independentemente dos deveres violados, a conduta infratora adotada pela Recorrida é a mesma e foi plenamente dada como provada, em sede disciplinar e judicial, tendo sido por essa conduta que aquela foi disciplinarmente punida. Assim, mesmo que se considerasse não ter havido violação do dever de zelo – tese à qual efetivamente não se pode aderir – ainda assim a conduta verificada, a sua gravidade, culpa e consequências, sustentavam a aplicação da pena disciplinar de suspensão; (o) Acresce que, tendo ficado demonstrada a violação do dever de isenção, legalmente punível com a pena disciplinar de demissão, nos termos do artigo 9.º, n.º 1, alínea d) e 18.º, n.º 1, alínea m) do ED, a pena disciplinar de suspensão aplicada à recorrida situa-se dentro do círculo de medidas possíveis face aos deveres funcionais violados e, assim, proporcional e consistente; (p) Caso se venha a entender que o ato administrativo se encontra efetivamente ferido de algum vício – o que não se concede, mas se admite por mero dever de ofício – estaríamos sempre perante vícios geradores de mera anulabilidade do ato, o que permitiria a prática de novo ato, em sede de execução de sentença; (q) Tendo já ficado demonstrado que a Recorrida violou, pelo menos, o seu dever de isenção, o qual é punido com a pena de demissão pelo artigo 18.º, n.º 1, alínea m) do novo ED (ou, no mesmo sentido, pelo artigo 26.º, n.º 4, alínea d) do anterior ED), a anulação do ato levaria à prática de novo ato, com o mesmo conteúdo; (r) Uma vez que nenhum erro nos pressupostos de facto foi detetado judicialmente, sendo que o ato administrativo a praticar será sempre o mesmo (por ter sido violado, pelo menos, o dever de isenção), justifica-se o aproveitamento do ato administrativo, o que expressamente se requer; (s) A douta decisão proferida pelo Tribunal a quo, na parte ora posta em crise, violou o disposto nos artigos 3.º, n.º 4, alínea b) e n.º 6 do ED/84, o disposto no artigo 4.º, n.º 1 da Lei n.º 58/2008, de 9 de setembro, o disposto nos artigos 3.º, n.º 1, n.º 2, alínea e), n.º 7, 17.º, 18.º e 54.º do ED/2008 e o disposto nos artigos 4.º, 5.º, 44.º e 45.º do Decreto-lei n.º 118/83, de 25 de fevereiro.

Também a autora A.M.

interpôs recurso de apelação (fls. 469 SITAF) daquela sentença, na parte em que nela foram julgados como não verificados outros vícios que haviam sido assacados ao ato administrativo impugnado, pugnando pela revogação da sentença recorrida, nessa parte, com procedência da pretensão impugnatória também com fundamento nesses indicados vícios, formulando as seguintes conclusões, nos seguintes termos: 1. A Câmara Municipal do (...) era incompetente para aplicar a pena disciplinar de suspensão à recorrente, por força do n.º 4 do artigo 58.º da Lei 12-A/2008, de 27/02.

  1. A decisão recorrida, ao assim não considerar...

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