Acórdão nº 76/18.4PBCBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 04 de Março de 2020

Magistrado ResponsávelMARIA JOS
Data da Resolução04 de Março de 2020
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I. Relatório 1.

No âmbito do processo comum coletivo n.º 76/18.4PBCBR do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, Coimbra – JC Criminal – Juiz 3, mediante acusação pública, foram os arguidos A.

e B.

, submetidos a julgamento, sendo então imputada ao primeiro, em autoria material singular e em concurso efetivo, nos termos do disposto nos artigos 14.º, n.º 1, 26.º, 30.º, n.º 1 e 77.º, todos do Código Penal, a prática de 84 (oitenta e quatro) crimes de abuso sexual de crianças agravados, p. e p. pelos artigos 171.º, n.ºs 1 e 2 e 177.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código Penal; 416 (quatrocentos e dezasseis) crimes de abuso sexual de menor dependente agravados, p. e p. pelos artigos 172.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código Penal, com referência ao disposto no artigo 171.º, n.ºs 1 e 2, do mesmo diploma legal; 312 (trezentos e doze) crimes de coação sexual agravados, p. e p. pelos artigos 163.º, n.º 2 e 177.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código Penal; 1 (um) crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal; à segunda, como autora, por comissão por omissão, de acordo com o artigo 10.º do Código Penal, artigo 36.º, n.º 5, da CRP, artigos 1877.º, 1878.º, 1882.º, todos do Código Civil, e em concurso efetivo, nos termos do disposto nos artigos 26.º, 30.º, n.º 1 e 77.º, todos do Código Penal, a prática de 60 (sessenta) crimes de abuso sexual de crianças agravados, p. e p. pelos artigos 171.º, n.ºs 1 e 2 e 177.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código Penal e de 416 (quatrocentos e dezasseis) crimes de abuso sexual de menor dependentes agravados, p. e p. pelos artigos 172.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código Penal, com referência ao disposto no artigo 171.º, n.º 1 e 2, do mesmo diploma legal.

  1. No decurso da audiência de discussão e julgamento foi homologada a desistência de queixa quanto ao crime de ofensa à integridade física e, em consequência, no que ao mesmo concerne, declarado extinto o procedimento criminal [cf. ata de fls. 349-350], bem assim comunicada a alteração da qualificação jurídica dos factos nos seguintes termos: “Do teor da acusação resulta que são imputados aos arguidos por ação e por omissão, a prática de crimes sexuais tendo sempre por base que entre os 6 anos e os 21 anos houve introdução de dedos na vagina da há data menor C..

    Nessa medida, entende o Tribunal que nunca poderia a mesma ser acusada de um crime de coação sexual agravado, ou melhor, 312 crimes de coação sexual agravado, uma vez que não estamos perante um ato sexual de relevo, antes estamos, efetivamente, perante uma situação tipificada como crime de violação do art.º 164.º, n.º 2, al. b) do C. Penal.

    Nestes termos, entende o Tribunal que não alterando qualquer facto da acusação, estamos perante uma diversa alteração da qualificação jurídica, mantendo-se no demais toda a acusação, e por isso, nos termos do art.º 358.º, n.º 1 e 3 do C. P. Penal, o Tribunal comunica a presente alteração, para efeitos, de querendo se pronunciarem ou defenderem nos termos da lei.” – [cf. ata de fls. 382].

  2. Realizada a audiência de discussão e julgamento, deliberou o Coletivo de juízes: 1.

    Condenam o arguido A.

    pela prática em autoria material e em concurso real efetivo de: - 72 (setenta e dois) crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelos arts. 171.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1, al. b) do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, por cada um dos crimes; - 12 (doze) crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelos arts. 171.º, n.º 2 e 177.º, n.º 1, al. b) do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão, por cada um dos crimes; - 48 (quarenta e oito) crimes de abusos sexuais de menores dependentes, p. e p. pelo art. 172.º, n.º 1 do Código Penal, agravado nos termos do disposto no art.º 177.º, n.º 1, al. b) do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão, por cada um dos crimes; - 12 (doze) crimes de violação [praticados entre agosto de 2014 e agosto 2015, estando em vigor o regime legal introduzido pela Lei n.º 59/2007], p. e p. pelo art.º 164.º, n.º 2, al. b) do Código Penal, na pena de 20 (vinte) meses de prisão, por cada um dos crimes; - 26 (vinte e seis) crimes de violação [praticados entre setembro de 2015 e novembro de 2017, estando em vigor o regime legal introduzido pela Lei n.º 83/2015], p. e p. pelo art.º 164.º, n.º 2, al. b) do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, por cada um dos crimes; EM CÚMULO JURÍDICO de PENAS na PENA ÚNICA de 12 (doze) anos de prisão; Absolvendo-o dos demais crimes imputados na acusação.

  3. Condenam a arguida B.

    pela prática em autoria material, por comissão por omissão, e em concurso real efetivo de: - 48 (quarenta e oito) crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art. 171.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão, por cada um dos crimes; - 12 (doze) crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelos arts. 171.º, n.º 2 do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 10 (dez) meses de prisão, por cada um dos crimes; - 48 (quarenta e oito) crimes de abusos sexuais de menores dependentes, p. e p. pelo art.º 172.º, n.º 1 do Código Penal, agravado nos termos do disposto no art.º 177.º, n.º 1, al. b) do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão, por cada um dos crimes; EM CÚMULO JURÍDICO de PENAS na PENA ÚNICA de 7 (sete) anos de prisão; Absolvendo-a dos demais crimes imputados na acusação.

  4. Condenam solidariamente os arguidos A, e B. no pagamento à ofendida C. de uma indemnização no valor de 50.000,00 Euros por danos não patrimoniais, a que acresce juros de mora à taxa legal desde a presente decisão até integral pagamento.

    (…).

  5. Inconformados com o assim deliberado recorrem ambos os arguidos, formulando as seguintes conclusões: A.

    : A. Contando sempre com o mui douto suprimento de V/Exas. atento o supra exposto, por razões substanciais e formais atinentes aos vícios decisórios (desde logo, contradição insanável entre a fundamentação e decisão bem como errónea subsunção jurídica, insuficiência para a decisão, erro notório na apreciação da prova), entende o recorrente que em obediência aos mais elementares princípios constitucionais e comandos interpretativos que presidem a um Direito penal que se queira justo e processualmente conforme, por essencial para correta subsunção dos factos ao Direito, não poderá deixar de dar provimento ao recurso.

    1. Conjugando as declarações do arguido prestadas em audiência de julgamento e as prestadas em interrogatório judicial (reproduzido em audiência de julgamento), é essencial a prova de que o arguido não é Pai da C., nascida em 15 de Agosto de 1996, não é progenitor, é padrasto, admite factualidade descrita na acusação, com a ressalva dos períodos em que as mesmas se iniciaram.

    2. No Acórdão recorrido, a fls. 13 último parágrafo e fls. 14, aí se refere: Com efeito, o mesmo referiu em síntese que: Abusou da ofendida desde os 11 anos, desde ter visto a mesma nua a tomar banho no rio (...) ; Nunca usou a violência; Nunca introduziu o pénis; D. Releva limites temporais: o Tribunal recorrido não fez uma correta apreciação da prova, que foi produzida em audiência de discussão e julgamento em virtude de terem sido dados como provados factos sem prova concludente e base de suporte para tal, alteração do facto do Recorrente ter admitido que as práticas se iniciaram quando a C. tinha 11 anos e com uma periodicidade de pelo menos uma vez por mês (artigos 1.º a 11.º, 12.º a 21.º, 23.º a 43.º da Fundamentação de Facto, com a limitação da periodicidade e o início das práticas).

    3. Afirmando o Douto Acórdão a fls. 17 5.º parágrafo, A periodicidade de 2 vezes por semana foi apenas referida pela C. uma vez que nas declarações por memória futura a resposta a uma pergunta da Magistrada do Ministério Público, ficando o tribunal convencido que houve aqui mais uma adesão a uma possibilidade levantada pela Magistrada do Ministério Público, levantando-se sérias dúvidas sobre tal periodicidade e a data em que a mesma passou a ocorrer. Tal dúvida implica, no entender do tribunal, que não possa ser feita tal fixação nos termos que constam da acusação. Já quanto à factualidade não admitida pelos arguidos, a convicção do tribunal assentou essencialmente nas declarações da C..

    4. A forma como a criança ou jovem acede às suas memórias não é exata; rememorar experiências, factos e emoções é complexa e inconsistente; palavras que ficam por dizer, as emoções que se tentam aprisionar, acabam quase sempre por se manifestar de outras formas, criando confusões, minando relações ou até alimentando patologias.

    5. Em face do que foi provado, e ponderando os factos na sua globalidade, salvo o devido respeito, afigura-se que o arguido apenas iniciou a prática dos factos quando a C. tinha 11 anos, no ano de 2007.

    6. Ademais, existe verdadeira insuficiência da matéria de facto provada para que o recorrente possa ser condenado pela prática de 72 (setenta e dois) crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelos arts. 171.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1 al. b) do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, por cada um dos crimes; I. Errada apreciação da prova: Lê-se a fls. 4 último parágrafo e fls. 5 – Factos praticados pelo arguido A.: Durante um período de tempo não concretamente determinado, mas, pelo menos desde o ano de 2002, altura em que a ofendida C. tinha 6 anos de idade, até Novembro de 2017, quando tinha 21 anos, com regularidade de pelo menos 1 vez por mês, o arguido A. levava a ofendida a praticar consigo atos sexuais, designadamente de masturbação, e de simulação de sexo vaginal, deitando-se em cima da mesma quando ambos se encontravam nus, friccionando o seu pénis na vagina daquela, tocando-lhe nos peitos e, desde os 13 anos da C., introduzindo-lhe os dedos na vagina; Entre os 6 anos e até a mesma perfazer 13 anos de idade da ofendida...

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