Acórdão nº 0894/08.1BESNT 0684/18 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 20 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelADRIANO CUNHA
Data da Resolução20 de Fevereiro de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I - RELATÓRIO 1.

“A………, S.A.” e “B………., Lda.” intentaram, no TAF de Sintra, ação administrativa especial contra o Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações e as Contrainteressadas “C………….., ACE” e “LusoLisboa-AutoEstradas da Grande Lisboa, S.A.”, impugnando o despacho, de 30/4/2008, publicado no D.R. de 12/5/2008, do Secretário de Estado Adjunto das Obras Públicas e Comunicações que declarara a utilidade pública, com carácter de urgência, da expropriação, entre outras, de uma parcela (nº 175), propriedade da primeira Autora e locada à segunda Autora, tendo em vista a construção de sublanço referente à obra da autoestrada A16-IC30.

  1. O TAF de Sintra, por Acórdão de 21/2/2012, julgou procedente a ação e anulou aquele impugnado despacho na parte relativa à aludida parcela.

    Nesse Acórdão, porém, não foi dada razão às Autoras relativamente a 6 vícios por elas invocados - ininteligibilidade do ato impugnado; violação dos instrumentos de gestão territorial aplicáveis; violação de direitos e princípios fundamentais (confiança, boa fé, segurança jurídica e respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos, direito de propriedade e iniciativa privada, adequação, proporcionalidade e justiça); falta de pressupostos e fundamentos de que depende a declaração de utilidade pública, com urgência; inexistência de proposta de aquisição por via negocial; e incompetência do autor para a prática do ato.

    Mas foi dada razão às Autoras relativamente aos vícios invocados referentes à “Resolução de expropriação”: falta de cumprimento dos requisitos legais exigidos nas alíneas a), b) c) e d) do nº 1 do art. 10º do Código das Expropriações aplicável (Lei 168/99, de 18/9); falta de cumprimento da notificação aos interessados da “Resolução de requerer a declaração de utilidade pública da expropriação”, nos termos exigidos no nº 5 daquele mesmo art. 10º do Código das Expropriações.

  2. As Contrainteressadas “C……..” e “LusoLisboa”, inconformadas com a anulação do despacho impugnado, interpuseram recurso de apelação daquele Acórdão do TAF de Sintra.

  3. E as Autoras “A………” e “B……..”, não obstante terem obtido ganho de causa (anulação do ato que impugnaram), recorreram do Acórdão do TAF de Sintra por pretenderem ver o mesmo revogado na parte em que ficaram vencidas (primeiros 6 vícios por elas invocados, julgados improcedentes, como acima ficou dito).

  4. O TCAS, por seu Acórdão de 15/3/2018 (cfr. fls. 1652 e segs. SITAF), confirmou o Acórdão do TAF de Sintra, apenas com uma divergência: contrariamente ao TAF de Sintra, considerou cumprida a exigência prevista na alínea a) do nº 1 do art. 10º do C.E. (referente à menção da causa de utilidade pública a prosseguir e da norma habilitante).

    Porém, confirmou os restantes vícios da “Resolução de requerer a declaração de utilidade pública da expropriação” reconhecidos pelo TAF de Sintra, ou seja, os atinentes ao incumprimento do disposto nas alíneas b), c) e d) do nº 1 e no nº 5 do art. 10º do C.E., mantendo, consequentemente, o julgamento de anulação do despacho impugnado.

  5. Mantendo-se inconformadas, agora com este Acórdão proferido pelo TCAS, vieram as Contrainteressadas “C……..” e “LusoLisboa” interpor, ao abrigo do disposto no art. 150º do CPTA, o presente recurso jurisdicional de revista, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões (cfr. fls. 1765 e segs. SITAF): «1ª. A questão que nos ocupa tem que ver com o facto de num procedimento expropriativo (i) a Resolução de expropriar não cumprir os requisitos previstos nas alíneas b), c) e d) do art. 10º, nº 1, do Código das Expropriações e (ii) os Expropriados/Recorridos não terem sido notificados dessa Resolução de Expropriar antes de ter sido proferida a declaração de utilidade pública, incumprindo-se o disposto no nº 5 daquele preceito. Em concreto, o que se discute aqui é a eficácia invalidante da preterição daquelas formalidades relativas à Resolução de expropriar na declaração de utilidade pública expropriativa, no contexto dos autos, isto é, no contexto que ficou caracterizado nas diversas alíneas do nº 6 destas Alegações.

    1. Nos termos do art. 150º, nº 1, do CPTA (na redação anterior à Reforma de 2015), o presente recurso deverá ser admitido, pois a questão que aqui se discute (i) reveste suficiente relevância e complexidade jurídica, registando-se decisões dos nossos Tribunais superiores contraditórias quanto à respetiva solução (cfr., supra, nº 7); (ii) tem uma evidente relevância social (cfr., supra, nº 8) e (iii) carece de melhor aplicação do Direito (cfr., supra, nº 9).

    2. A procedência do presente recurso assenta nas seguintes razões principais: 3ª.1 A resolução de expropriar é uma mera decisão de uma entidade privada de requerer a declaração de utilidade pública: não é um ato administrativo e não é a decisão de expropriar. Assim, esta resolução de expropriar não vale por si: vale como intenção de requerer a declaração de utilidade pública. De facto, o único ato dotado de dignidade suficiente para lesar os direitos ou interesses legítimos do particular é o ato de declaração de utilidade pública, na medida é que é este o ato que dita o sacrifício do direito de propriedade do particular, sendo, também por isso, o ato contenciosamente impugnável. Como se decidiu no Acórdão decisório da 1ª instância: “A resolução de expropriar tem como intenção principal dar a conhecer ao eventual expropriado o propósito [da] entidade beneficiária da expropriação de aquisição de um prédio que lhe pertence” (pág. 44) e a Recorrente C……… (como gestora dos procedimentos expropriativos) deu a conhecer à Recorrida B……..

      , Lda. essa intenção no ofício de 01.04.2008 e em contactos tidos com a mesma, e a Recorrida A………, SA teve conhecimento desta notificação, tudo antes da declaração de utilidade pública expropriativa.

    3. 2 Os elementos essenciais desta expropriação (referidos nas alíneas em causa do art. 10º, nº 1, do Código das Expropriações) foram incluídos na notificação que o Recorrente C……… dirigiu à Recorrida B……..

      , Lda. em 01.04.2008 e que esta transmitiu à Recorrida A………, SA. As Expropriadas/Recorridas tiveram efetivo conhecimento desta intenção de expropriar e desses elementos antes de ser proferida a declaração de utilidade pública.

    4. 3 As disposições normativas do art. 10º do Código das Expropriações que regulam a resolução de expropriar (isto é, de requerer a declaração de utilidade pública), o seu conteúdo e o requerimento deste ato ao órgão administrativo competente para o efeito pretendem essencialmente regular as relações entre a entidade que pretende beneficiar da expropriação e o órgão administrativo competente para declarar a utilidade pública expropriativa.

    5. 4 A audiência prévia dos expropriados relativamente à expropriação é essencialmente regulada nos arts. 100º e ss. do CPA (na redação então em vigor), sendo certo que o art. 103º desse diploma estabelece, em termos gerais (para qualquer cidadão), que audiência prévia nem sequer tem lugar quando a decisão administrativa é urgente, como é o caso desta expropriação.

    6. 5 Por outro lado, sublinhe-se, definido o traçado da rodovia em causa (desde 2006) em vários planos e instrumentos de gestão territorial, a declaração de utilidade pública é um ato vinculado, de mera execução dessas prévias decisões de localização, relativamente ao qual, como constitui jurisprudência pacífica deste Venerando Supremo Tribunal, não se coloca a questão (ou a mesma acaba por ser irrelevante) da audiência prévia dos expropriados.

    7. 6 Ainda que assim não se entenda, a omissão da notificação da resolução de expropriar, e/ou a ausência dos requisitos legais impostos pelo art. 10º do Código das Expropriações, nunca poderá ser fundamento da anulabilidade de utilidade pública expropriativa, pois o procedimento de notificação previsto nos artigos 10º, nº 5 e 11º, nº 2, do Código das Expropriações, insere-se na “fase” da tentativa prévia de aquisição por via do direito privado, pelo que a natureza urgente da presente expropriação implica a dispensa da aquisição dos bens por via do direito privado, e, consequentemente, da notificação da resolução de requerer a expropriação por utilidade pública.

    8. 7 Ao contrário do que se decidiu no Acórdão da 1ª instância (pág. 46) que o Acórdão recorrido manteve, a resolução de expropriar não é um ato impugnável, pelo que toda a construção aí alicerçada cai pela base.

    9. 8 Os objetivos legalmente pretendidos com a notificação da resolução com a notificação da resolução de expropriar (dar conhecimento do projeto expropriante) foi plenamente assegurado no procedimento expropriativo desta parcela. Daqui decorre que, tendo sido atingida a finalidade visada pelo legislador com a notificação a que aludem os arts. 10º, nº 5 e 11º, nº 2 do Código das Expropriações, a formal notificação desta resolução de expropriar depois da declaração de utilidade pública reconduz-se à preterição de uma formalidade não essencial, pelo que não poderia ter eficácia invalidante do ato final do procedimento, neste caso concreto, da declaração de utilidade pública.

    10. 9 Mais do que uma leitura positivista e formalista do Direito, importa averiguar se, materialmente, os interesses dos cidadãos que o legislador pretende tutelar foram materialmente assegurados, o que se verificou neste procedimento expropriativo, em que as Expropriadas/recorridas não viram preteridas quaisquer garantias procedimentais ou contenciosas, relativas à legalidade da expropriação ou à justa indemnização que lhes é devida».

  6. As Autoras, ora Recorridas, contra-alegaram, apresentando as seguintes conclusões (cfr. fls. 1829 e segs. SITAF): «A – DA INADMISSIBILIDADE DO PRESENTE RECURSO 1ª. As ora recorrentes interpuseram o presente recurso excepcional de revista invocando genérica e conclusivamente que “a questão que aqui se discute (i) reveste suficiente relevância e complexidade jurídica, registando-se...

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