Acórdão nº 0129/08.7BEPRT 0622/17 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 20 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelCARLOS CARVALHO
Data da Resolução20 de Fevereiro de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: RELATÓRIO 1.

A………..

e B…………, devidamente identificados nos autos, instauram no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto [doravante TAF/P] a presente ação administrativa comum, sob forma ordinária, contra a então «EP - ESTRADAS DE PORTUGAL, EPE» atual «INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL, SA» [doravante «IP … SA»] [cfr. art. 02.º do DL n.º 91/2015], e na qual figura como interveniente principal «LUSOSCUT - AUTO-ESTRADAS DA COSTA DE PRATA, SA» atual «ASCENDI COSTA DA PRATA - AUTO-ESTRADAS DA COSTA DA PRATA, SA» [doravante «ASCENDI … SA»], todas igualmente identificadas nos autos, para efetivação de responsabilidade civil extracontratual, peticionando, pela motivação inserta na petição inicial [fls. 03/07 dos autos - paginação suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário], a condenação dos RR. no pagamento aos AA. de uma «indemnização nunca inferior a € 300.000,00» sem que hajam sido peticionados quaisquer juros.

  1. O TAF/P, por sentença de 04.11.2013 [cfr. fls. 912/928], julgou a ação totalmente improcedente e, em consequência, absolveu o R. do pedido.

  2. Os AA. interpuseram recurso para o Tribunal Central Administrativo Norte [doravante TCA/N] que, por acórdão de 27.01.2017, negou provimento ao recurso e manteve a decisão do TAF/P [cfr. fls. 1121/1151].

  3. Invocando o disposto no art. 150.º, n.º 1, do CPTA [na redação anterior à introduzida pelo DL n.º 214-G/2015 - redação essa a que se reportarão todas as demais citações de normativos daquele Código sem expressa referência em contrário], os AA., de novo inconformados agora com o acórdão proferido pelo TCA/N interpuseram, então, o presente recurso de revista, produzindo alegações [cfr. fls. 1163 e segs.

    ] com o seguinte quadro conclusivo que se reproduz no que aqui ora releva: «…A.

    … B.

  4. Considerou o TCAN, erroneamente, e na esteira da 1.ª instância NÃO existir um ato ilícito por parte das recorridas, entendendo que não foi demonstrado pelos recorrentes que a ré ou a interveniente tivessem violado quaisquer normas legais e/ou regulamentares, ou os princípios gerais aplicáveis e, ainda, as regras de ordem técnica e de prudência comum que devessem ser tidas em consideração, sequer a violação por sua parte dos princípios da confiança e da boa-fé, apesar de tal resultar concretizado pelos recorrentes e claramente percetível pelas alegações no seu todo, excluindo a responsabilidade civil extracontratual pela prática de factos ilícitos; Considerou o TCAN, ao invés da 1.ª instância, que sequer se pronunciou quanto à eventual responsabilidade por facto lícito (julgando a ação improcedente tão só com a fundamentando NÃO existir um ato ilícito por parte das recorridas), erroneamente, também NÃO existir responsabilidade extracontratual por facto lícito pela ausência de prejuízos especiais e anormais.

  5. Com todo o respeito Venerandos Conselheiros, está claramente demonstrado: - Que o prédio sobrante na sequência da “expropriação”, e pós trânsito da decisão da Relação do Porto, por ação inesperada e direta da R quanto ao “fecho” da via coletora ficou prejudicado, quer quanto ao valor de mercado da construção existente, quer quanto ao valor locativo do armazém; - Que foram violados os princípios da boa-fé e da legítima expectativa, basta o julgador no uso das suas qualificações não ignorar os factos dados como provados, como se transcreve: - 46.

    O valor do prédio e o valor comercial do armazém dos AA, com o encerramento do acesso pela “via coletora” sofreu uma depreciação para o que já vinham alertando o EP, então IEP, mesmo por escrito, como ocorreu com a carta de 11/02/04.

    - 47. O prédio e armazém têm acessos, na zona posterior, através de caminhos secundários, ladeados por construções viárias, com densidade populacional relevante, subsistindo em parte obrigatoriedade de sentido único e proibição de circulação de trânsito a veículos de peso superior a 3,5 toneladas.

    - 48. Tal não ocorreria a manter-se a via coletora.

    Que houve uma atuação por parte da R com clamoroso abuso de direito.

  6. Os recorrentes foram indemnizados na sequência de atos materiais lícitos - expropriação -, é certo, considerados os seus prejuízos à data, todavia não poderá o julgador ignorar que erroneamente está a ser negada a indemnização, pois: A posteriori e decorridos alguns anos após a abertura da via A44 ao tráfego (mais de 3 anos) a R. exerceu um ato (fecho da via coletora) em contradição com a sua conduta anterior e tal viola também os princípios da boa-fé e da confiança, resulta do sentido crítico claramente ajuizado, sendo que, O encerramento do acesso foi feito sabendo-se violar um pressuposto para a manutenção pelo Tribunal da Relação do Porto do quantum indemnizatório devido pela expropriação realizada e com respeito ao prédio em apreço, decisão judicial transitada em julgado e na qual foi também parte a R., sendo que, foi decidido no referido Acórdão manter o valor da indemnização fixado, ou seja, no montante de € 96.377,88, referindo expressamente (negrito nosso): permanece uma área de terreno de 235 m2, que, apesar de expropriada, continua a servir de estacionamento e o acesso à superfície comercial fica com acesso pelo lado poente e paralelamente ao itinerário do IC, por uma nova “via coletora” que permite manter o acesso e entrada de veículos.

    A responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas, no domínio dos atos de gestão pública, já não se rege pelo disposto no Decreto-Lei n.º 48.051, de 21.11.1967, mas aplicável ao caso atenta a data dos factos, discorrendo o artigo 2.º, n.º 1: (…).

    C.

  7. Pronuncia-se o TCAN, consideradas as alegações dos recorrentes, sobre a responsabilidade por atos lícitos, ora, prescreve o artigo 9.º, n.º 1 do citado DL n.º 48051 que o Estado e demais pessoas coletivas públicas indemnizarão os particulares a quem, no interesse geral, mediante atos administrativos legais ou atos materiais lícitos, tenham imposto encargos ou causado prejuízos especiais e anormais, considerando erroneamente não existir prejuízos especiais e anormais, resultando factualidade assente que sustenta sem favor entendimento contrário.

  8. Nesta situação, decorre que se prescinde dos requisitos da ilicitude e da culpa, apenas se exigindo que os prejuízos causados, para serem indemnizáveis, sejam especiais e anormais, e ao caso são inquestionavelmente, resultando concretizados da factualidade assente, sem necessidade de qualquer esforço hermenêutico, sob pena de ser violado o princípio primordial - JUSTIÇA; está plasmado no preâmbulo da Constituição Portuguesa, através da criação de um “País mais livre, justo e fraterno” e no artigo 1.º onde se define Portugal como “uma república soberana, baseada na igualdade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária”.

  9. O DL n.º 48051, de 21.11.1967, faz depender de tal o direito de indemnização dos particulares pelos prejuízos causados por atos lícitos praticados pela Administração, são pressupostos deste tipo de responsabilidade prevista no artigo 9.º, a prática por órgão ou agente da administração de ato que formal e substancialmente se confine nos limites do poder que legalmente dispõe; a produção de danos; o nexo causal entre a conduta e os danos; que os danos advenham de prejuízos especiais e anormais; e que tais encargos ou prejuízos sejam impostos a um ou alguns dos particulares, na prossecução do interesse geral.

    D.

    Normas jurídicas violadas: artigos 2.º, n.º 1, 3.º, n.º 1, 4.º e 9.º, n.º 1, todos do DL 48.051, de 21 de novembro de 1967; artigos 334.º, 483.º e 563.º do CC; artigos 2.º, 22.º e 62.º, n.º 2, da CRP; assim como se refere expressamente estarem violados os seguintes princípios: da confiança, da boa-fé, e como último reduto para a boa decisão o princípio universal – JUSTIÇA -, princípio moral …».

  10. Devidamente notificados quer a R. «IP … SA», quer a interveniente principal «ASCENDI … SA», aqui recorridas, vieram produzir per si contra-alegações [cfr., respetivamente, fls. 1219 e segs. e fls. 1231 e segs.

    ] concluindo nos seguintes termos: 5.1.

    IP … SA

    «… I. Através da presente ação, os AA. pediram a condenação das RR. numa indemnização, com fundamento em alegado encerramento de uma via de acesso de viaturas a uma superfície comercial, fundando o seu pedido no regime da responsabilidade civil por factos ilícitos nos termos do artigo 483.º, n.º 1 Código Civil, referindo ter sido violado o princípio da boa-fé e aludindo à figura do abuso de direito.

    1. Conforme dado como provado na sentença em crise, em 5 de abril de 2001 foi publicado no DR n.º 81, II Série, o despacho do Ministro do Equipamento Social, n.º 7134-A/2001, de 15 de março de 2001, onde foram aprovadas as plantas parcelares e o mapa de expropriações necessárias à construção da obra do IC n.º 1 - Miramar/ Madalena (sublanço Madalena - EN109), concelho de Vila Nova de Gaia.

    2. De que resultou a declaração de utilidade pública urgente das expropriações necessárias à efetivação da obra em questão, nas quais se incluiu uma parcela, parte de um prédio pertencente aos AA..

    3. O processo de expropriação seguiu a via litigiosa, tendo culminado com acórdão da Relação que fixou o justo valor da indemnização, o qual já transitou em julgado.

    4. Quaisquer danos de responsabilidade da entidade expropriante Estradas de Portugal, causados pela expropriação em causa, foram julgados no processo de expropriação.

    5. De qualquer forma, conforme bem decide a sentença e confirma o douto acórdão do TCA, não estão preenchidos todos os requisitos da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas de direito público no domínio de atos de gestão pública, regulada no Dec.-Lei n.º 48051, de 21 de novembro de 1967.

    6. No caso sub judice inexiste qualquer facto ilícito, praticado pelas Rés ou pelos profissionais ao seu...

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