Acórdão nº 900/12.5TALLE.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 18 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelMARIA ISABEL DUARTE
Data da Resolução18 de Fevereiro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - Relatório 1 - No processo comum, com intervenção do tribunal singular, n.º 900/12-5TALLE, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro - Juízo Local Criminal de Loulé – J3, foram julgados os arguidos: CC Unipessoal, Lda,…….. e CMCC………………….. tendo sido proferida a decisão seguinte: a) Condenar a arguida CC Unipessoal, Lda pela prática, sob a forma continuada, de um crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social, p. e p. pelos artigos 107.º, nº 1, do Regime Geral das Infracções Tributárias e 30º, nº 2, do C. Penal, numa pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à razão diária de 5, 50 Euros; b) Condenar o arguido CMCC, pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto e punido pelo artigo 107.º, n.º 1 do Regime Geral das Infracções Tributárias e 30.º, n.º 2, do C. Penal, numa pena de 60 dias de multa, à razão diária de 5, 50 Euros; (…)”

2 - A Sociedade arguida, inconformada, interpôs recurso dessa decisão, tendo apresentado as seguintes conclusões: ” I- O Tribunal a quo fez uma deficiente interpretação do estipulado no art.º 30, nº2 do Código Penal; II- Entende o recorrente que com tal decisão se violou o disposto no art.º 79, nº2, do Código Penal, art.º 29, nº5 da Constituição da República Portuguesa e artigo 107, nº1 do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT)

III- A arguida foi julgada, pelo mesmo tipo de ilícito, no âmbito do Processo nº1253/13.0 TALLE, referente ao período que medeia entre Dezembro de 2011 e Junho de 2012; IV- Os presentes autos reportam-se ao período que medeia entre Janeiro de 2010 e Dezembro de 2010; V- O crime de Abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada, iniciou-se em Janeiro de 2010 e terminou em Junho de 2012, sendo o hiato temporal existente, de 11 meses, insuficiente para o descaracterizar, atendendo a que a arguida só foi notificada para pagar, pela Segurança Social, em 27 de Novembro de 2012; VI- Existe uma resolução criminosa que preenche várias vezes o mesmo tipo de crime, executadas de forma homogénea, no quadro de uma mesma solicitação exterior, sendo que, por isso, o ilícito tipo aqui julgado o já foi no Processo nº1253/13.0 TALLE

VII- Sendo a conduta que integra a continuação de igual ou menor gravidade não se deverá considerar a conduta retratada nos presentes autos, aplicando-se, aqui, o princípio do art.º 29, nº5 da Constituição da República Portuguesa

VIII- Se se considerar que tal conduta, que integra a continuação, é mais grave, tem aplicação o vertido no art.º 79, nº2 do Código Penal

Termos em que deve o presente recurso ser recebido, considerado procedente e, em consequência, ser a sentença recorrida revogada, com o que reporão, V. Exas., a Vossa costumada JUSTIÇA! “ 3 - Admitido o recurso e cumprido o art. 411º n.º 6, do C.P.P., o MP apresentou, douta resposta ao recurso, concluindo: 1. ”. A primeira e única questão a decidir no presente recurso questão a decidir pelo Venerando Tribunal da Relação de Évora é saber se face à matéria provada em audiência de julgamento, o Tribunal recorrido poderia considerar os factos julgados em anterior processo incluídos na continuação dos apreciados e julgados na sentença recorrida, por se tratar de uma única resolução criminosa e, por isso, ser absolvido, a fim de evitar a violação do principio constitucional do non bis in idem

  1. Acontece que “O crime de abuso de confiança fiscal, recortado no artigo 105.º do RGIT, é um crime omissivo puro, que se consuma no momento em que o agente não entrega a prestação tributária devida, ou seja, a prevista no n.º 7 da referida norma.”, não se confundindo com o preenchimento da condição objectiva de punibilidade, prevista na al. b) do nº 4 do Artigo 105º do RGIT, que até pode acontecer meses ou anos depois da consumação e preenchimento dose elementos objectivos e subjectivos do crime de abuso de confiança contra a Segurança Social

  2. Foi o que aconteceu no presente caso, o crime consumou-se com a continuada e omitida entrega de tributo no período de Janeiro a Dezembro de 2010 impunível até se lograr o cumprimento da condição objectiva de punibilidade, aquando da notificação da recorrente em 27.11.2012; 4. Assim, uma vez que a recorrente praticou factos posteriores – no período de Dezembro de 2011 a Junho de 2012 e que consubstancia o mesmo tipo de crime, já julgados no âmbito do Processo 1253/13.0TALLE, ainda que a notificação pela globalidade dos factos em ambos os processos, nos termos do disposto no artigo 105º nº 4 al. b) do RGIT tenha ocorrido em 27.11.2012, não constitui violação do principio ne bis in idem, nem podia constituir, dado tratarem-se de factos autónomos cujos elementos típicos se consuma com a omitida entrega dos respectivos tributos e não com o cumprimento de tal notificação; 5. Na medida em que houve um interregno de 11 meses entre o período temporal em que ocorreram os factos julgados e apreciados no âmbito dos presentes autos e os já julgados no Processo 1253/13.0TALLE, durante o qual a sociedade arguida com a sua conduta não incorreu qualquer crime, de harmonia com as regras da experiência comum de vida, revelou duas resoluções criminosas distintas; 6. Com efeito, a recorrente após o interregno de 11 meses, adoptou nova resolução em omitir no período que decorreu entre Dezembro de 2011 a Junho de 2012, a entrega de tributos à Segurança Social, pelo que, logicamente, estes últimos factos já julgados em anterior processo não integram a continuidade criminosa nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 30º nº 2 do Código Penal

  3. Assim, não havendo qualquer relação de continuidade nos termos do disposto no artigo 30º nº 2 do Código Penal entre os presentes autos e o Processo 1253/13.0TALLE, por em ambos terem sido julgados factos que revelam duas resoluções criminosas distintas, não existe qualquer violação do artigo 30º nº 2, do artigo 79º nº 2 do Cód. Penal (crime continuado como englobando os factos já julgados em anterior processo), do artigo 29º nº 5 da Constituição da República Portuguesa (non bis in idem) e do artigo 107º nº 1 do RGIT

  4. Nesta conformidade, nenhuma censura merece a douta sentença recorrida

    Termos em que não deve ser dado provimento ao recurso, mantendo-se, na integra, a douta sentença a quo

    Vossas Excelências, porém, decidirão, como é de JUSTIÇA!”

    4 - Neste Tribunal a Exma. Sr.ª Procuradora Geral-Adjunta emitiu parecer, concluindo: “Nos presentes autos, está em causa o recurso interposto pela arguida CC, UNIPESSOAL Lda, da douta sentença de fls. 228 e seguintes, proferida em 26/02/2019. Através da compulsa dos autos, manifestamos a nossa adesão aos fundamentos de facto e de direito, enunciados e constantes da douta decisão recorrida, sendo que não se vislumbra nada de relevante e de decisivo que a consinta colocar em crise. Acompanhamos a resposta apresentada pelo Ministério Público na 1ª instância, a cujos argumentos nada mais se nos oferece acrescentar, com relevo para a apreciação e decisão do presente recurso. Termos em que e sem necessidade de mais desenvolvidos considerandos, se emite parecer no sentido da improcedência do recurso.”

    5 - Foi dado cumprimento ao disposto no art. 417º n.º 2, do C.P.P. 6 - Foram colhidos os vistos legais

    7 - Cumpre decidir II – Fundamentação 2.1 - O teor da decisão, na parte que importa, é a seguinte: “1. Factos Provados Da discussão da causa e com relevância para a decisão da mesma, resultaram provados os seguintes factos: 1. A arguida é uma sociedade por quotas que se dedica à construção de redes de transporte e distribuição de electricidade e de telecomunicações, instalações e reparações eléctricas, comércio, importação e exportação de mercadoria

  5. A sociedade arguida encontra-se inscrita na Segurança Social nos regimes contributivos “000” (Regime Geral dos Trabalhadores por conta de outrem) e “669” (Regime dos membros de órgãos Estatutários”

  6. O arguido é gerente da sociedade arguida, obrigando-se esta com a assinatura de um gerente

  7. No decurso da sua actividade, a sociedade arguida, através do arguido, seu representante legal, no ano de 2010 procedeu ao desconto de contribuições referentes aos salários dos seus trabalhadores, nos períodos e montantes demonstrados no mapa de apuramento da dívida

  8. Assim, o arguido, em representação da sociedade arguida, nos meses de Janeiro a Dezembro de 2010, reteve o montante de € 7 580, 12, referente aos regimes “000” e “669”, nos meses de Janeiro a Dezembro, num total de 24 meses

  9. Durante este período, o arguido, em representação da sociedade arguida, fez entrega das respectivas folhas de remuneração

  10. O pagamento de tais contribuições declaradas deveria ter sido efectuado até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que respeitam, que o arguido não entregou no referido prazo, nem até ao presente o fez

  11. Nem tais pagamentos foram regularizados 90 dias volvidos sobre essas datas

  12. Também no dia 27.11.2012 foi o arguido notificado para proceder ao pagamento das contribuições em dívida, nos termos do n.º 4, al. b) do art.º 105 do RGIT, o que ele igualmente não cumpriu

  13. Assim, o arguido, na qualidade de gerente da arguida, ao decidir pela afectação dos meios financeiros desta, que incluíam as supra referidas prestações para a Segurança Social, optou prioritariamente pela satisfação dos encargos decorrentes do exercício da actividade da sociedade arguida, 11. Em detrimento das contribuições devidas à Segurança...

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