Acórdão nº 76266/17.1YIPRT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 20 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução20 de Fevereiro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, após vistos legais e em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

I. RELATÓRIO.

Recorrente: A. F..

Recorrida: L. J. – Pronto-a-vestir M. S., Lda.

L. J. – Pronto-a-vestir M. S., Lda., com sede na Avenida … Bragança, instaurou a presente ação declarativa, com processo comum (que deu entrada como requerimento de injunção), contra A. F., cuja residência, em sede de requerimento de injunção, vem indicada como se situando na Avª … Bragança, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 11.684,56 euros de capital em dívida, 8.071,19 euros de juros de mora vencidos e 153,00 euros de taxa de justiça paga, tudo acrescido dos juros de mora vincendos à taxa comercial.

Para tanto alega, em síntese, dedicar-se ao comércio de vestuário e pronto-a-vestir e que em 17/09/2008, vendeu à Ré, que igualmente se dedica ao comércio de vestuário de pronto a vestir, as peças de vestuário descritas e sob as quantidades e preços constantes das faturas n.ºs 4, 5, 6 e 7, pelo preço global de 11.684,56 euros; Acontece que apesar dessas faturas se terem vencido em 20/09/2008, a Ré não pagou o preço da mercadoria que a Autora lhe vendeu.

Frustrou-se a citação da Ré, pelo que se remeteu os autos à distribuição.

Citou-se editalmente a Ré, que contestou, indicando nesse articulado como residindo na Rua …, Angola, defendendo-se por exceção e por impugnação.

Invocou a exceção dilatória da ilegitimidade passiva, impugnando que se dedique à comercialização de qualquer tipo de vestuário, designadamente, na sociedade comercial da qual assume a gerência em Angola, sustentando que ainda que as vendas invocadas fossem verdadeiras, que a Autora nunca a poderia demandar a título pessoal, mas sim à sociedade de que é gerente; Impugnou a generalidade dos factos alegados pela Autora, alegando que esta invoca dolosamente factos falsos e faz um uso reprovável do processo.

Conclui pedindo que se julgue a ação totalmente improcedente, por não provada e se absolva a mesma do pedido e se condene a Autora como litigante de má-fé em quantia de 2.000,00 euros.

Notificou-se a Autora para responder, querendo, à exceção dilatória da ilegitimidade passiva e ao pedido de condenação como litigante de má-fé, o que fez, concluindo pela respetiva improcedência.

Dispensou-se a realização de audiência prévia, fixou-se o valor da ação em 19.755,75 euros, proferiu-se despacho saneador, em que se julgou inadmissível o pedido de reembolso da taxa de justiça paga e conheceu-se da exceção dilatória da ilegitimidade passiva invocada pela Ré, julgando-a improcedente.

Fixou-se o objeto do litígio e os temas da prova, não tendo havido reclamações.

Conheceu-se dos requerimentos probatórios apresentados pelas partes e designou-se data para a realização da audiência final.

Entretanto, tendo a Autora junto aos autos as faturas de fls. 44 a 60, a Ré veio invocar a exceção dilatória da incompetência internacional dos tribunais portugueses para conhecer da presente ação, sustentando que essa competência pertence aos tribunais angolanos, uma vez que conforme resulta do teor das faturas juntas aos autos, o lugar de cumprimento da obrigação é a sede/residência da Ré, a qual se situa em Angola.

Aberta a audiência final, após observância do contraditório, proferiu-se despacho conhecendo da exceção em causa, que se julgou improcedente e que consta do seguinte teor: “Veio a Ré invocar a exceção da incompetência territorial deste Tribunal, por não ser o do lugar do domicílio da Ré, nos termos do disposto no artigo 71.º, n.º 1, 1.ª parte, do C.P.C., que expressamente invoca.

A Autora pugnou pela sua improcedência.

Vejamos.

Pese embora lhe chame incompetência territorial, resulta evidente que a Ré exceciona a incompetência internacional dos tribunais portugueses para o conhecimento da presente causa.

Estipula o artigo 573.º, n.º 1, do C.P.C. que “[t]oda a defesa deve ser deduzida na contestação, excetuados os incidentes que a lei mande deduzir em separado”.

Resulta deste normativo legal que as exceções dilatórias cujo conhecimento depende de arguição das partes têm de ser deduzidas na contestação, sob pena de preclusão do direito de arguição futura das mesmas.

Ora, no caso sub judice, a Ré, depois de finda a fase dos articulados, e após prolação do despacho de saneamento do processo – que se pronunciou expressamente sobre a competência do tribunal em razão da nacionalidade –, com identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova, e de designação da audiência final, veio invocar a exceção dilatória da incompetência territorial do Tribunal, quando a contestação seria o momento próprio para o fazer.

Se fôssemos rigorosos quanto à específica exceção que foi invocada, teríamos de considerar extemporânea essa invocação, pois teria a Ré de o ter feito aquando da contestação, pois aí estava em condições de o fazer, não obstante justificar o momento em que o veio fazer, na véspera do julgamento, com o argumento de que só depois de notificada das faturas é que teve conhecimento de que o “lugar do cumprimento da obrigação” é o domicílio da Ré, o que não se aceita pois o que resulta das faturas é que as mesmas estão emitidas em nome daquela com a morada de Angola e que a mercadoria foi colocada à disposição daquela em 15 e 16 de setembro de 2008 através de «nossa viatura» (a menos que estivéssemos a falar de transporte aéreo ou marítimo, o que não parece ser o caso).

Sucede, porém, que o n.º 2 do artigo 573.º do C.P.C. prescreve que “[d]epois da contestação só podem ser deduzidas as exceções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes, ou que a lei expressamente admita passado esse momento, ou de que se deva conhecer oficiosamente”.

A competência internacional do tribunal trata-se de exceção que, além de poder ser arguida pelas partes, é do conhecimento oficioso (cfr. artigos 96.º, alínea a), e 97.º, n.º 1, do C.P.C.).

Pese embora o Tribunal se tenha pronunciado expressamente no despacho saneador sobre a questão, para quem entenda que o despacho meramente tabular não se pronuncia sobre o fundo da questão, sempre se reafirmará que, tal como feito constar no despacho saneador, “o Tribunal é competente em razão da nacionalidade”.

Com efeito, dispõe o artigo 59.º do C.P.C. que “sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62.º e 63.º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94.º”.

As normas de competência internacional definem a suscetibilidade de exercício da função jurisdicional pelos tribunais portugueses, tomados no seu conjunto, relativamente a situações jurídicas que apresentam elementos de conexão com uma ou mais ordens jurídicas estrangeiras.

Os artigos 62.º e 63.º definem as situações em que a competência internacional dos tribunais portugueses tem origem legal. Como é sabido, essa competência pode ter origem também, quer em regulamentos europeus e outros instrumentos internacionais, quer no acordo das partes, os chamados pactos de jurisdição (cfr. artigo 94.º do C.P.C.).

Deixando agora de parte o artigo 63.º, que regula as situações em que os Tribunais Portugueses têm competência exclusiva, a remissão para os elementos de conexão referidos no artigo 62.º do C.P.C. leva-nos à seguinte apreciação.

“Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes: a) Quando a ação possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa; b) Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na ação, ou algum dos factos que a integram; c) Quando o direito invocado não possa tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro, desde que entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real”.

Temos aqui três critérios de atribuição da competência internacional com origem legal, aos Tribunais portugueses: os da coincidência [alínea a)], da causalidade [alínea b)] e da necessidade [alínea c)].

O critério da coincidência diz-nos que os Tribunais Portugueses serão internacionalmente competentes sempre que a ação possa ser proposta em Portugal, segundo as regras específicas da competência territorial estabelecidas na lei portuguesa (cfr. artigo 70.º e seguintes do C.P.C.).

O critério da causalidade determina a competência internacional dos tribunais portugueses sempre que tenha sido praticado em território nacional o facto ou algum dos factos integradores da causa de pedir. Esta última referência diz respeito às causas de pedir complexas, compostas por vários factos, e em que a finalidade do legislador foi impedir a denegação da competência dos nossos tribunais sempre que um só dos factos, por mínimo que fosse, tivesse ocorrido em território estrangeiro (ANSELMO DE CASTRO, Direito Processual Civil, II, fls. 29).

O critério da necessidade alarga as situações de competência internacional dos tribunais portugueses às situações em que o direito invocado apenas se possa efetivar por meio de ação proposta em território português, ou em que seja apreciavelmente difícil para o autor a sua propositura no estrangeiro.

Tendo em conta a causa de pedir que serve de fundamento à presente ação podemos afirmar com segurança que os factos que constituem o crédito da Autora, ou seja, parte dos factos integradores da causa de pedir, foram praticados em território nacional: a Autora, que tem a sua sede em Bragança, vendeu peças de vestuário à Ré, residente em Angola, as quais lhe foram entregues em território português na expectativa do pagamento do respetivo preço.

Repare-se que o artigo 62.º, alínea b), do C.P.C. basta-se com a prática em território português de algum dos factos que...

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