Acórdão nº 02121/19.7BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 14 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelMaria Fernanda Antunes Apar
Data da Resolução14 de Fevereiro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO J.M.C.S., residente na Rua (…), (…), instaurou providência cautelar contra o Instituto do Turismo de Portugal, IP, como preliminar à acção administrativa, pedindo o decretamento da suspensão da eficácia do acto administrativo consubstanciado na deliberação da Comissão de Jogos, nº 1-82019/CJ, de 01/03/2019, que lhe proibiu o acesso às salas de jogos de todos os casinos do País, pelo período de 5 (cinco) anos.

Por sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto foi indeferida a providência.

Desta vem interposto recurso.

Alegando, o Requerente concluiu: 1.ª A S., SA não pode ser considerada, para os efeitos que aqui relevam, uma entidade particular, porquanto é uma concessionária a que o Estado atribuiu, por efeito do regime consignado na Lei do Jogo (DL n.º 422/89, de 2 de Dezembro), poderes públicos.

  1. De resto, o acto praticado por aquela entidade – a expulsão, da sala de jogos, do aqui Recorrente – é já um acto procedimental, praticado no uso dos aludidos poderes públicos, embora sujeito a confirmação (mais propriamente se falaria de ratificação) da Comissão de Jogos.

  2. Esse acto é, inequivocamente, de iniciativa oficiosa, porquanto, ainda que tenha sido adoptado «na sequência de uma reclamação de um cliente de 5.05.2015», é sabido que as participações, queixas, denúncias, participações ou reclamações não relevam para qualificar a iniciativa do procedimento, que é sempre, nesses casos, oficiosa.

  3. Sem conceder, mesmo que se considerasse que o acto da S.

    não é, ainda, um acto procedimental, então, aplica-se, mutatis mutandis, a tese aqui defendida, configurando-se, nesse caso, como antecedente procedimental a comunicação por ela feita à Inspecção de Jogos (fls. 3 do p.a.).

  4. Isto porque essa comunicação configura, substantivamente, uma denúncia, tendente à instauração de procedimento sancionatório – e os procedimentos sancionatórios são, precisamente, aqueles que o preceito do art. 128-6 do CPA «tem paradigmaticamente em vista» MÁRIO AROSO DE ALMEIDA (Teoria Geral do Direito Administrativo, Coimbra, Almedina, 2018, p. 129).

  5. O procedimento em causa não pode, por conseguinte, ser considerado de iniciativa particular – circunstância esta que, só por si, indiciaria o êxito da causa principal, por o acto impugnado ter sido praticado em procedimento caducado.

  6. A sentença recorrida fez, portanto, errada (des)aplicação do disposto no art. 128º-6 do CPA.

  7. O requerimento probatório constante do libelo – diligências de prova a efectuar junto de três entidades (o Recorrido, a S.

    e a Procuradoria-Geral da República) e a inquirição de duas testemunhas – foi indeferido nos seguintes termos: Tendo em conta que os documentos juntos aos autos permitem apurar, indiciariamente, todos os factos relevantes para a decisão da presente providência, torna-se desnecessária a realização de qualquer outra diligência probatória – cf. o disposto no n.º 3 do art.º 118º do CPTA.

  8. Ora, o Tribunal só poderia ter recusado a produção da prova requerida nos termos do disposto no n.º 5 do invocado art. 118 – i.e.

    , considerando assentes ou irrelevantes os factos a que a prova se destinava; ou manifestando o entendimento de que os meios de prova requeridos eram manifestamente dilatórios.

  9. Assim, mostra-se violado o preceito do art. 118º-5 do CPTA.

  10. Por outro lado – mas, em boa parte, como decorrência disso mesmo – a sentença em apreço traduz um erro julgamento (precisamente, por ter dado como provados factos que careciam de ser apreciados à luz da prova cuja produção foi recusada); 12.ª efectivamente, a interpretação das imagens a que a douta sentença alude não é inequívoca e seria sempre necessário dar a possibilidade de o Arguido provar que, conforme alegou, se tratava de «uma vulgaríssima sucessão de gestos e atitudes».

  11. Finalmente, quanto à falta de fundamentação, o Tribunal recorrido julgou suficiente a motivação consistente nas formulações «Considerando o teor da proposta […]» e «Considerando os fundamentos de facto e direito constantes do parecer […]».

  12. Contudo, «considerar-se» – ou tomar-se em consideração – o teor de uma proposta ou de um parecer não traduz uma declaração de concordância.

  13. A ligeira alteração do (agora) art. 153º-1 do CPA operada pela revisão de 2015 teve justamente como objectivo «sublinhar que os pareceres, informações e propostas só são parte integrante do acto em caso de declaração expressa de concordância» – cf. FAUSTO DE QUADROS ET AL.

    , Comentários à revisão do Código de Procedimento Administrativo, Coimbra, Almedina, 2016, pp. 304-305.

  14. Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo incorreu em erro de Direito, por errada aplicação do estatuído naquele art. 153º-1 do CPA.

  15. Por outro lado, mesmo admitindo (sem prescindir do afirmado e, portanto, por mera hipótese de raciocínio) que o Parecer n.º 17/2019 serviria, em abstracto, de fundamentação ao acto impugnado, a verdade é que isso, em concreto, não pode acontecer, porque também esse Parecer não está fundamentado, porquanto: a) da narração contida no seu n.º 7 não é perceptível que factos foram considerados ilícitos; b) o próprio autor do Parecer não conseguiu qualificar esses alegados factos, não tendo logrado explicitar se os integra em «um dos crimes previstos na Secção I do Capítulo IX da Lei do Jogo» ou na «prática de contraordenação prevista na sua Secção IV»; c) o Parecer acaba por apenas concluir que «as condutas [não especificadas] evidenciadas pelo visado, […] sendo muito graves, são objetivamente inconvenientes e violadoras das normas de conduta» [não especificadas], sem explicitar, minimamente, o iter cognoscitivo e valorativo que o levou a essa conclusão; d) não se mostra, por modo algum, fundamentada ou justificada a duração da medida, sendo certo que as condutas puníveis como contra-ordenação (Secção IV do Capítulo IX da Lei do Jogo) apenas podem conduzir à proibição de entrada nas salas de jogo por um período até dois anos, no máximo; e) a alusão à prática de crimes ou contra-ordenações pelo Recorrente é claramente inconsequente, quer pelo modo tíbio por que é formulada, quer pela falta de consequências dessa alusão (não foi instaurado ao Recorrente nenhum processo-crime nem lhe foi aplicada coima alguma), quer ainda pela falta de concretização de quais sejam esses crimes ou contra-ordenações.

  16. No mínimo, fica demonstrado que, não tendo o Parecer concluído pela prática de um crime (ficando em aberto a hipótese de se tratar, mesmo segundo o autor do Parecer, de simples contra-ordenação), o acto questionado não está fundamentado, porque só a prática de crimes pode fundamentar um afastamento das salas de jogo pelo período de cinco anos.

  17. Ao decidir em sentido diverso, o Tribunal a quo violou, por errada interpretação e aplicação, o preceito do art. 152º-1/a do no provimento do recurso, deve revogar-se a sentença sub censura e decretar-se a providência requerida.

    Foram juntas contra-alegações onde se concluiu: 1.ª Ainda que a S., S.A. seja uma concessionária a que o Estado atribui o direito à exploração de jogos de fortuna ou azar de acordo com a Lei do Jogo aprovada pelo Decreto-Lei n.º 422/89 de 2 de dezembro e que por isso lhe atribuí determinadas prerrogativas públicas, no caso em apreço, para efeitos da iniciativa do procedimento em causa, deve ser considerada uma entidade particular.

  18. A formulação da norma do artigo 38.º da Lei do Jogo, que determina que “por sua iniciativa, ou a pedido justificado das concessionárias, ou ainda dos próprios interessados, o inspetor-geral de Jogos pode proibir o acesso às salas de jogos a quaisquer indivíduos, nos termos do presente diploma, por períodos não superiores a cinco anos” impõe concluir que o que está em causa é um procedimento que tem origem num pedido da concessionária da zona de jogo de proibição de acesso a um determinado frequentador e portanto não é um procedimento oficioso.

  19. As situações de inércia a que o legislador, na alteração do CPA/15, visou responder com o prazo de caducidade dos procedimentos de iniciativa oficiosa previsto pelo n.º 6 do artigo 128.º não são equiparáveis à situação material controvertida nos autos em que há um pedido da concessionária, e de resto, um dever legal de decisão.

  20. A Recorrida emitiu o ato suspendendo no cumprimento do seu dever de decisão previsto pelo artigo 13.º do CPA, pelo que, ainda que se encontrasse ultrapassado o mencionado prazo de decisão, que constitui um prazo meramente ordenador, impunha-se-lhe que decidisse a pretensa o formulada sob pena de violação do seu dever de decisão.

  21. Ao caso sub judice não é aplicável o disposto no n.º 6 do artigo 128.º do CPA, porque não é um procedimento, verdadeiramente, de iniciativa oficiosa, não tendo incorrido o tribunal a quo em qualquer erro ao ter desaplicado o mencionado preceito legal e concluir que a data da decisão suspendenda, o procedimento não se encontrava caducado.

  22. O procedimento em causa é um procedimento especial, de averiguações, de acordo com o disposto no artigo 29.º, n.º 5 a 8 ex vi artigo 38.º da Lei do Jogo, de natureza vinculada, existindo para a Recorrida um dever legal de decisão, pelo que não se encontra sujeito ao prazo previsto pelo n.º 6 do artigo 128.º nem a qualquer outro na medida em que na lei em apreço não é previsto qualquer efeito preclusivo associado ao incumprimento de um prazo.

  23. A natureza especial do procedimento em causa não se coaduna com a aplicação do disposto no artigo 128.º, n.º 6 do CPA e com a extinção do procedimento por caducidade (neste sentido Ac. TCAS de 20.09.2018, Proc. 396/18.8BEALM e Ac. TCAN de 23.08.2018, Proc. 00237/18.6BEPRT).

  24. Em qualquer caso, por mera cautela de patrocínio, ainda que fosse aplicável o disposto no n.º 6 do artigo 128.º do CPA, o princípio do aproveitamento do ato administrativo previsto pelo n.º 5 do artigo 163.º do CPA, e sendo incontroverso que as razões de facto e de...

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