Acórdão nº 00512/07.5BEPNF de Tribunal Central Administrativo Norte, 14 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelHelena Ribeiro
Data da Resolução14 de Fevereiro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I-RELATÓRIO 1.1.INSOLVÊNCIA M., LDA, com sede em (...), instaurou contra o MUNICÍPIO DE (...) ação administrativa comum pedindo o conhecimento a título incidental, nos termos do artigo 38.º do CPTA, da ilegalidade da deliberação da Câmara Municipal de (...), de 31.08.2004, que declarou a nulidade do licenciamento urbanístico que lhe havia sido concedido para a construção de um edifício em (...), no ano de 2000, e em consequência, a condenação do Réu no pagamento de uma indemnização de € 4.316.845,83.

Alega, para o efeito, em síntese, que apresentou um projeto para a construção de um edifício em (...), que foi objeto de licenciamento e emissão de alvará no ano de 2000, em que foram requeridos dois aditamentos.

Sucede que em 31.08.2004 o Réu declarou a nulidade do dito licenciamento por ofensa a instrumento de gestão urbanística sendo essa decisão ilícita na medida em que nada impede que o “andar recuado” seja um andar inferior.

Ademais, o desvalor de tal decisão nunca seria a nulidade mas a mera anulabilidade.

Afirma que decidiu não impugnar o ato declarativo da nulidade, tendo antes apresentado um novo projeto de construção que veio a ser aprovado pelo Réu em 2005, na sequência do que foi emitido um novo alvará.

Refere que o Réu declarou nulo o dito licenciamento para depois voltar a aprovar a referida construção, com o que fez a Autora perder tempo na construção e acabamento do edifício e, consequentemente, o desperdiçar de oportunidades de negócio na venda das respetivas frações e, bem assim, forçando-a a suportar custos com os empréstimos que teve de continuar a assegurar perante a banca e outras despesas, prejuízos pelo quais tem direito a ser indemnizada pelo Réu com fundamento em responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito.

Para o caso de assim se não entender, pede a condenação do Réu nos termos do disposto no artigo 70.º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação.

*1.2.

O Réu contestou a ação invocando o erro na forma de processo e a improcedência da ação.

Alegou, em síntese, que o licenciamento titulado pelo Alvará n.º 65/2000 foi emitido de acordo com os diversos pareceres técnicos e com a informação prestada a fls. 411 a 418, tendo-se sustentado nos termos de responsabilidade subscritos pelos respetivos responsáveis.

Mais alega que os aditamentos apresentados pela Autora no processo 3/2000, foram-no já depois da obra feita, e eram insuscetíveis de aprovação por serem violadores das normas do Regulamento do PGU, havendo manifestas discrepâncias entre as peças apresentadas pela A. e a obra que edificou por sua iniciativa e a seu mando.

A nulidade do referido licenciamento foi declarada em conformidade com o parecer ínsito no relatório da IGAT, só então tendo a Autora acabado por apresentar um novo pedido de licenciamento que veio a ser aprovado por ser conforme ao quadro legal.

Conclui não ser responsável por nenhum dos prejuízos sofridos pela Autora que apenas à mesma se devem, não tendo havido nenhum bloqueio à aprovação dos aditamentos e/ou na declaração de nulidade.

*1.3.

Foi proferido despacho saneador que julgou improcedente o erro na forma de processo, fixou a matéria de facto assente e a base instrutória.

*1.4.

Realizou-se instrução e audiência de discussão e julgamento.

* 1.5.

Por sentença de 2 de fevereiro de 2014 o tribunal a quo julgou a presente ação totalmente improcedente, por não provada, constando essa sentença da seguinte parte dispositiva: «Ante o exposto, julgo a presente ação totalmente improcedente, e, consequentemente, absolvo o Réu do pedido.

Custas a cargo da Autora – artigos 527.º, n.º 1, do CPC, 1.º e 189.º do CPTA, sem prejuízo de apoio judiciário ou outra isenção legal de que eventualmente beneficie. Registe e Notifique».

*1.6.

Inconformada com decisão, a Autora veio dela interpor recurso de apelação para este Tribunal Central Administrativo do Norte, formulando as seguintes conclusões: «A- O pedido de condenação do Réu no pagamento da indemnização tinha como suporte duas causas de pedir distintas: 1) A ilegalidade da decisão administrativa que declarou a nulidade do licenciamento em causa ( arts. 72.º a 88.º da petição inicial), 2) O art.º 70.º do RGUE que dispõe que o município responde civilmente pelos prejuízos causados em caso de declaração de nulidade de licenças ( arts. 89.º e 90.º da petição inicial).

B- O douto julgador a quo, apreciando a título incidental a ilegalidade da decisão administrativa que declarou a nulidade do licenciamento entendeu que esta não se verificava.

C- No entanto, a mesma sentença é totalmente OMISSA quanto à verificação de responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito do art.º 70.º do RGEU.

D- O art.º 615.º do CPC (na redação atual) dispõe que é nula a sentença que não conheça questões que devesse apreciar.

E- Assim, a sentença deveria ter apreciado a verificação de responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito decorrente do art.º 70º do RGEU.

F- Os pressupostos desta responsabilidade por parte do Réu, são basicamente os que decorrem do DL 48.051, de 21/11/1967 e nos arts. 43º e ss do Código Civil.

- ilicitude: prática pelos órgãos do Município de um ato que viole as normas legais e regulamentares; - culpa: o dever de os órgãos do Município deverem agir diligentemente. No presente caso, os órgãos do Réu, caso entendessem existir uma violação no art. 4.º do PGU, deveriam ter indeferido o licenciamento do projeto inicial e não ter esperado a conclusão da obra para declarar a nulidade do licenciamento.

- dano: equivale aos prejuízos sofridos pela Autora e enumerados no ponto II desta petição.

-nexo de causalidade: os danos invocados pela Autora decorrem da conduta ilícita do Município.

G- Os factos constantes da douta sentença, nomeadamente os pontos 9,14, 18, 26, 27, 29, 34, 35, 36, 37 e a alteração das respostas aos quesitos 24.º a 28.º (cuja matéria foi supra impugnada pela Recorrente, permitem a condenação do Réu, ora Recorrido, pelos seguintes danos: € 295.543,90 de acréscimo de custos com encargos financeiros e nova licença, € 2.565,039,24 de diferença de custo para a adjudicação ao B. e € 1.44,416,18 de lucros cessantes.

H-Devem ser alteradas as respostas restritivas e explicativas dadas aos quesitos 24.º a 28.º, devendo estes ser provados.

Nestes termos deve a sentença em apreço ser revogada.»*1.7.

O Réu contra-alegou, formulando as seguintes conclusões: « 1.ª A Sentença recorrida não padece de nenhum vício ou omissão de apreciação dos pressupostos da responsabilidade factos alegados pela ora Recorrente, porquanto foram apreciados todos os factos necessários para a boa decisão da causa; 2.ª A matéria alegada pela Recorrente em nada demonstra qualquer omissão, erro de julgamento ou obscuridade por parte do Tribunal a quo: os danos alegados pela Recorrente nunca passaram (na tese sustentada em primeira instância e nas alegações ora postas em crise) senão de meras suposições, ao invés de assentar estribo em factos concretos e devidamente provados e inexiste culpa ou ilicitude na conduta do Recorrido; 3.ª A existência, quantificação e prova dos danos incumbia à Recorrente desde o primeiro momento, mas ficou por fazer, concluindo a douta sentença nos termos que o Direito, a atuação das partes e a (impossibilidade de) prova impôs; 4.ª A Recorrente teve sempre e a todo o momento ao seu alcance a possibilidade de obstar ao resultado (leia-se, ao putativo e alegado dano), quer através do (i) desencadear de processos administrativos graciosos (v.g. pronúncia em audiência prévia, requerimentos formalmente válidos, recursos graciosos, etc.) e (ii) contenciosos (providências cautelares, acções administrativas, etc.) impedindo em tempo útil a produção de qualquer hipotético dano na sua esfera jurídica, quer ainda (iii) através da obtenção de consenso com o R.-Recorrido; 5.ª Voluntária e conscientemente a Recorrente optou por nada fazer a não ser manter uma (então conveniente aos seus interesses comerciais e de maximização de ganho à custa da legalidade) posição de irredutibilidade, e exercer a sua atividade construtiva à margem e para além do permitido no licenciamento original; 6.ª A Recorrente deitou mão dos presentes meios para envidar repassar o risco e resultado da sua conduta demonstradamente irrefletida e inconsequente para o ente público - o Recorrido -, pretendendo colocar todos nós (contribuintes) a pagar a fatura dos seus desvarios de estratégia e conduta, de incompetência comercial e de gestão, e desrespeito gritante por quaisquer princípios de legalidade, e natural prudência; 7.ª Mesmo que todos os factos que a Recorrente deseja sustentar fossem dados como provados - o que, novamente, não se concebe nem concede, mas por excesso argumentativo se figura -, facto é que em nada serviam para efeitos de alteração da decisão recorrida, uma vez que, como bem referiu o douto Tribunal a quo, inexiste desde logo qualquer ilicitude na conduta do Recorrido; 8.ª A actividade administrativa do Recorrido foi lícita e isenta de culpa (no âmbito do relevo manifesto para a verificação dos pressupostos necessários para a responsabilidade extracontratual), e a construção efetiva foi fiscalizada pela IGAL/IGAT na sequência de acção de inspecção, que conforme o relatório concluiu que (i) a conduta prévia à prática do acto pelo Recorrido foi devidamente relevada, e ainda (ii) compeliu o Recorrido a proceder à sua correcção pelas formas legalmente previstas, ou a proceder à declaração de nulidade do acto; 9.ª A Recorrente submeteu vários aditamentos ao licenciamento sob os mais variados pretextos, (v.g. alegada causalidade da rotunda na decisão recorrida), que não visavam repor a ilegalidade da sua construção mas, isso sim, prever uma divisão da área comercial e proceder a um aumento da área de estacionamento interior, na segunda cave, com intuito de justificar a actividade de construção...

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