Acórdão nº 00150/18.7BEVIS de Tribunal Central Administrativo Norte, 14 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelMaria Fernanda Antunes Apar
Data da Resolução14 de Fevereiro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO E., LDA, com sede na Estrada (…), (…), notificada da anulação administrativa da decisão de aprovação de apoio financeiro, instaurou acção para anulação de acto administrativo contra o INSTITUTO DO EMPREGO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL, IP- Delegação Regional do Centro, com sede na Av. (…) (…), peticionando a anulação dos actos administrativos que revogaram o deferimento do apoio nomeado como Medida Estímulo 2013, inclusive a devolução dos montantes pedidos; que se condene o IEFP, IP a reconhecer a situação jurídica subjectiva directamente decorrente das normas jurídico-administrativas decorrentes do Regulamento do apoio em apreço; que se reconheça o preenchimento das condições para benefício do mesmo apoio em decorrência do princípio fundamental constante do CPA, porque à luz da interpretação feita pela Entidade Administrativa, a sua decisão padece de irrazoabilidade e incompatibilidade com o Estado e os Princípios de Direito.

Por decisão proferida pelo TAF de Viseu foi julgada procedente a acção e anulados os actos impugnados, com as consequências legais.

Desta vem interposto recurso.

Alegando, o IEFP formulou as seguintes conclusões: A. Sentença recorrida, salvo o devido respeito que é muito, interpreta e aplica de forma incorreta o n.º 8 do artigo 3.º da Portaria n.º 106/2013, de 14 de março; B. A Sentença recorrida aprecia incorretamente a fórmula de contabilização dos trabalhadores para os efeitos da criação líquida de emprego e para a sua manutenção; C. Constitui requisito de atribuição do apoio financeiro a criação líquida de emprego (cfr. proémio e alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º da Portaria n.º 106/2013, de 14 de março); D. A criação líquida de emprego consiste no registo, por banda da entidade empregadora, a partir da contratação e com periodicidade trimestral, de um número total de trabalhadores igual ou superior ao número de trabalhadores atingido por via do apoio (cfr. proémio e alínea b) do n.º 5 do mesmo artigo); E. Para avaliar a criação e manutenção do nível de emprego não são contabilizados os trabalhadores que tenham cessado os respetivos contratos de trabalho por motivo de invalidez, de falecimento, de reforma por velhice ou de despedimento com justa causa promovido pelo empregador (cfr. n.º 8 do mesmo artigo); F. Os únicos motivos apontados, de forma taxativa ou exaustiva, pelo n.º 8 do artigo 3.º da Portaria n.º 106/2013, de 14 de março, são: (i) a invalidez, (ii) o falecimento, (iii) a reforma por velhice ou (iv) o despedimento com justa causa promovido pelo empregador; G. Acrescentar à norma a não contabilização de trabalhadores cujos contratos de trabalho cessem no âmbito de outras modalidades de cessação do contrato de trabalho, como a denúncia, não tem na letra da lei o mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso; H. Nos termos do artigo 9.º do Código Civil, o pensamento legislativo terá, obrigatoriamente, que possuir um mínimo de correspondência verbal na letra da lei, independentemente da perfeição da sua expressão; I. A presunção da consagração das soluções mais acertadas e da expressão em termos adequados do pensamento na determinação do sentido e alcance da lei, aponta inevitavelmente nesta direção; J. Contrariamente ao vertido na Sentença recorrida, a cessação do contrato de trabalho por denúncia do trabalhador não é, ou pode não ser, uma situação totalmente alheia à vontade e disponibilidade da entidade empregadora; K. Na verdade, esta, nas suas relações com o trabalhador, no decurso da execução do contrato de trabalho não raras vezes adota condutas que impelem este a proceder à denúncia do seu contrato de trabalho, razão pela qual esta situação não poderá ser enquadrada e equiparada às restantes; L. O n.º 8 do artigo 3.º da Portaria n.º 106/2013, de 14 de março, interpretado no sentido da taxatividade ou exaustividade da enumeração tem na lei toda a correspondência verbal perfeitamente expressa; M. O pensamento legislativo ou a intenção do legislador perfeitamente enunciada no preceito sub iudice, aumenta o grau de vinculação do intérprete ao elemento literal ou gramatical da interpretação; N. A livre denúncia por trabalhador do contrato de trabalho não deve caber, pois, na enumeração do n.º 8 do artigo 3.º da Portaria n.º 106/2013, de 14 de março, porquanto, além de não ter qualquer correspondência verbal na norma, não se trata de situação alheia à vontade e disponibilidade da entidade empregadora; O. Pelo menos a partir do dia 17 de maio de 2013 ou do dia 17 de junho de 2013, a Recorrida tinha conhecimento da denúncia do contrato pelo trabalhador; P. Tendo este conhecimento, a Recorrida poderia e devia, durante o lapso temporal, correspondente ao prazo de aviso prévio, situado temporalmente antes das férias de Verão, envidar todos os esforços para preencher o posto de trabalho quando vagasse; Q. Ao invés, a Recorrida apenas em outubro de 2013, decorridos quatro ou cinco meses desde a comunicação do aviso prévio, contratou outro trabalhador; R. Não ficou provado que nada faria prever que o trabalhador entregasse a sua carta, muito menos em período considerado de férias; S. Trata-se, antes, de uma mera conjetura empreendida pela Sentença recorrida; T. Impõe-se uma interpretação declarativa do n.º 8 do artigo 3.º da Portaria n.º 106/2013, de 14 de março, pois que apenas comporta um sentido, consubstanciado no pensamento legislativo que lhe subjaz; U. O ato administrativo impugnado apenas se limitou a lançar mão dos poderes vinculados que resultam, designadamente, dos n.ºs 1, 3 e 4, todos do artigo 8.º da Portaria n.º 106/2013, de 14 de março, que, face a um incumprimento injustificado, conferem desde logo ao Recorrente o direito a decidir o incumprimento em causa e de impor à Recorrida a obrigação de devolução do apoio sob pena da respetiva cobrança coerciva; V. Tendo sido praticado no exercício de poderes vinculados, o ato impugnado não pode enfermar de violação de qualquer princípio da atividade administrativa, por este vício ser inerente ao exercício de poderes discricionários; W. O Recorrente atuou segundo o princípio da legalidade nas suas dimensões de conformidade e compatibilidade, a que aludem o n.º 2 do artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa e o artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo, fazendo cumprir o regime decorrente da Portaria n.º 106/2013, de 14 de março, não violando desse modo nenhum dos princípios apontados pela douta Sentença recorrida.

Termos em que, e pelo que suprirão, deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se, em consequência, a Sentença recorrida, pela interpretação dada ao n.º 8 do artigo 3.º da Portaria n.º 106/2013, de 14 de março, com as legais consequências e, dessa forma será feita, em nome do povo, JUSTIÇA! A Autora juntou contra-alegações, concluindo: 1. O recurso apresentado vem interposto de decisão que julgou “a presente ação administrativa totalmente procedente, anulando os atos impugnados, com as devidas consequências legais.” 2. A recorrente apresentou recurso porque entendeu grosso modo que a decisão proferida interpretou e aplicou “de forma incorreta o n.º 8 do artigo 3.º da Portaria n.º 106/2013, de 14 de março, que procede à criação da medida de apoio ao emprego «Estímulo 2013», que promove a contratação e a formação profissional de desempregados e que revoga a Portaria n.º 45/2012, de 13 de fevereiro, e, em consequência, aprecia incorretamente a fórmula de contabilização dos trabalhadores para os efeitos da criação líquida de emprego e para a sua manutenção.” 3. Assim, o cerne da questão reside em saber interpretar quais as consequências da cessação de um contrato de trabalho por livre e espontânea denúncia por um trabalhador face à Portaria n.º 106/2013, de 14 de Março.

4. Ora, a livre denúncia do contrato de trabalho por um trabalhador, situação cujo controlo escapa totalmente à entidade empregadora, tem necessariamente de ser contemplada e abrangida pelo n.º 8 do art. 3º da Portaria em referência, por ambas as situações terem um denominador comum: circunstâncias especiais que justificam a não manutenção do número de trabalhadores pelo facto de se tratar de situação alheia à vontade e disponibilidade da entidade empregador.

5. Só esta interpretação poderá consubstanciar uma interpretação consentânea com o art. 9º do Cciv, e sobretudo com os princípios fundamentais consagrados na Constituição que regem todo o nosso sistema.

6. Assim, assiste plena razão à sentença quando afirma: “(...) não deverão restar dúvidas que o elemento teleológico subjacente às exceções é o mesmo, ou seja, circunstâncias especiais que justificam tal não manutenção do número de trabalhadores. Se assim é, a livre denúncia por trabalhador do contrato de trabalho também deve caber nesta enumeração, visto tratar-se de situação alheia à vontade e disponibilidade da entidade empregadora, ainda que por aplicação analógica.” 7. Face ao exposto, dúvidas não há que a sentença recorrida nenhuma censura merece, que não pode até deixar de louvar-se, quer pela sua lucidez, quer pelo rigor técnico-jurídico.

8. Na verdade, a sentença posta em crise não infringiu qualquer norma legal, nem padece de qualquer erro de julgamento, não merecendo, deste modo, qualquer reparo.

9. Pelo que, deve o recurso ser julgado improcedente por não provado, mantendo-se na íntegra a sentença recorrida.

Nestes termos e nos melhores de direito, deve o recurso interposto ser julgado improcedente por não provado e ser integralmente confirmada a decisão da 1ª instância.

Assim se fazendo JUSTIÇA! O MP, notificado ao abrigo do disposto no artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.

Cumpre apreciar e decidir.

FUNDAMENTOS DE FACTO Na sentença foi fixada a seguinte factualidade: 1.A autora cumprindo todos os requisitos necessários ao programa de Apoio financeiro conhecido como Medida Estímulo 2013, viu a sua...

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