Acórdão nº 632/18.0T8FAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 13 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelFLORBELA MOREIRA LAN
Data da Resolução13 de Fevereiro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM NA 1.ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA I.

Relatório K… intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra M… e Ma…, pedindo que seja declarada a ineficácia, relativamente a si, do acto de transmissão de propriedade do veículo automóvel marca Porsche 9 PA (Cayenne S), com a matrícula …, efectuada pelo 1.º Réu para a 2.ª Ré, reconhecendo-se o direito do Autor a executar o referido bem para satisfazer o crédito que detém sobre o 1.º Réu.

Alega, em suma, que é titular de um crédito sobre o 1.º Réu, reconhecido por sentença judicial e, no âmbito das diligências executivas com vista à cobrança judicial desse crédito, apurou que o 1.º Réu transmitiu a propriedade de um veículo automóvel para a 2.ª Ré, sua tia materna, bem sabendo que tal acto causaria prejuízo ao Autor, impossibilitando, assim, a satisfação do seu crédito.

Os Réus foram regularmente citados, tendo apenas o Réu Marco Bruno da Costa Afonso Correia de Oliveira apresentado contestação.

Alega que o veículo automóvel em causa nos autos foi adquirido pela 2.ª Ré, por ter sido esta quem efectuou o pagamento do respectivo preço, sendo que, a propriedade do veículo foi registada em nome deste Réu por lapso. Após o registo do veículo, a 2.ª Ré conversou com o 1.º Réu, no sentido de este lhe transmitir a propriedade do veículo até que o montante que lhe foi emprestado fosse totalmente por ele liquidado, ao que este acedeu, tendo, então, procedido à transferência da propriedade no dia 4 de Janeiro de 2018, antes de ser citado no âmbito do processo de execução movido pelo Autor.

Mais alegou que apesar da transferência da propriedade, que espelharia a situação real, poderia o R. Marco usufruir sem reservas do automóvel, tendo esta a utilização do veículo, mas não nem nunca – ao menos do ponto de vista material – teve a propriedade do veículo, nunca tendo sido intenção dos RR. ao efectuar esta transmissão de propriedade fazer diminuir o seu património, por forma a impossibilitar ou agravar a possibilidade do A. de obter o seu crédito, não tendo os RR. agido de má-fé.

Conclui pugnando pela improcedência da acção, por não se verificarem os pressupostos da impugnação pauliana.

Foi realizada Audiência Prévia, tendo sido proferido despacho saneador, fixado o objecto do litígio e elencados os temas da prova Realizada audiência final, foi proferida sentença, cujo dispositivo é o seguinte: ” Pelo exposto, julga-se a presente acção totalmente procedente, por provada, e, em consequência, julga-se ineficaz, em relação ao Autor, o acto de transmissão de propriedade do veículo automóvel marca Porsche 9 PA, Cayenne S, com a matrícula …, feito pelo Réu M… à Ré Ma…, reconhecendo o direito do Autor à satisfação integral do seu crédito à custa do património do 1.º Réu, assim como a praticar os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei sobre esse mesmo veículo automóvel, incluindo o de executá-lo no património da 2.ª Ré.” O R., M…, não se conformando com a sentença prolatada, dela interpôs recurso, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões: “

  1. O Recorrente vem interpor recurso da decisão que julgou a presente acção totalmente procedente por provada, julgando-se ineficaz em relação ao A. o acto de transmissão de propriedade do veículo automóvel marca Porsche 9 PA, Cayenne S, com a matrícula … feito pelo Recorrente à 2ª R., ora Recorrida, Ma….

  2. O Recorrente não se conforma com tal decisão, motivo pelo qual interpõe o presente recurso, diligenciando pela transcrição do julgamento, uma vez que pretende a reapreciação da matéria de facto.

  3. Entende a Recorrente que os depoimentos das testemunhas foram desvalorizados pelo facto de serem familiares do Recorrente e uma delas ter bastante idade, quando prestaram declarações claras, fidedignas e verosímeis.

  4. Atendendo à prova produzida, a decisão deveria ter sido absolver os RR do pedido, não se atacando a eficácia do acto de transmissão, porquanto se tratou de um acto oneroso, praticado sem má fé dos intervenientes no negócio.

  5. Entende o Recorrente que os factos dados como não provados deveriam ter sido dados como provados, face às declarações de parte da R. Ma…: a. O veículo automóvel referido em 3) foi pago pela 2.ª Ré aquando da sua aquisição, tendo sido esta quem efectuou o pagamento de 23.500,00€.

  6. Aquando da sua aquisição, o veículo automóvel referido em 3) foi colocado em nome do 1.º Réu por mero lapso.

  7. Após o referido em b), a 2.ª Ré conversou com o 1.º Réu no sentido de este lhe transmitir a propriedade do veículo até que o montante que lhe foi emprestado fosse totalmente por ele liquidado.

  8. Foi devido ao referido em c) que o 1.º Réu transmitiu a propriedade do veículo automóvel para a 2.ª Ré.

  9. O facto da Ré Ma… ser idosa e familiar do Recorrente não obsta ao facto de a mesma ter sido categórica em afirmar que foi ela que disponibilizou o dinheiro para a compra do veículo e que o mesmo deveria ficar em seu nome até integral pagamento da quantia cedida pelo Recorrente.

  10. O relato dos factos por esta testemunha não é tendencioso, nem carece de credibilidade.

  11. A Ré depôs com verdade, não tendo entrado em contradição, tendo apenas revelado algumas dificuldades que certamente se devem a nervos e à sua avançada idade, factos que não devem obstar à correcta valoração das suas declarações.

  12. A situação tal como é relatada é corroborada pelo depoimento da testemunha A…, sendo o seu relato da testemunha, que acompanhou os factos de perto, corrobora o relato da Ré Ma… e mereceu a credibilidade da Meritíssima Juíza do Tribunal a quo.

  13. Os factos não provados das alíneas a) a d) deveriam ter sido dados como provados face à prova produzida, pois não há dúvidas que é a co-ré que paga o veículo e que deveria o mesmo ter sido registado em seu nome, o que apenas não sucedeu por lapso.

  14. A serem dados como provados os factos que foram dados por não provados, não se mostram preenchidos os requisitos para lançar mão a figura jurídica impugnação pauliana, sendo certo que esta figura apenas pode ser utilizada em casos muito concretos e claramente ataca a segurança jurídica do sistema, sobretudo no caso de bens sujeitos a registo.

  15. A prova dos factos dados como não provados afasta a má fé exigida expressamente pelo artigo 610º do Código Civil.

  16. Trata-se de uma alienação onerosa que teve por propósito repor a verdade registral quanto à propriedade do veículo, que, por lapso, foi registado em nome do Recorrente, quando devia ter sido registado em nome da co-ré Ma….

  17. O negócio foi celebrado de boa fé e sem qualquer intenção de frustrar o crédito do Recorrido K…, até porque o Recorrente é proprietário de outros bens, nomeadamente, uma casa em Vale de Lobo, conforme referido pela testemunha A… no excerto do seu depoimento no excerto entre os 2 minutos e 6 segundos e 3 minutos e 20 segundos.

  18. Não estando preenchidos os requisitos exigidos para a impugnação pauliana, a douta decisão do tribunal a quo viola o artigo 612.º nº 1 e 2 do Código Civil, consequentemente, deve ser revogada a decisão do douto tribunal a quo, devendo manter-se a eficácia do acto de transmissão impugnado, com as legais consequências.

    Nestes termos, e nos mais de direito aplicável, deve ser revogada a decisão do douto tribunal a quo, devendo manter-se a eficácia do acto de transmissão impugnado, com as legais consequências.

    ASSIM SE FARÁ JUSTIÇA”.

    Foi apresentada resposta às alegações, pugnando o apelado pela confirmação da sentença recorrida.

    Foram providenciados os vistos e nada obstando ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.

    II.

    Objecto do Recurso Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso (art.º 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º e 663.º, n.º 2 do CPC), importar decidir: - Modificação da matéria de facto; - Reapreciação jurídica do mérito da causa.

    1. Fundamentação 1.

    De Facto Na sentença recorrida foram julgados: Provados os seguintes factos: 1) No âmbito do processo n.º 2024/16.7T8FAR, que correu termos o Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo Central Cível – J3, por sentença proferida em 17 de Março de 2017, o Réu M… foi condenado, solidariamente com Ag…, a pagar ao Autor a quantia de £ 2000,00 (duas mil libras esterlinas), acrescida de 11.000,00€ (onze mil euros), com juros a contar da data da citação, e as custas na proporção do decaimento da acção, que perfazem o valor total de 2.610,00€ (dois mil, seiscentos e dez euros).

    2) No dia 7 de Dezembro de 2017, com vista a aferir os bens disponíveis em nome do 1.º Réu e para posterior propositura da respectiva acção executiva, o Autor iniciou um Procedimento Extrajudicial Pré-Executivo contra aquele.

    3) Do relatório elaborado em 15 de Dezembro de 2017 pelo Agente de Execução, no âmbito do procedimento referido em 2), constatou-se que se encontrava registado em nome do 1.º Réu uma viatura automóvel sem quaisquer encargos, bem como que mantinha relações comerciais com três instituições bancárias e tinha registado, em seu nome, uma fracção de um imóvel sobre a qual pendiam duas hipotecas a favor do Banco … no valor de 680.000,00€, duas penhoras fiscais no valor de 53.445,13€, uma penhora a favor do credor hipotecário no valor de 557.201,62€, estando também pendente o registo de uma quarta penhora.

    4) O veículo automóvel referido em 3) trata-se de um Porsche 9 PA (Cayenne S) com a matrícula … e motor n.º M…, matriculado em Portugal no ano de 2006.

    5) O procedimento referido em 2) foi extinto em 9 de Janeiro de 2018, por convolação em processo de execução.

    6) O Autor indicou à penhora, no âmbito do processo de execução, o veículo automóvel referido em 3).

    7) No dia 19 de Janeiro de 2018, o Autor foi notificado, pelo Agente de Execução, que a propriedade do referido veículo já não se encontrava registada em nome do 1.º Réu.

    8) O 1.º Réu transmitiu a propriedade do...

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