Acórdão nº 0116/07.2BECTB 01243/17 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 12 de Fevereiro de 2020
Magistrado Responsável | FRANCISCO ROTHES |
Data da Resolução | 12 de Fevereiro de 2020 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 116/07.2BECTB (1243/17) 1. RELATÓRIO 1.1 O particular acima identificado recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco julgou improcedente a impugnação judicial por aquele deduzida, na sequência do indeferimento sucessivo da reclamação graciosa e do recurso hierárquico, contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) que lhe foi efectuada com referência ao ano de 2000.
1.2 O recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e o Recorrente apresentou alegações, com conclusões do seguinte teor: «1- Vem o presente recurso interposto da decisão a quo que manteve a liquidação notificada ao recorrente baseou-se na correcção aritmética dos valores de imposto em virtude da venda do imóvel de propriedade do mesmo, realizado em 21.09.2000.
2- Porém, o produto daquela venda destinou-se exclusivamente a liquidar o empréstimo bancário contraído junto da Caixa Geral de Depósitos para a sua construção.
3- A administração fiscal, porém, considerou aquele produto entregue à CGD como “rendimentos” sob a forma de mais-valias, incluídos na categoria G, não considerando o valor de amortização de empréstimo contraído para aquisição de habitação, como dedutível, por não estar então em vigor a actual alínea a) do n.º 5 do art. 10.º do CIRS.
4- Tal dedução, na interpretação e fundamentação da administração tributária, só passou a ser considerada no cálculo do valor a reinvestir a partir do ano de 2002, após a alteração do art. 10.º do CIRS introduzida pela Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2002).
5- Assim, e dado o início da vigência de tal normativo se ter operado após o virar do ano de 2001, entende a administração fiscal e a sentença a quo não dever atender ao reclamado pelo recorrente.
6- Cremos, porém, que assiste razão ao recorrente em ver aplicado ao seu caso o novo regímen introduzido pela citada Lei, na medida em que, se nos ativermos aos antecedentes históricos da feitura e publicação da actual alínea a) do n.º 5 do art. 10.º do CIRS, podemos caracterizá-la de lei interpretativa.
7- Na verdade, com a sua publicação pretendeu-se colmatar uma lacuna normativa, pondo termo e reconhecendo justiça a inúmeras reclamações dos contribuintes a braços com situações de clamorosas de injustiça, idênticas às do ora impugnante.
8- E, a dita norma, veio introduzir no sistema jurídico-fiscal maior coerência, justiça e rigor, pelo que deverá qualificar-se de Lei Interpretativa.
9- A lei interpretativa integra-se na lei interpretada, tendo eficácia retroactiva (neste sentido, vide Pires de Lima e Antunes Varela, in CC anotado 1.º - 19; Baptista Machado, in Aplicação, pág. 287 e Marcelo Caetano, in Manual de Direito Administrativo, 8.ª ed., pág. 135).
10- Assim, verificamos que a sua aplicação ao presente caso se justifica e legitima ao abrigo do disposto no n.º 1 do art. 13.º do C. Civil, que foi, dessa forma, violado pela sentença a quo, que julgou improcedente a pretensão do recorrente.
11- O mesmo se diga se perspectivarmos o presente caso de acordo com os princípios jurídico-constitucionais aplicáveis ao procedimento tributário.
12- Na verdade, como limite material da tributação, pontua o princípio da igualdade fiscal (decorrente, entre outros, do art. 13.º da CRP), que, por sua vez, implica os princípios da capacidade contributiva e do rendimento líquido.
13- O primeiro destes princípios, de acordo, ainda, com o ensinamento do Prof. José Casalta Nabais, “tem importantes préstimos. De um lado afasta [o legislador] fiscal do arbítrio, obrigando-o a que, na selecção e articulação dos factos tributários, se atenha a revelações da capacidade contributiva. Daqui decorre a necessidade de uma válvula de escape para obstar a situações de grave iniquidade no caso de tributação assente em ficções (...)”.
14- Sendo que, o segundo deles impõe “que a cada categoria de rendimento sejam deduzidas as despesas específicas para a sua obtenção” (cfr. ob. cit. págs. 151 e ss.).
15- No presente caso, a administração não está senão a “ficcionar” que o impugnante obteve um “ganho”; pois, na realidade, facilmente se demonstra que tal incremento patrimonial não foi obtido.
16- Deve, então, concluir-se pela aplicabilidade da actual alínea a) do n.º 5 do art. 10.º do CIRS ao presente caso, o que implica, por sua vez, a revisão do sentido da decisão ora em crise, e a anulação da sentença recorrida e liquidação que lhe subjaz, por violação destes normativos.
17- Por outro lado, constitui princípio basilar do nosso sistema fiscal dever ser tributado, unicamente, o rendimento real e efectivo; 18- Sendo certo que, para efeitos de apuramento de mais-valias sujeitas a imposto atende-se (cfr. art. 10.º, n.º 1 do CIRS) aos “ganhos obtidos”.
19 - Em linguagem mais elucidativa, o ilustre jusfiscalista da Faculdade de Direito de Coimbra, o Prof. José Casalta Nabais, considera que integram a categoria G os “incrementos patrimoniais”, distinguindo-os terminologicamente das outras categorias que, não inocentemente considera “rendimentos” (in Direito Fiscal, 3.ª edição - pág. 513, Editora Almedina).
20- Deve dizer-se que a mesma distinção é realizada pela própria lei (cfr. CIRS, Secção VI - Incrementos Patrimoniais), o que mais legitimidade confere à interpretação nos termos que temos vindo a defender.
21- Ainda a págs. 513 da ob. cit., e quanto à determinação da matéria colectável, informa o mesmo Autor que o “apuramento líquido de cada categoria” se efectua “através da subtracção ao rendimento ilíquido - (ou bruto) de cada categoria das deduções específicas (que, basicamente, são constituídas pelas despesas necessárias à obtenção do respectivo rendimento) dessa mesma categoria”.
22 - Isto é, ao resultado líquido depois de deduzidos os custos do bem.
23- Daqui resulta que, mesmo que não se considerasse aplicável a referida alínea a) do n.º 5 do art. 10.º do CIRS, sempre se deveria considerar como custo dedutível a quantia de € 100.213,41, que foi paga à Caixa Geral de Depósitos e foi necessária à construção do imóvel em causa.
24- Tal conclusão resulta do facto de, nos termos do n.º 1 do art. 11.º da LGT, que postula que “na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam se de vem observar as regras gerais da interpretação e aplicação das leis”.
25- Mas, se dúvidas restassem, à mesma propugnada conclusão se deveria chegar pelo auxílio do método interpretativo consagrado no n.º 3 do art. 11.º da LGT, que ordena que “persistindo dúvidas sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários”.
26- Ora, a substância económica do facto tributário sub judice é clara no que toca à inexistência de mais-valias, pois está já demonstrado e admitido pela administração fiscal que a referida quantia de € 100.213,41 foi utilizada para liquidar o empréstimo.
27- In casu, pois, o empréstimo bancário sempre deverá ser considerado custo, para este efeito de apuramento do rendimento real.
28- Na fundamentação expendida na tomada de decisão do recurso hierárquico e sentença a quo que a manteve, refere-se que o impugnante nada declarou relativamente a despesas efectuadas com a aquisição do imóvel que veio a gerar o rendimento obtido com a venda de tal bem.
29- E que, pelo contrário, veio a declarar em 07.06.2001, na declaração de rectificação, que pretendia reinvestir a quantia de € 102.253,57.
30- Porém, tal asserção não é verdadeira, na medida em que na primeira declaração que fizera indicara tal valor como custo, e só depois de notificado para entregar a nova declaração substitutiva é que declarou a vontade de reinvestir tal montante.
31- Acresce que, a administração fiscal, para o cálculo das mais-valias na liquidação impugnada apenas atendeu ao patrimonial, que a matriz evidenciava, do prédio misto vendido.
32- Quando deveria, para dedução nos termos do n.º 3 do art. 46.º do CIRS, sido atendido ao seu valor real de aquisição, ou às despesas efectuadas para a obtenção desse proveito, uma vez que tal estava do provado.
33- Porém, o valor patrimonial (fiscal) do prédio era já, à data da liquidação, bastante superior ao que se fazia constar da matriz.
34- Com efeito, valor, este, que a administração tributária aceitou, tanto assim é que foi com base nele que a se fez liquidar o imposto de sisa.
35- É que, não pode a AT e a sentença revidenda, considerar o valor de um prédio como inferior quando desse valor depende o estabelecimento de um benefício para o contribuinte em sede de liquidação de um imposto sobre o rendimento e considerar um valor diferente para efeitos de liquidação de outro imposto (sisa) em que tanto maior é a receita quanto o valor atribuído aos imóveis vendidos.
36- Sendo a situação a mesma, não poderá a AT utilizar critérios valorativos diferentes só com vista à maximização de receitas, ao arrepio das mais elementares regras da justiça e boa-fé, que são sempre vinculativas da administração fiscal, as quais não foram igualmente devidamente aplicáveis pela sentença a quo.
37- Se aceitou um valor para efeitos de liquidação de sisa, também deverá atender-se a esse valor, porque já aceite pelo Fisco em sede de SISA, para efeitos de dedução em sede de IRS.
38- Assim, uma decisão contrária a este entendimento está forçosamente inquinada de inconstitucionalidade, por violação dos princípios contidos e decorrentes do art. 2.º da CRP (maxime princípio da segurança jurídica e a proibição de venire contra factum proprium).
39- [( Sem texto no original.
)] 40- Verifica-se, pois e também, que a administração tributária procedeu à emissão da liquidação em manifesto excesso da capacidade contributiva facto que a decisão a quo não sancionou, e por isso deverá ser revogada.
41- Aliás...
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