Acórdão nº 1683/19.3BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 13 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelANA CELESTE CARVALHO - relatora por vencimento
Data da Resolução13 de Fevereiro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: A.........

, devidamente identificado nos autos de ação de impugnação instaurada contra o Ministério da Administração Interna, Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida em 31/10/2009, pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que julgou a ação improcedente, relativa à impugnação da decisão da Diretora Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, de 21/08/2019, que considerou infundado o pedido de asilo e de proteção internacional, com base nos artigos 19.º, n.º 1, e) e 20.º, n.º 1 da Lei n.º 27/2008, de 30/06.

* Formula o Recorrente, nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem: “1ª – Perante o quadro apresentado pelo aqui recorrente, junto do SEF, afigura-se a este que reúne condições para beneficiar do estatuto de protecção internacional. Com efeito, 2ª – Ao contrário do que se sustenta na douta sentença recorrida, a factualidade invocada pelo recorrente é pertinente, merecendo, por tal facto, beneficiar da dúvida por forma a poder ser considerado refugiado ou pessoa elegível para protecção subsidiária, designadamente para efeitos de concessão de autorização de residência por razões humanitárias; 3ª – Por tudo isto a situação fáctica do recorrente, tal como este a descreve – e não há razões de ordem substancial que permitam concluir pela inveracidade das afirmações por si produzidas – tem o seu enquadramento normativo no Artº 7º da referida Lei nº 27/2008, de 30.06, segundo a qual é concedida autorização de residência por razões humanitárias aos estrangeiros e aos apátridas a quem não sejam aplicáveis as disposições do Artº 3º e que sejam impedidos ou se sintam impossibilitados de regressar ao país da sua nacionalidade ou da sua residência habitual, quer atendendo à sistemática violação dos direitos humanos, que aí se verifique, quer por correrem o risco de sofrer ofensa grave.

  1. – A douta sentença recorrida faz, no entender do recorrente, um errado enquadramento dos factos por si invocados sendo certo que estes têm o seu enquadramento normativo no citado Artº 7º, preceito este que, à semelhança do que acontece com o disposto nos Arts. 3º e 19º da referida Lei 27/2008, foram violados pela Mmª Juiz recorrida, por erro de interpretação e de aplicação.

  2. – Deve assim a douta sentença recorrida ser revogada, ordenando-se o início da instrução do procedimento administrativo tendo em vista a pretendida concessão de protecção internacional por parte do recorrente.”.

Pede a procedência do recurso com a consequente revogação da sentença recorrida, devendo ser concedida a proteção subsidiária.

* O Recorrido não contra-alegou o recurso, nada tendo dito ou requerido.

* O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

* O processo teve vistos da ora Juíza Desembargadora Relatora, pedidos na sua qualidade de 1.ª Juíza Adjunta, indo à Conferência para julgamento.

II.

DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir a questão colocada pelo Recorrente, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639º, n.º 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

A questão suscitada resume-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de erro de julgamento, por violação do artigo 7.º da Lei de Asilo, por o requerente ter direito a que lhe seja concedida autorização de residência por razões humanitárias, por correr o risco de sofrer ofensa grave.

III.

FUNDAMENTOS DE FACTO A sentença recorrida considerou assentes os seguintes factos: “1) O Autor, de nacionalidade angolana, em 25/07/2019, formulou pedido de protecção internacional junto das autoridades portuguesas – cfr. fls. 47 do PA junto aos autos; 2) Em 14/08/2019, o Autor prestou declarações no Gabinete de Asilo e Refugiados do SEF, nos termos do instrumento de fls. 54-62 do PA, que aqui se considera integralmente reproduzido e de cujo teor se extrai, designadamente, o seguinte: “(…) Pergunta (P). Relativamente a informação prestada compreendeu tudo? Resposta(R). Sim compreendi.

  1. Tem alguma questão que queira colocar relativamente ao procedimento? R. Não.

    Pergunta (P). Que língua(s) fala? Resposta (R). Falo português.

  2. Em que língua pretende efetuar esta entrevista? R. Em português P. Tem advogado? R. Não.

  3. Em Portugal é-lhe concedido apoio por uma Organização Não Governamental designada por Conselho Português para os Refugiados (CPR) durante todo o procedimento de proteção internacional. Autoriza que seja comunicado ao Conselho Português para os Refugiados, de acordo com o previsto no nº 3, do artigo 17º, da Lei nº 27/08 de 30.06, com as alterações introduzidas pela Lei nº 26/14 de 05.05, as suas declarações e as decisões que vierem a ser proferidas no seu processo? R. Sim, autorizo.

  4. Tem algum problema de saúde? R. Tenho de fazer tratamento de hemodiálise, tenho também problema de tensão alta.

  5. Neste momento, sente-se capaz e em condições de realizar esta entrevista? R. Sim.

  6. Esta primeira parte da entrevista serve para conhecermos melhor a sua pessoa, os seus antecedentes, a traçar o seu perfil. Pode falar sobre a sua pessoa, dando o máximo de detalhes sobre si.

  7. Eu nasci em Luanda, vivi em C……, troquei muitas vezes de bairros. Estudei no ramo da construção civil, sou técnico médio. Em 2011 trabalhei numa empresa de construção civil antes dos problemas que tive, estive lá até 2014. Nos últimos anos trabalhei como auxiliar de uma empresa de prestação de serviços, era auxiliar de finanças. A minha vida foi mais inclinada à igreja porque essa foi a educação familiar dos meus pais. Já trabalhei na rua, comecei a trabalhar muito cedo. Também, perdi os meus pais muito cedo. Em 2014 apareceu uma pessoa a fazer-me um convite para pertencer a uma seita religiosa mas a igreja teve problemas. O Estado mandou fechar porque a igreja não estava legalizada e diziam que a doutrina não era adequada. Houve um tumulto entre a polícia e a igreja e morreram algumas pessoas e começou a haver confusão.

  8. Onde estava a trabalhar antes de sair de Luanda? R. Estava a trabalhar em V…… numa empresa onde era Auxiliar de Finanças e que se chamava "A……".

  9. A sua vida profissional permitia-lhe ter rendimentos para viver? R. Eu vivia com algumas dificuldades mas vivia-se razoavelmente.

  10. Tem familiares a viver actualmente em Angola? R. Tenho a mulher e os filhos.

  11. Tem contacto com a sua família? R. Dificilmente, eles é que ligam para mim.

  12. Vamos agora falar sobre o percurso que fez desde que saiu do seu país até chegar a Portugal. Pode descrever todo o trajeto que efetuou, dando o máximo de detalhes.

    R: Sai no dia 28 de Novembro de 2018, num voo directo para Lisboa. No mesmo dia em Lisboa comprei um bilhete com destino à Holanda e no dia seguinte fui para lá.

  13. Porque é que foi para a Holanda? R. Porque o bilhete que apareceu mais acessível em termos de valores e com a data mais próxima, era para a Holanda.

  14. Porque é que não ficou em Portugal? R. Eu não tinha conhecimento que Portugal dava ajuda nos casos de asilo e porque Portugal tem uma proximidade com Angola, e não achei ser o país seguro para mim.

  15. Veio com visto da embaixada portuguesa, tentou pedir o visto noutra Angola? R. Não tentei ir a outras embaixadas, o visto para Portugal é mais fácil obter.

  16. O que se passou quando chegou a Holanda? R. Cheguei na Holanda no dia 29 pelas 21h/22h e dormi no aeroporto. No dia seguinte pedi informações como poderia ir para o centro da...

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