Acórdão nº 1391/17.0T9BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 10 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelAUSENDA GON
Data da Resolução10 de Fevereiro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I – Relatório 1. No processo supra identificado, a arguida M. C.

foi julgada e condenada, por decisão proferida e depositada em 8/10/2019, pela prática de um crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social, previsto e punido pelos artigos 6.º, n.º 1, 107.º, n.º 1 e 105.º, n.º 1 e n.º 4, todos do RGIT, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de cinco euros, perfazendo um total de € 500 (quinhentos euros).

A arguida foi ainda condenada a pagar ao “Instituto da Segurança Social, IP” a quantia de € 6111,85 (seis mil cento e onze euros e oitenta e cinco cêntimos), acrescida dos juros vencidos e dos juros vincendos sobre a dita quantia contados desde Março de 2012 até efectivo e integral pagamento por cada mês de calendário ou fracção, à taxa prevista para as obrigações devidas ao Estado (regime aprovado pelo DL n.º 73/99, de 16-03, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 3-B/2010, de 28-04, pela Lei n.º 55-A/2010, de 31-12 e pelo DL n.º 32/2012, de 12-02).

  1. Inconformada com a referida decisão, a arguida interpôs recurso formulando na sua motivação as seguintes conclusões: «1.ª Os factos por que a Recorrente foi condenada ocorreram, no dizer da sentença recorrida, entre Março a Outubro de 2012.

    1. A Recorrida foi constituída arguida em 24 de Abril de 2018, ou seja 5 anos, 6 meses e 22 dias após a última (alegada e provada) ocorrência.

    2. Contra elementos de prova com força probatória plena, a Recorrente pôde ser constituída arguida porque a conduta ilícita que lhe era imputada teria ocorrido não até Outubro de 2012, mas até Julho de 2014.

    3. O procedimento criminal estava assim prescrito quando a Recorrente foi constituída arguida (em 24/4/2018), por força do disposto nos art.ºs 107.º, 1 e 105.º, 1 e 4 do RGIT e do art.º 118.º, 1, al. c) do CPP.

    4. Também quando a recorrente foi constituída arguida, a dívida em causa também estava prescrita, nos termos do art.º 272.º, do Código Contributivo.

    5. Destas prescrições não se apercebeu o Tribunal Recorrido, facto que este Tribunal de recurso deverá levar em conta, absolvendo a Recorrente, e revogando as condenações penal e cível.

    6. O facto do ponto 2.1.3 deve ser corrigido de modo a que fique claro que, segundo o registo, ela foi gerente até 2 de Outubro de 2012, não sendo responsável pelas contribuições que venceram em 20 de Outubro desse ano, mas apenas pelas que se venceram até 20 de Setembro de 2012, como decorre da certidão do registo da sociedade.

    7. Tendo-se em conta a prova produzida em julgamento, associada à natureza da gerência da sociedade, não há qualquer prova nos autos dos factos descritos sob os pontos 2.1.3, 2.1.4, 2.1.5, 2.1.6, 2.1.7, 2.1.8, 2.1.10, 2.1.11, 2.1.12, e 2.1.13.

      O Tribunal só poderá ter julgado provados esses factos por convicção.

      A convicção é uma realidade subjectivo-psíquica, por isso impossível de sindicar.

      O resultado probatório terá de ser comunitariamente partilhável... O solipsismo não o é...

    8. Por absoluta falta de prova – desde logo porque a Recorrente não podia agir sozinha como foi julgado provado – devem ser eliminados da sentença os factores dos 2.1.3 a 2.1.8 e 2.1.10 a 2.1.13 da fundamentação de facto da sentença (foi assim violado o disposto no art.º 410.º, 2, c) do CPP).

    9. O Tribunal não se pronunciou sobre os factos e o direito invocados nos artigos 5 a 17; 21 a 29; 31 e 46 a 87 da contestação, violando assim o disposto no art.º 379.º, 1, c) do CPP.

      Por não ter observado devidamente as normas invocadas nestas conclusões, a sentença recorrida deverá ser revogada.» 3. O Ministério Público apresentou em 1ª instância resposta à motivação, defendendo que a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que absolva a arguida, na medida em que quando a mesma foi constituída arguida já se encontrava prescrito o procedimento criminal, e que as demais questões suscitadas no recurso devem improceder.

      Neste Tribunal, a Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta emitiu minucioso e muito bem fundamentado parecer, sustentando o acerto da decisão recorrida quanto aos vários aspectos versados no recurso, nomeadamente o respeitante à prescrição do procedimento criminal, que diz não se verificar.

  2. Cumprido o art. 417º, n.º 2, do CPP, a arguida respondeu ao parecer, iterando a prescrição do procedimento criminal.

  3. Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, nos termos do art. 419º, n.º 3, al. c), do CPP.

    *II – Fundamentação Na medida em que o âmbito dos recursos se delimita pelas respectivas conclusões (arts. 412º, n.º 1, do CPP), sem prejuízo das questões que importe conhecer oficiosamente, por obstarem à apreciação do seu mérito, suscitam-se neste recurso as seguintes questões: (i) nulidade da sentença por omissão de pronúncia [art. 379º, al. c) do CPP]; (ii) impugnação da matéria de facto; (iii) extinção por prescrição do procedimento criminal e do crédito em causa.

    Importa apreciar tais questões e decidir. Para tanto, deve considerar-se como pertinente ao conhecimento do objecto do recurso a decisão recorrida sobre a matéria de facto que a seguir se transcreve e respectiva motivação.

    Factos provados: «2.1.1. A sociedade M. C. & R., Lda. – Em Liquidação é uma sociedade comercial por quotas, com NIPC …, matriculada na Conservatória de Registo Comercial de … e registada na Segurança Social desde 04/01/2007; 2.1.2. Desde a data da sua constituição a aludida sociedade dedica-se à indústria de importação e exportação, comércio e produção de artigos têxteis e afins; 2.1.3. A arguida M. C. foi, desde a constituição da sociedade até pelo menos Julho de 2014, gerente da sociedade M. C. & R., Lda. – Em Liquidação, tomando todas as decisões relativas ao seu normal exercício, incluindo as concernentes à contratação de trabalhadores, pagamento de salários, retenção sobre os mesmos das quotizações devidas à Segurança Social e ao posterior envio dos respectivos meios de pagamento; 2.1.4. No âmbito da sua actividade, a sociedade empregava diversos trabalhadores que prestavam os seus serviços sob as suas ordens e direcção, por intermédio da arguida e a que eram pagas mensalmente as competentes remunerações, depois de descontada e retida a percentagem relativa às contribuições à Segurança Social; 2.1.5. A sociedade igualmente pagava aos respectivos administradores as devidas remunerações, descontando e retendo sobre as mesmas a percentagem relativa às contribuições devidas à Segurança Social; 2.1.6. No período compreendido entre Março de 2012 a Outubro de 2012, a arguida deduziu às remunerações pagas pela sociedade, às referidas taxas de 9,3% e 11% a parte das contribuições devidas pelos trabalhadores da referida sociedade, no valor global de € 6.111,85 (seis mil seiscentos e onze euros e oitenta e cinco cêntimos); 2.1.7. Porém, em execução daquele seu propósito e com o intuito de utilizar as disponibilidades financeiras obtidas com tal omissão, a arguida decidiu não remeter e não remeteu, nem fez remeter tais montantes mensalmente descontados, à Segurança Social, nem entre os dias 10 e 20 do mês seguinte a que respeitam, nem nos 90 dias seguintes; 2.1.8. Assim agindo, logrou a arguida apropriar-se do montante global de € 6.111,85, fazendo da sociedade as referidas quantias, utilizando-as em proveito daquela sociedade, não obstante saber que as quantias deduzias das remunerações dos trabalhadores não lhe pertenciam e das mesmas não podiam dispor, mais sabendo que devia entregá-las à Segurança Social no prazo legal imposto; 2.1.9. Notificada nos termos e para os efeitos do artigo 105.º, nº 4, alínea b) do RGIT, em 20/08/2017, não regularizou os montantes correspondentes às prestações devidas; 2.1.10. A arguida, após não ter entregue pela primeira vez os montantes destinados à Segurança Social que havia deduzido nas referidas remunerações, resolveu praticar o mesmo tipo de conduta ao logo dos meses/anos seguintes, agindo enquanto legal representante da sociedade; 2.1.11. Agiu, durante o lapso de tempo referenciado, reiterando sucessivamente os mesmos propósitos, cometendo de forma homogénea os repetidos actos criminosos, actuando com base numa suposta situação de impunidade por falta de fiscalização da omissão das obrigações fiscais, por não lhe ser exigido, de imediato, o pagamento das quantias devidas e servindo-se dos mesmos métodos que sucessiva e repetidamente se foram revelando aptos para atingir os seus fins; 2.1.12. Agiu a arguida com o propósito deliberado, e que concretizou, de deduzir as mencionadas quantias e de as não entregar à Segurança Social, e de reverter e despender em benefício da sociedade, sua representada, as quantias deduzidas, assim enriquecendo, desde logo, o património da sociedade em, igual montante e prejudicando a Segurança Social em valor equivalente; 2.1.13. A arguida sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal e tinha capacidade de se determinar de acordo com esse conhecimento.

    Condição económico-social da arguida, antecedentes criminais e outros factos relevantes 2.1.14. A arguida é actualmente gerente da sociedade X Portugal, Unipessoal, Lda de que é única sócia; 2.1.15. Aufere mensalmente a quantia de € 600; 2.1.16. É divorciada; 2.1.17. Não tem casa própria; 2.1.18. Conduz o carro da empresa de que é sócia e gerente, um Ford Courier; 2.1.19. A arguida não tem antecedentes criminais; 2.1.20. À data dos factos descritos na acusação a sociedade M. C. & R. passava por dificuldades económicas.

    Factos não provados: 2.2.1. Que a arguida tenha actuado da forma descrita na acusação em relação aos meses de Novembro de 2012 a Julho de 2014.».

    Fundamentação da matéria de facto: O tribunal teve em consideração declarações da arguida e os depoimentos das testemunhas, bem como os documentos juntos aos autos, que analisou criticamente, nos termos que se seguem.

    A arguida prestou declarações alegando que abandonou a...

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