Acórdão nº 41/18.1PEVIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 19 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelELISA SALES
Data da Resolução19 de Fevereiro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I - RELATÓRIO No processo comum n.º 41/18.1PEVIS supra identificado, após a realização da audiência de julgamento, foi proferido acórdão que decidiu, para além do mais: - Condenar o arguido A.

pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21º, n.º 1, do DL n.º 15/93, de 22/1, com referência às Tabelas I-A e I-B anexas a este diploma, na pena de 5 (cinco) anos e 3 (três) meses de prisão; - Declarar perdidos a favor do Estado os seguintes objectos e valor monetário apreendidos: 1 (uma) mochila de cor preta com as inscrições ESATPAK; 1 (uma) carteira de cor preta; 6 (seis) cartões de Vodafone intactos; 1 (um) suporte de cartão SIM da Vodafone; 1 (uma) carteira cavalinho, tipo porta-moedas de cor preta; 1 (um) veículo automóvel ligeiro de passageiros do ano de 2017, de matrícula (...) ; e – 7 (sete) telemóveis.

*** O arguido não se conformou com a decisão proferida em 1ª instância, e dela interpôs o presente recurso, tendo extraído da motivação as seguintes conclusões: (…).

II- Fundamentação Insuficiente para a perda do Veículo Automóvel (…) com a matrícula (…) W) A douta decisão determinou a perda do veículo automóvel (…) com a matrícula (…) a favor do Estado.

  1. Ora, salvo o sempre devido respeito, tal decisão carece de fundamentação e acervo fáctico suficiente para determinar a perda a favor do estado do referido veículo automóvel.

  2. Se é verdade que o artigo 35º do Dec. Lei 15/93 seja diferente do artigo 109º do CP quanto à perda a favor do Estado, também é verdade que a Jurisprudência tem vindo a assumir uma posição de que a declaração de perdimento a favor do Estado não é de aplicação automática por estarem em causa direitos constitucionalmente protegidos, como o da propriedade privada e o direito da igualdade, proporcionalidade e adequação.

  3. O que está em causa é determinar a essencialidade do veículo para a actividade do arguido e dentro desse quadro se o perdimento a favor do Estado é proporcional e adequado ou não.

AA) Não se estabeleceu um nexo instrumental essencial entre a utilização da viatura e o tráfico, não se demonstrou, de forma insofismável, a essencialidade do uso do veículo na actividade ilícita.

BB) O crime de que o arguido foi condenado tem uma índole de âmbito local e citadino, circunscrita à cidade de X (...) , ou seja, CC) O arguido poderia ter desenvolvido a sua actividade independentemente do uso de qualquer veículo automóvel, nomeadamente a pé ou transporte público.

DD) Aliás, mesmo quando tinha que se deslocar ao (...) para se fornecer de produto estupefaciente, não se demonstrou a sua essencialidade pois também aqui o arguido poderia ir buscar droga ao (...) , como fez, por intermédio de boleias.

EE) Há também desproporcionalidade entre o valor comercial do tráfico, que é mínimo, e o valor comercial da viatura (22.199.00€ - ponto 15), desproporcionalmente maior.

FF) De igual modo o facto do veículo automóvel ter sido adquirido em 27 de Agosto de 2018 e apreendido em 18 de Setembro de 2018, ou seja, o veículo só circulou cerca de três semanas, não podendo, pois, atento o curto período de tempo que esteve em circulação, ser considerado instrumento de trabalho.

GG) O veículo automóvel (…) é um veículo de gama média baixa, que o arguido adquiriu a 27 de Agosto de 2018, recorrendo ao crédito automóvel – conforme documentos que se encontram nos autos e que se encontravam no interior do veículo - e que se destinava a ser utilizado essencialmente para uso pessoal e familiar.

HH) O veículo só esteve em circulação cerca de três semanas, tendo sido apreendido em 18 de Setembro de 2018.

II) O veículo automóvel foi adquirido com recurso ao crédito automóvel, tendo a primeira prestação sido paga já com o arguido a cumprir prisão preventiva.

JJ) Tem cumprido com o plano de pagamento das prestações, estando ainda em dívida dezenas de prestações até que o crédito se encontre totalmente amortizado.

KK) Não foi, pois, tal veículo adquirido com os proventos da venda de estupefacientes.

LL) O perdimento do veículo a favor do Estado lesa gravemente, e sem qualquer fundamento consubstanciado, a propriedade privada constitucionalmente protegida do ora recorrente.

MM) Daí a manifesta desproporcionalidade, nos presentes autos, da declaração de perdimento do veículo (…) a favor do Estado por violar, de forma manifesta e notória os direitos constitucionalmente protegidos da propriedade privada e do direito da igualdade, proporcionalidade e adequação.

NN) Violou, assim decisão recorrida, o artigo 410, nº 2 a), 35º do Dec. Lei 15/93 e os artigos 18º nº 2 e 62º da CRP., devendo ser declarada nula a decisão recorrida na parte em que determinou o perdimento do referido veículo automóvel a favor do Estado, e consequentemente, restituído ao ora recorrente o veículo automóvel (…).

III- Medida da Pena (…).

***A Magistrada do Ministério Público, junto do tribunal recorrido, defendeu a improcedência do recurso, tendo rematado a sua resposta nos seguintes termos: (…).

  1. É de manter a declaração de perda a favor do Estado do veículo (…), de matrícula (…), propriedade do arguido recorrente e por ele utilizado, de modo relevante, na actividade de tráfico.” Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto, acompanhando a resposta do Ministério Público na 1ª instância, emitiu parecer no mesmo sentido, ou seja, da confirmação do acórdão recorrido.

    Cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 417º do CPP, o arguido não respondeu.

    Os autos tiveram os vistos legais.

    *** II- FUNDAMENTAÇÃO Consta do acórdão recorrido (por transcrição): “FACTOS PROVADOS: Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos constantes da pronúncia ou alegados em audiência: 1.

    O arguido A., pelo menos desde Maio de 2018, que se vem dedicando à compra e venda de produtos estupefacientes, nomeadamente heroína e cocaína.

  2. O arguido deslocava-se regularmente ao (...) , onde adquiria droga – heroína e cocaína ao preço de 5,00 euros a dose - que depois vendia a vários consumidores na zona de X (...) ao preço de 10,00 euros a dose.

  3. Na sua actividade de tráfico (compra e venda de produtos estupefacientes) o arguido utilizava inicialmente o veículo automóvel de marca (…), de cor cinzenta, e posteriormente passou a usar o veículo automóvel de marca (…) de cor branca, com a matrícula (…).

  4. O arguido deslocou-se à zona do (...) , no veículo automóvel de matricula (…), ao mesmo pertencente, por quatro (4) vezes, no período compreendido entre os dias 28 e 31 de Agosto de 2018, e por oito (8) vezes, na primeira quinzena de Setembro, sendo a última no dia 18/9/2018, data em que foi detido.

  5. No dia 18 de Setembro de 2018, cerca das 10:45 horas, quando a brigada da PSP circulava na Rotunda de (…), verificou que o referido veículo (…) se encontrava parado, no sentido Rotunda de (…), em frente a uma casa abandonada, sita na Rua (…), residência esta conhecida por ali pernoitarem indivíduos consumidores de estupefacientes.

  6. Nesse momento, foi também avistado o individuo (…) a contactar o condutor da dita viatura, supostamente para lhe adquirir estupefaciente, uma vez que o (…) é um individuo conhecido por ser toxicodependente.

  7. Face a tal, e porque se afigurava provável que o condutor do veículo, o arguido, fosse efectuar mais entregas de produto estupefaciente, foi efectuado um seguimento àquela viatura, tendo-se verificado que o mesmo se dirigiu para junto do local onde a (…), pessoa conhecida como consumidora de drogas, habitualmente se dedica à prostituição.

  8. Assim, cerca das 10:50 horas, na Rotunda que dá acesso à Biblioteca Municipal, os agentes da PSP verificaram que o veículo (…) passou junto à (…) e parou nesse local, tendo ela entrado na viatura.

  9. Seguiram, então, mais uns metros e estacionaram a viatura do lado contrário da rua.

  10. Perante este comportamento, os agentes da PSP abordaram a viatura em causa, encontrando-se no seu interior o arguido (condutor) e a (…), tendo esta já entregue ao arguido a quantia de 10 euros, para pagamento de uma dose de cocaína.

  11. Nessa altura os agentes da PSP verificaram ainda que o arguido tinha na sua posse seis (6) doses de um produto que pelo aspecto se supôs ser heroína, e catorze (14) “pedras” de um produto que pelo seu aspecto se supôs ser cocaína, pelo que foram ambos transportados ao Departamento da PSP de X (...) .

  12. E já nas instalações da PSP foi efectuada uma revista mais minuciosa ao arguido, tendo-lhe sido encontrada, junto aos testículos, uma bolsa de cor preta que continha no seu interior: setenta (70) “pedras” de um produto que se supôs ser cocaína e noventa e duas (92) embalagens em plástico contendo um produto que se supos ser heroína, como veio a confirmar-se através dos respectivos testes rápidos.

  13. Todos os produtos encontrados foram submetidos a teste rápido e pesados em balança electrónica da PSP e acusaram os seguintes pesos: - as 6 doses, encontradas na mão do arguido, reagiram positivamente à heroína, com o peso de 0,90 gramas; - as 14 “pedras”, que também se encontravam na mão do arguido, reagiram positivamente à cocaína, com o peso de 0,96 gramas; - as 70 embalagens em plástico que estavam no interior de uma bolsa preta, reagiram positivamente à de heroína, com o peso de 16,12 gramas; - as 92 “pedras” que estavam no interior de uma bolsa preta, reagiram positivamente à cocaína, com o peso de 15,45 gramas; 14.

    Foi ainda apreendido ao arguido: - a quantia de 970,00 € (novecentos e setenta euros) em notas; - três telemóveis, de marca Huaiwei, Konrow e Wiko; - uma carteira de cor preta, de marca/modelo Cavalinho; - um veículo automóvel de marca (…), com a matrícula (…).

  14. Efectuada busca à viatura em causa verificou-se que se encontrava no seu o contrato de compra e venda daquele veículo, constando neste o valor de 22.199,00 €.

  15. O dinheiro foi apreendido por ser proveniente da actividade de tráfico a que o arguido se vinha...

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