Acórdão nº 119/19.4PTPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 12 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelMARIA JOANA GRÁCIO
Data da Resolução12 de Fevereiro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. n.º 119/19.4PTPRT.P1 Processo de Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo Local de Pequena Criminalidade do Porto - Juiz 3 Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto I. RelatórioNo âmbito do Processo Sumário n.º 119/19.4PTPRT, a correr termos no Juízo Local de Pequena Criminalidade do Porto, Juiz 3, por sentença de 08-04-2019 foi decidido condenar o arguido B… como autor material de um crime de condução de veículo automóvel sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3.º, nºs 1 e 2, do DL 22/98, de 03-01, na pena de 13 (treze) meses de prisão.

*Inconformado, o arguido interpôs recurso, solicitando a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que determine a suspensão da execução da pena de 13 (treze) meses de prisão aplicada, por igual período e com sujeição a regime de prova, ou, assim não se entendendo, pelo cumprimento da pena em regime de permanência na habitação, mostrando-se o recorrente em vias de regularizar a problemática da falta de fornecimento de energia eléctrica.

Apresenta em apoio da sua posição as seguintes conclusões da sua motivação (transcrição): «I.

O arguido ora recorrente foi condenado na pena de 13 meses de prisão mostrando-se, por conseguinte preenchido o pressuposto formal para a aplicação de pena de substituição.

II.

Resta a verificação do pressuposto material.

III.

Analisadas todas as circunstâncias deste processo, resulta óbvio para o recorrente que a execução da pena de prisão não é, de modo algum, necessária «para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias».

IV.

Em nossa opinião, temos de convir que o argumento para a não aplicação do instituto da suspensão da pena de prisão ao arguido é manifestamente insuficiente para a fundamentação de tal decisão.

V.

Com efeito, os fundamentos para a não aplicação de tal instituto não se esgotam, nem podem esgotar no simples facto de o arguido já ter sido alvo de condenações anteriores, pois o facto de existir uma condenação anterior não pode ter como efeito automático o impedimento de uma nova suspensão.

VI.

Pois ninguém pode assegurar que um arguido a quem é aplicado o instituto da suspensão da execução da pena de prisão não venha, de futuro, e mesmo no decorrer do período da suspensão, a cometer um novo crime.

VII.

E nada consta no processo que possa infirmar o raciocínio, no sentido do arguido apresentar uma personalidade ainda recuperável.

VIII.

Claramente o Tribunal a quo atribuiu à pena aplicada ao recorrente um efeito de repressão e de castigo.

IX.

Embora se reconheça estarmos perante um caso limite, cremos, que o Tribunal a quo ainda podia fazer um juízo de prognose favorável, assente na expectativa razoável de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão, acompanhadas do regime de prova, deveres e regras de conduta impostas, realizariam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, funcionando a condenação como uma advertência (séria) para evitar a prática de futuros crimes, assim se conferindo e reconhecendo à pena de substituição o seu conteúdo reeducativo e pedagógico.

X.

Nessa medida, entendemos que ainda é possível formular um juízo de prognose favorável, tanto que se revelaria mais eficaz neste caso concreto de um arguido já com alguma idade que não tira a carta de condução porque simplesmente não consegue.

XI.

Apresenta limitações graves pois que é praticamente analfabeto encontrando-se neste momento a frequentar a escola com empenho e com bons resultados.

XII.

É precisamente tendo em vista a ideia de prevenção especial (finalidade de socialização) que se justifica a escolha de uma pena de substituição, a qual se mostraria suficiente não só para evitar que o recorrente reincida (dissuadir o agente da prática de novos crimes), como também para satisfazer aquele limiar mínimo da prevenção geral da defesa do ordenamento jurídico.

XIII.

A verdade é que condenação na pena de 13 meses de prisão efetiva terá mais de prejudicial do que terá de vantajoso pois não irá tratar o problema de fundo existente neste tipo de criminalidade.

XIV.

Entendemos, assim, que existe uma prognose social favorável ao arguido em termos que permitem suspender-lhe a execução da pena de prisão em que foi condenado.

XV.

Por isso, conclui-se que a aplicação de uma pena de substituição (que não deve ser confundida com uma pena de clemência) sendo a mesma subordinada a regime de prova, enquanto verdadeira pena autónoma, revelar-se-ia suficiente e adequada à realização das finalidades da punição, sendo, assim, possível alcançar a almejada ressocialização do arguido em liberdade.

XVI.

Pelo que entende o recorrente, por conseguinte, que a sentença recorrida deverá ser revogada no segmento decisório respeitante à pena efectiva de 13 meses de prisão, devendo a mesma ser suspensa na sua execução, por igual período de tempo e sujeita a regime de prova, assim se respeitando as normas dos artigos 70.º, 71.º, n.º 1, 50, n.º 1 e 53.º, n.3, todos dos Código Penal.

XVII.

Mas ainda que V.Exas assim não entendam sempre será de ponderar a possibilidade de cumprimento de tal pena em regime de permanência na habitação mostrando-se o recorrente em vias de regularizar a problemática da falta de fornecimento de energia elétrica.

Princípios e disposições legais violadas ou incorretamente aplicadas: Artigos 18.ºda Constituição da República Portuguesa; Artigos 40.º, 43.º, 50.º, 52.º, 53.º, 54.º, 70.º, 71.º, 72.º, 73.º e 77.ºdo Código Penal; Nestes termos e nos mais de direito, que V. Exas. Doutamente melhor suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via disso, ser alterada a, aliás, Douta decisão recorrida, substituindo-a por outra que contemple as conclusões atrás aduzidas, tudo com as legais consequências.

Decidindo deste modo, farão V. Exas., aliás como sempre um ato de INTEIRA E SÃ JUSTIÇA.

»*O Ministério Público junto do Tribunal recorrido respondeu ao recurso, considerando que o mesmo não merece provimento, pois a pena de prisão é a única que assegura as exigências de prevenção que o caso merece e a reintegração do arguido na sociedade.

*Neste Tribunal da Relação do Porto, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer onde acompanhou em termos genéricos a posição do Ministério Público na resposta ao recurso quanto à pretensão do recorrente de ver a pena de prisão aplicada suspensa na sua execução, com sujeição a regime de prova.

Porém, quanto ao pedido subsidiário de cumprimento da pena em regime de permanência na habitação, considerou que o recurso merecia provimento, argumentando nesse sentido: «É que todos os comportamentos conhecidos ao arguido são subsumíveis ao crime de condução de automóveis sem habilitação legal e esta situação tem-se vindo a repetir porque o arguido não tem sido capaz de obter a respetiva carta devido à sua falta de competências ao nível da escolaridade.

Ora, a douta sentença deu como provado o arguido frequenta, desde Outubro de 2018, um curso de alfabetização - com a duração de 400 horas e aulas diárias das 09,00 às 13,00 e das 18,00 às 21,30h –, que “é referenciado como um aluno responsável, assíduo, muito motivado para a aprendizagem e um elemento importante para a interação com os outros alunos e professores” bem como que o mesmo “já apresenta alguns conhecimentos de leitura”.

E, como melhor se pode alcançar da douta sentença, este parece ser um facto novo na vida do arguido, que até agora não se mostrava motivado para o ensino sendo certo que, como já se registou, é a sua falta de competências neste domínio que o tem impedido de obter a licença de condução.

Pelo exposto e em conclusão, embora se compreenda a posição assumida nas doutas sentença e resposta referidas, parece-nos que se justifica a ponderação da execução da pena em regime de permanência na residência, até porque este não é incompatível com a frequência do curso de alfabetização e pode ser condicionado à obrigação de inscrição e frequência em aulas de condução de veículos automóveis.

Mais do que isso, esta é a opção que – in casu – nos parece satisfazer, de forma mais eficaz e adequada, os fins das penas.

Aliás, o Mmº Juíz a quo apenas afastou (liminarmente) este regime por a residência do arguido não dispor de fornecimento (legal) de energia elétrica, problema que o arguido, de acordo com o exposto nas suas motivações, se encontra “em vias “de regularização.»*É do seguinte teor o elenco dos factos provados e não provados e fundamentação da escolha e determinação da medida concreta da pena constantes da decisão recorrida (transcrição): «II – Fundamentação: De Facto: Discutida a causa, mostram-se provados, com interesse, os seguintes fades:

  1. No dia 18 de Março de 2019, pelas 11H00M, na Estrada Nacional, ao Km ..,no Porto, o arguido conduzia o veículo automóvel de marca Ford, modelo …, matrícula .. - .. - ET, sem ser titular de carta de condução; B) O arguido actuou de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito de conduzir o veículo na respectiva via pública, como fez, apesar de saber que não o podia fazer sem para tal estar habilitado; C) O arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei; D) O arguido nasceu no dia 26/12/1976, em Serpa. É oriundo de urna família de etina cigana tendo o seu processo de desenvolvimento decorrido em ambiente socioeconómico desfavorecido. Nesse contexto, o seu curto percurso escolar não lhe permitiu adquirir qualquer nível de escolarização, não lendo adquirido conhecimentos de escrita nem de leitura. Colaborou desde criança com os progenitores na criação e venda de burros em feiras e na e execução de trabalhos agrícolas. Aos 18 anos de idade, constituiu agregado próprio tendo passado a viver com uma jovem de etnia cigana. Desta união tem seis filhos de 6, 9, 14, 17, 19 e 22 anos de idade. Foi beneficiário do rendimento social de inserção de 09/10/2003 a 31/02/2012. Nesse período, no ano de 2006...

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