Acórdão nº 566/18.9PWLSB.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 13 de Fevereiro de 2020
Magistrado Responsável | CRISTINA BRANCO |
Data da Resolução | 13 de Fevereiro de 2020 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Decisão Texto Parcial:
Acordam, em conferência, na 9.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa I. Relatório 1. No âmbito do Processo Sumário com o n.º 566/18.9PWLSB, o Ministério Público deduziu acusação contra o arguido AA, melhor identificado nos autos, imputando-lhe a prática de um crime de introdução em lugar vedado ao público, p. e p. pelo art. 191.º do Código Penal.
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Remetidos os autos à distribuição para julgamento, pela Senhora Juiz do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local de Pequena Criminalidade de Lisboa – Juiz 5, foi proferido despacho de rejeição da acusação por falta de legitimidade do Ministério Público para exercer a acção penal.
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A denunciante, Massa Insolvente da Sociedade de Renovação Urbana do Campo Pequeno, não se conformando com tal decisão, interpôs o presente recurso, que termina com as seguintes conclusões (transcrição): «1. A decisão em crise decidiu sobre factos e segundo interpretação jurídica das quais as partes não tiveram qualquer possibilidade de dar a sua opinião e colaboração para uma boa decisão de mérito.
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É uma decisão surpresa e como tal proibida pelo direito, nomeadamente pelo artigo 20 da Constituição e Artigo 3, n. 3 do CPC, ex vi artigo 4 do CPP, implicando a nulidade da decisão.
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No caso concreto a norma incriminadora eventualmente aplicável à acção penalmente relevante do arguido (artigo 191 do CP (introdução em lugar vedado ao público)) tutela os interesses do titular do espaço comercial vedado e que não é livremente acessível ao público e no qual o arguido entrou e tentou permanecer contra a sua vontade, de modo ilícito e culposo.
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Após a declaração de insolvência, a empresa que outrora pertenceu à sociedade declarada insolvente mantem-se em actividade e é a Massa Insolvente que a explora com exclusão de qualquer outra pessoa.
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Esse titular é a Massa Insolvente queixosa, aqui recorrente, com exclusão de qualquer outra pessoa.
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Por tudo isto, a massa insolvente de sociedade comercial, representada pelo administrador da insolvência, tem legitimidade para apresentar queixa no âmbito de processo penal, em especial em verificar-mos que no caso concreto a queixa diz respeito a factos ocorridos após a declaração de insolvência e que afectam a própria Massa e que os administradores da sociedade insolvente renunciaram todos eles à administração, nem tendo estes – em qualquer caso – qualquer interesse em apresentar e prosseguir a acção penal. Este é a interpretação correcta do Ordenamento Jurídico Português nomeadamente dos artigos 81 e segts do CIRE com as que resultam dos artigos 113 e segts do CP.
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Outra interpretação seria “despenalizar” de facto um conjunto amplo de situações (todos os casos em que a vítima fosse uma Massa Insolvente), o que nunca poderia ser o desejo de um legislador que consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
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Nestes termos é nossa firme convicção que o Tribunal a quo fez uma má aplicação das regras de direito penal e processual penal e da conjugação dos mesmos com as regras da Constituição, do Código Civil e do CIRE, nomeadamente do artigo 20 da Constituição e do Artigo 3, n. 3 do CPC, ex vi artigo 4 do CPP e dos artigos 81 e segts do CIRE e artigos 191 e 113 e segts do CP Termos em que: Deve o presente recurso ser julgado procedente e a decisão recorrida impugnada revogada e substituída por douto acórdão deste Venerando Tribunal da Relação de Lisboa que ordene a continuação do processo para julgamento.
Mas V.Exªs, Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa, melhor decidirão fazendo a necessária justiça, como é o Estilo deste Tribunal.» 4. O recurso foi admitido, por despacho de fls. 70 dos autos.
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Na sua resposta, o Ministério Público junto do Tribunal recorrido pronunciou-se pela improcedência do recurso 6. Também o arguido apresentou resposta ao recurso, na qual conclui (transcrição): «1.° A Recorrente vem arguir a nulidade do Douto despacho recorrido, alegando que o mesmo viola o “Princípio da proibição das decisões surpresas.”.
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O Douto despacho recorrido e a decisão aí constante não violam qualquer princípio processual de direito, uma vez que dá pleno cumprimento às formalidades previstas nos artigos 311.°, 312.° e 391.°-C do Código de Processo Penal.
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Não se encontra legalmente prevista qualquer possibilidade do Queixoso em intervir nos autos no Saneamento do processo, nos termos legais supra indicados.
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O Recurso interposto carece assim de fundamento legal, pelo que deverá ser considerado improcedente na arguição de nulidade da decisão recorrida.
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A Recorrente argui que a decisão recorrida procede a uma errada interpretação e aplicação da lei processual, ao determinar que o Administrador de Insolvência não tem legitimidade para apresentar a queixa-crime que deu origem aos presentes autos, em virtude de serem apreciados direitos de personalidade da sociedade insolvente.
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Entende a Recorrente que a Administradora de Insolvência da Recorrente assume a representação da mesma para todos os efeitos que interessem à insolvência.
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Entente também a Recorrente que a Administradora de Insolvência representa a sociedade insolvente no que diz respeito aos poderes de administração e disposição dos bens integrantes da massa insolvente.
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Salvo melhor entendimento, a Recorrente arguiu posições incompatíveis em Direito, por contraditórias.
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A Administradora de Insolvência da Recorrente não poderá ter as suas capacidades de representação da sociedade insolvente limitadas aos exercício dos poderes de administração e disposição de bens, ou seja aos direitos patrimoniais e, ao mesmo tempo, exercer poderes correspondentes aos direitos de personalidade da sociedade insolvente.
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Esteve bem o Douto despacho recorrido ao determinar que os direitos de personalidade da sociedade insolvente são exercidos pelos representantes designados por lei, estatutos ou pacto social, cabendo a estes a capacidade judiciária de apresentação da queixa-crime que deu origem aos presentes autos.
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A interpretação das disposições legais aplicáveis à situação em apreço nos presentes autos, que resulta do Douto despacho recorrido acolhe amplo reflexo e defesa na Jurisprudência dos Tribunais Superiores Portugueses.
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Salvo melhor entendimento, o Recurso interposto carece...
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