Acórdão nº 60/16.2GEBNV.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 04 de Fevereiro de 2020
Magistrado Responsável | LAURA MAUR |
Data da Resolução | 04 de Fevereiro de 2020 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora Relatório No Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, Juízo Local Criminal de Benavente - Juiz 1, no âmbito dos autos com o NUIPC nº60/16.2GEBNV foi o arguido HH submetido a julgamento em Processo Comum e Tribunal Singular.
Após realização de audiência de discussão e julgamento, o Tribunal, em 8 de julho de 2019, decidiu: - Absolver o arguido HH da prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo art. 204º, nº2, alínea a), com referência aos arts. 203º, nº1 e 202º, alínea b), todos do Código Penal.
- Absolver o demandado HH do pedido de indemnização civil deduzido pelo demandante AA.
- Condenar o demandante AA no pagamento das custas civis, fixando a taxa de justiça no limite mínimo (artigos 527º do Código de Processo Civil e 6º, nº1 do Regulamento das Custas Processuais).
* Inconformado com a decisão, o assistente AA interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões: I. Prevalecendo-se dos princípios da livre apreciação da prova, da presunção de inocência e in dubio pro reo, decidiu a Mmª Juiz julgar improcedente a acusação que o MP deduziu contra o arguido e absolve-lo da prática do impetrado crime de furto e do pedido cível formulado pelo assistente, tendo para o efeito decidido a matéria de facto ao completo arrepio de todos os instrumentos probatórios ao seu alcance.
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Sem menosprezo dos louváveis e respeitáveis princípios invocados, e ainda com todo o respeito por outras opiniões, não é possível uma decisão judicial, seja ela absolutória ou condenatória, de natureza civil ou criminal, fundar-se numa tal liberdade de decidir a matéria de facto que extermine por completo a prova recolhida, quer ao longo da instrução do processo quer aquela que foi produzida em audiência de julgamento; mas foi isso que aconteceu na decisão que ora se contesta.
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Desde logo, a decisão sobre os factos não provados contraria todas as declarações prestadas pelo arguido e depoimentos irrepreensivelmente unanimes das testemunhas de acusação.
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É o caso do primeiro ponto de facto que se considera incorretamente julgado e que antecedentemente se refere: Factos não provados: Que LG, AG, MF e AC foram contratados pelo arguido ...
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Como é possível considerar não provado que os cortadores da madeira foram contratados pelo arguido se eles dizem insistente que sim, fazendo-o de forma insuspeita desde que a autoridade policial tomou conta da ocorrência? VI. Fazendo-o igualmente o funcionário PM da empresa transportadora F., responsável pelo transporte e rechega da madeira que sem qualquer rodeio afirma que o seu patrão lhe disse que o corte era para o senhor HH (entenda-se, o arguido).
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E bem assim a testemunha de defesa JB, amigo e vizinho do arguido afirma que "Eu não sei quem é que cortou a madeira, mas é o pessoal que trabalha para ele (arguido); VIII. É também o caso do segundo ponto de facto que se considera incorretamente julgado e que antecedentemente se refere: Facto não provado: Que o arguido se identificou perante os cortadores como sendo o dono da madeira.
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Como é possível considerar não provado que o arguido se identificou perante os cortadores como sendo o dono da madeira se esse é mesmo o primeiro facto que ele assume quando interpelado pela GNR afirma que comprou a madeira a uma senhora (Veja-se fls 5). E são também eles que, em uníssono confirmam essa afirmação do arguido, como já se deixou alegado no Cap I.
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Expressando-o da mesma forma o funcionário da F, PM, e a testemunha de defesa JB.
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Facto também confirmado pelo testemunho espontâneo de AG: "Depois acabei por entender que aquilo não seria dele (do arguido)" XII. Que motivos poderão sustentar a duvida sobre o facto não provado Que o arguido agiu com intenção de se apropriar de coisa alheia ... , quando ele se assume como pessoa experiente no negócio, bom conhecedor do terreno, da sua proprietária antes do assistente, da pessoa que acusa, CP, e da própria relação que alegou ter com ela? XIII. Que motivos poderão sustentar a duvida sobre o facto não provado que o arguido elaborou um plano que consistia em fazer-se passar por proprietário do prédio e que até conseguiu convencer desse facto toda a gente à sua volta, incluindo todos os operacionais no terreno ...
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Prova-o todas as declarações desses operacionais já referidas, prestadas quer em julgamento quer no momento da intervenção policial quer em fase de inquérito. Todos são unanimes em se afirmar convencidos que o arguido se afirmou proprietário do terreno.
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Que motivos poderão sustentar a dúvida sobre o facto não provado que PG foi contratado pelo arguido, quando tal afirmação é, embora de forma mitigada, dele e do seu colaborador PM, operador no terreno, ouvido em inquérito, citado no relatório da GNR e ouvido em julgamento ...
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Facto também implícito no depoimento da testemunha MF que afirma: "O senhor HH falou comigo e eu falei com eles (os outros cortadores da madeira) para ver se queriam ir fazer aquele corte para ele"; "O senhor HH foi mostrar as estremas do terreno, do corte e ofereceu um valor à tonelada para o corte ser efetuado. Disse que tinha negociado o pinhal para ser cortado; pinhal e eucalipto".
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Que motivos poderão sustentar a dúvida sobre o facto não provado que As pessoas identificadas em 3 e 4 (da sentença) atuaram a mando e sob as ordens e instruções do arguido, quando são as próprias pessoas que o dizem: XVIII. Di-lo o AG(2019 04 24 113438_2809605_3995026): 5:20: O senhor HH levou-me ao local, dava-me as informações, dava-me as medidas, cortar com umas xis medidas; XIX Di-lo o AC(20190404164041_2809605_2871746 AC): 1:35 - "Quem me levou lá foi o Sr. HH"; 2:30 -" O Sr HH é que foi lá dizer quais eram as medidas e quais eram as estremas". 2:45 - "Perguntei ao Sr HH se o do lado também era. O Sr. Respondeu que não que o do lado era de familiares que era do pai"; 8:27 - "Nós começámos pela parte de trás. Devíamos começar de frente e começamos do lado de trás que o Sr. HH tinha dito que era para dar mais acesso aos camiões".
XX: Di-lo o LG (20190404162804_2809605_2871746): 3:24 "O HH foi lá dizer a estrema! 6:58 "Na altura o meu chefe de equipa disse que o dono, supostamente da madeira disse que queria tirar primeiro os eucaliptos antes do pinho (aqui quando se refere o dono é o arguido)"; XXI. Di-lo MF(2019 04 04 152124_2809605_2871746): 8:40 - "O senhor HH falou comigo e eu falei com eles para ver se queriam ir fazer aquele corte para ele". "O senhor HH foi mostrar as estremas do terreno, do corte e ofereceu um valor à tonelada para o corte ser efetuado". "18:30 - quem me mandou começar o corte pela parte de trás foi o senhor HH" 20:50- "Era para cortar o eucalipto e o pinho; tudo o que tivesse era tudo para sair". 33:40 "neste caso o senhor HH mandou extrair o eucalipto e o pinho".
20190520151126_2809605_3995026, 15:50 "Eu não dava ordens a ninguém, simplesmente perguntavam-me e eu respondia através daquilo que o Sr. HH ia dizendo e fazendo".
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Que motivos poderão sustentar a dúvida sobre o facto não provado que O arguido ao vender a referida madeira bem sabia que esta não lhe pertencia e que agia contra a vontade do seu legitimo dono, instrumentalizando para o efeito os trabalhadores que contratou, quando foi ele que controlou todas as operações que permitiram o desaparecimento da madeira e a supressão dela do património do ofendido ...
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Tal facto é assumido pelo próprio: foi interprete na contração do pessoal de corte, na apresentação da CP à empresa F. responsável pelo transporte e rechega, foi ele que mandou iniciar o corte pela parte de trás, foi ele que recebeu pela venda do eucalipto, enfim, tudo isto ele assumiu.
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Foi O arguido que mandou fazer o corte da madeira pela parte oposta à via publica, apresentando como justificação argumentos que não convenceram os próprios operacionais no corte, convencidos, como o assistente, que tal decisão se destinava a evitar os olhares públicos e permitir a atuação o mais reservada possível.
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A própria execução dos trabalhos, em corte raso, só pode levantar as maiores suspeitas sobre as intenções do arguido, como referem as testemunhas CA e JP.
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Que motivos poderão sustentar a dúvida sobre o facto não provado que o arguido agiu sempre livre, voluntaria e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal? XXVII. Não adiantará repetir tudo o que já se alegou para demonstrar a consciência da ilicitude do arguido e o elevado grau de dolo, direto, que imprimiu na sua ação, mas sempre se dirá que foi ele que fez seu o produto do furto, desviando a madeira mesmo após a intervenção policial.
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O arguido não podia ignorar que a CP que ele pretende acusar da autoria exclusiva dos factos não podia ser dona do terreno, por não ter meios financeiros para o adquirir, nem apresentar qualquer facto que possa dar consistência à afirmação que atribui a ela de ter comprado o terreno e até ter fatura dela.
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Em última instância, a considerar-se alguma atuação criminosa de terceiros, tal atuação só podia ser vista como comparticipação e ainda assim sempre sob a batuta do arguido que agiu sempre como o principal, interessado, beneficiário e mandante.
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A presunção de inocência e o correspondente princípio in dubio pro reo não podem funcionar como um bónus que se oferece ao arguido que lança uma nuvem de poeira para o ar com o objetivo de atrapalhar o trabalho da justiça.
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Para que a dúvida seja relevante e possa dar consistência ao princípio constitucional contido na norma que define os seus contornos, o artigo 32º, nº1 da Constituição, exige-se que o discurso do beneficiário, caso opte por prestar declarações contenha a objetividade e consistência bastantes para que a tal duvida não degenere em puro "fogo de artificio".
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Não se verificam, pois, causas de exclusão da ilicitude ou da culpa, nem falta qualquer condição de punibilidade, pelo...
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