Acórdão nº 03681/10.3BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 31 de Janeiro de 2020
Magistrado Responsável | Helena Canelas |
Data da Resolução | 31 de Janeiro de 2020 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I. RELATÓRIO O MUNICÍPIO DO (...), réu na ação administrativa especial que contra si foi instaurada no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto por M.M.P.
(devidamente identificado nos autos) – na qual este impugnou o ato administrativo que lhe aplicou a pena disciplinar de 180 dias de suspensão, peticionando a sua anulação, e subsidiariamente, que o tribunal confirmasse os 90 dias de suspensão preventiva no cômputo do cumprimento da pena de suspensão de 180 dias – inconformado com o acórdão do coletivo de juízes do Tribunal a quo de 19/04/2014 (fls. 267 SITAF) que julgando procedente a ação anulou o ato administrativo impugnado, dele interpôs o presente recurso de apelação (fls. 292 SITAF), pugnando pela revogação da decisão recorrida, formulando as seguintes conclusões, nos seguintes termos: (a) Em sede de despacho saneador foi dado como provada a suspensão do procedimento disciplinar, tendo depois o Tribunal a quo, na fundamentação jurídica da decisão, entendido que nenhuma suspensão existiu, e, com base neste último entendimento – e ao arrepio do primeiro – concluído pela prescrição do procedimento disciplinar nos termos do artigo 6.º, n.º 6 do ED, o que corresponde a uma contradição entre os fundamentos e a decisão do acórdão, gerando assim o vício de nulidade previsto no artigo 615.º, n.º 1, alínea c) do CPC (aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA); (b) Caso assim não se entenda, a referida contradição torna, no mínimo, a decisão proferida pelo Tribunal a quo ambígua e obscura, levando a que se fique sem perceber se foi considerado existir, ou não, a referida suspensão – conclusão que nos leva para igual arguição de nulidade, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea c) do CPC (aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA); (c) Caso não se entenda existir nulidade do acórdão, pelos fundamentos descritos em (a) e (b) supra existirá sempre erro de julgamento; (d) O presente procedimento disciplinar teve a sua origem em duas notícias vindas a lume pela comunicação social, que davam conta de dois colaboradores do Recorrente (um deles o aqui Recorrido) terem sido apanhados num esquema em que o Recorrido, usando da sua qualidade de fiscal de obras da via pública, procurava extorquir dinheiro a um munícipe; (e) Instaurado o procedimento disciplinar e nomeado instrutor, este último procurou saber quais os factos que tinham estado na origem da alegada infração disciplinar, tendo então ouvido a única testemunha possível (o superior hierárquico dos arguidos, que revelou nada de concreto saber acerca dos factos) e procurado aceder ao processo crime, onde se encontravam descritos, em pormenor, os factos apurados, tendo este acesso lhe sido negado pelo Ministério Público em virtude de o processo-crime se encontrar em segredo de justiça; (f) Sem saber em concreto quais os factos praticados pelos trabalhadores arguidos (porque nem as notícias divulgadas nem a participação disciplinar concretizava) e sem ter meios de aos mesmos chegar enquanto não fosse concluído o inquérito crime por parte do Ministério Público, o instrutor disciplinar viu-se impedido, por razões que ultrapassavam o seu poder de atuação, de dar continuidade ao procedimento disciplinar (à data, na fase de instrução); (g) O regime da prescrição de 18 meses previsto no artigo 6.º do ED deve ser aplicado como um todo, ou seja, não só o seu n.º 6, mas também as regras que levam à suspensão daquele prazo de prescrição, as quais contêm dois requisitos cumulativos: (i) a existência de uma decisão ou apreciação jurisdicional e (ii) que essa apreciação ou decisão jurisdicional impeça o procedimento disciplinar de continuar; (h) A conclusão do inquérito-crime consiste numa apreciação jurisdicional que, no caso, impedia o procedimento disciplinar de continuar, porque o instrutor, sem saber quais os factos em concreto praticados pelos arguidos, não podia decidir pelo arquivamento do procedimento, ou que este avançasse para a acusação; (i) Sendo certo que a suspensão do prazo de prescrição previsto no artigo 6.º, n.º 6 do ED, nos termos do n.º 7 do mesmo preceito legal, ocorre ope legis, e não por determinação da Administração, não é menos certo que o instrutor deve fazer espelhar no procedimento a realidade fática vivida, enriquecendo este último e tornando-o mais transparente a sua atividade, motivo pelo qual o relatório de fls. 22-25 visa somente demonstrar a impossibilidade de o instrutor continuar com a instrução, bem como os motivos a que isso se devia: a impossibilidade de aceder ao processo-crime (e assim conhecer os factos praticados pelos arguidos) e a impossibilidade de descobrir, pelos seus próprios meios, esses factos (uma vez que já tinha esgotado todos os meios investigatórios ao seu alcance); (j) Tendo o instrutor sido informado pelo Ministério Público que o processo-crime se encontrava em segredo de justiça – o que levava a que o mesmo não pudesse ao mesmo aceder e, assim, ficar a conhecer enfim os factos praticados pelos arguidos – a partir daí suspendeu-se o prazo de prescrição do procedimento disciplinar, porque o instrutor já mais nada podia fazer (além do que já tinha feito) para saber o que tinham efetivamente os arguidos feito e, assim, continuar com o procedimento disciplinar; (k) Tendo o instrutor sido notificado do disposto na conclusão anterior em dezembro de 2008 (nunca antes de dia 9 de dezembro desse ano), então no dia 1 de janeiro de 2009 (data em que, por força do disposto no artigo 4.º, n.º 3 da Lei 58/2008, o prazo de prescrição previsto no artigo 6.º, n.º 6 do ED começaria a correr) este último prazo não pode iniciar-se, porque se suspendeu automaticamente; (l) Somente a partir de 10 de agosto de 2009, data da notificação ao instrutor da certidão emitida pelo Ministério Público, é que o prazo de prescrição de 18 meses iniciou a sua contagem, nos termos do artigo 6.º, n.º 8 do ED, terminando somente a 10 de janeiro de 2011; (m) Tendo o Recorrido sido notificado da decisão a 6 de outubro de 2010, não se encontrava, nessa data, o procedimento disciplinar prescrito; (n) O procedimento disciplinar não se encontraria tampouco prescrito no dia 6 de outubro de 2010 se se considerasse que a suspensão do procedimento disciplinar haveria somente ocorrido após o despacho da Diretora do DMJC que concordou com o relatório do instrutor disciplinar, pois que neste caso o prazo de 18 meses completar-se-ia no dia 10 de outubro de 2010; (o) O entendimento vertido pelo Tribunal a quo acaba por imputar ao Recorrente uma consequência à qual o mesmo não deu causa, uma vez que não foi por culpa do instrutor disciplinar, ou do Recorrente, que a instrução do procedimento não pôde continuar, mas sim por ter de aguardar por uma apreciação jurisidicional; (p) A douta decisão proferida pelo Tribunal a quo, na parte ora posta em crise, violou o disposto nos artigos 615.º, n.º 1, alínea c) do CPC (aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA), o artigo 4.º, n.º 3 da Lei 58/2008, e ainda os artigos 6.º, n.os 6, 7 e 8, , 7.º, 28.º, n.º 1, 46.º, n.º 1 e n.º 4 e 48.º, n.º 2 e 3 do ED.
O recorrido não contra-alegou.
* Remetidos os autos a este Tribunal, em recurso, neste notificada, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146º e 147º do CPTA, a Digna Magistrada do Ministério Público emitiu Parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.
Sendo que dele notificadas as partes, nenhuma se apresentou a responder.
* Após redistribuição (cfr. Despacho nº 1/2019 de 04/01/2019 do Exmo. Senhor Juiz Desembargador Presidente deste TCA Norte) foram os autos submetidos à Conferência para julgamento, com dispensa de vistos.
* II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO/das questões a decidir O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo (Lei n.º 41/2013) ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas pelo recorrente as conclusões de recurso, vêm trazidas em recurso as seguintes questões essenciais: - saber se o acórdão recorrido padece da nulidade prevista no artigo 615º nº 1 alínea c) do CPC novo, ex vi do artigo 1º do CPTA por contradição entre os fundamentos e a decisão, ou por ambiguidade e obscuridade – (vide conclusões a) e b) das alegações de recurso); - saber se o acórdão recorrido ao decidir pela prescrição do procedimento disciplinar incorreu em erro de julgamento, com violação do artigo 4º nº 3 da Lei nº 58/2008 e dos artigos 6º nºs 6, 7 e 8, 7º, 28º nº 1, 46º nº 1 e nº 4 e 48º, n.º 2 e 3 do Estatuto Disciplinar – (vide conclusões c) a p) das alegações de recurso).
* III. FUNDAMENTAÇÃO A – De facto O Tribunal a quo deu como provada a seguinte factualidade, assim vertida ipsis verbis no acórdão recorrido: O Autor exerce funções de Fiscal de Obras na Divisão Municipal de Obras na Via Pública da Câmara Municipal do (...) – cfr. fls. 151 do PA que se tem por integralmente reproduzidas para os devidos efeitos legais.
O Autor esteve de férias no período de 4 a 29 de Agosto de 2008 - cfr. fls. 151 do PA.
Em 16.10.2008, o Jornal de Noticias publicou uma notícia com o seguinte teor: “(...) A Policia Judiciária deteve hoje em flagrante delito, na sequência de uma denuncia da Câmara Municipal do (...), um funcionário municipal suspeito de tentar extorquir dinheiro ilicitamente a um munícipe, com base numa obra desnecessária.
A detenção foi revelada pela Câmara do (...), num comunicado enviado à Lusa, acrescentando que foi também detido “outro trabalhador da autarquia com quem (o suspeito de extorsão) actuava em sociedade” “ o esquema utilizado para cobrar ilicitamente dinheiro ao cliente enquadra -se num modelo já conhecido, em que o funcionário tenta convencer o munícipe a realizar uma obra que não é necessária,(...) Segundo a autarquia “o munícipe enganado aceitou fazer a...
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