Acórdão nº 1286/12.3BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 31 de Janeiro de 2020
Magistrado Responsável | Helena Ribeiro |
Data da Resolução | 31 de Janeiro de 2020 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I-RELATÓRIO 1.1. A., Lda, propôs ação administrativa comum, sob a forma ordinária, contra o Município de (...), pedindo a condenação do Réu no pagamento à Autora da quantia de €35.659,49, a título de enriquecimento injustificado, acrescida de juros de mora desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.
Alegou, para o efeito, em síntese, que na sequência da operação de loteamento para a constituição de 10 lotes, abrangendo os prédios descritos na Conservatória do Registo Predial sob os números 90, 662 e 1512, com uma área total de 5.838 m2, o Réu liquidou a taxa municipal de urbanização no valor de 146.485,34€, que a autora pagou em 29.08.2007.
Mais alegou que no respetivo Alvará de Loteamento constava uma área de não cedência ao domínio público de 506,75 m2 para espaços verdes e 862,50 m2 para equipamento, no valor de 96.352,75€, relativo a taxa de compensação pela não cedência de áreas ao domínio público.
Sucede que em função da área de construção prevista, a autora deveria ceder ao domínio público 1.128,75m2 de terreno para espaços verdes, quando cedeu uma área de 1.154,00m2, não havendo lugar a qualquer compensação antes liquidada pela não cedência de 506,75m2, apenas tendo de compensar o Réu pela não cedência de terreno para equipamentos com a área de 862,50m2.
Nessa sequência, a autora requereu ao Réu que fosse retificado o cálculo da taxa de compensação liquidada bem como a devolução do excedente pago no valor de 35.659,49.
O Réu acabou por retificar o Alvará de Loteamento mas indeferiu a devolução do excedente pago pela Autora, com fundamento em o pedido ter sido formulado fora do prazo legal da reclamação administrativa ao abrigo do artigo 78.º da LGT.
Á data em que foi detetado o erro existente na planta que viciou o Alvará de loteamento e que determinou o seu requerimento em 07.01.2011 para devolução da taxa liquidada a mais, já se tinham esgotado os prazos previstos no artigo 78.º da LGT.
A retenção de tal valor pelo Réu representa um aumento do património do Réu à custa da Autora e em resultado do seu empobrecimento, sem que exista causa justificativa da deslocação patrimonial verificada, assistindo-lhe o direito a exigir do Réu a restituição do valor de €35.659,49 correspondente ao excesso da taxa de compensação compreendida na taxa municipal de urbanização com fundamento em enriquecimento sem justa causa, previsto no artigo 473.º e ss do C.Civil.
*1.1.2.
Devidamente citado, o Réu defendeu-se por exceção e por impugnação.
Em sede de defesa por exceção invocou a prescrição do direito em que se fundamenta o pedido e a caducidade do direito de ação.
Por impugnação, alegou, em síntese, que o alvará de loteamento não revela qualquer lapso material, por erro de escrita, relativamente à realidade física do loteamento, estando em causa a revisão de um ato tributário que não enferma de qualquer ilegalidade, não tendo a sua revisão sido pedida pelo sujeito passivo no prazo da reclamação administrativa, tendo a sua pretensão que improceder.
*1.1.3.
A Autora replicou, sustentando não se verificar a invocada prescrição uma vez que o prazo previsto no art.º 482.º do C.Civil apenas começou a correr com a retificação do alvará de loteamento em 11.11.2011. Alegou também não se verificar a caducidade do direito de ação uma vez que a sua pretensão não se suporta nas hipóteses abordadas pelo Réu, mas no facto de terem ficado inviabilizados os meios de que poderia lançar mão para obter a restituição da taxa de urbanização por via da revisão do ato de liquidação, pedindo que se julguem improcedentes as exceções da prescrição e de caducidade invocadas pelo Réu e pela procedência da ação.
*1.1.4.
A 14.05.2014 o Tribunal de 1.ª instância proferiu decisão pela qual julgou oficiosamente procedente a exceção dilatória de incompetência em razão da matéria para conhecer da presente ação, por considerar que a autora pretende reagir contra um ato emergente de uma relação jurídica fiscal, estando em causa o ressarcimento de um dano decorrente do exercício da função tributária, sendo competente para conhecer da ação o tribunal tributário.
*1.1.5. Inconformada com essa decisão, a Autora interpôs recurso jurisdicional para o TCAN, que por acórdão de 05 de junho de 2015 revogou a referida decisão, julgando improcedente a exceção dilatória de incompetência material do tribunal.
*1.1.6. Realizou-se audiência prévia na qual se fixaram os factos relevantes e considerados assentes pelo tribunal e pelas partes.
*1.1.7. Em 04/01/2018 foi proferida decisão que jugou a ação totalmente procedente, lendo-se na mesma: « IV. DECISÃO Pelo exposto, julga-se a presente ação administrativa comum totalmente procedente, e, em consequência, condena-se o Réu Município de (...) a pagar à Autora o montante de 35.659,49, acrescido de juros vencidos desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.
Custas pelo Réu Município de (...).
Fixo à presente ação o valor de € 39.659,49 ( art.º 32.º n.º1 do CPTA) Registe e notifique»*1.1.8.
Inconformado com esta decisão, o Réu (Município de (...)) interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que a decisão recorrida fosse revogada e substituída por outra que julgue a ação improcedente.
Concluiu as suas alegações da seguinte forma: « 1ª O instituto do enriquecimento sem causa é exclusivo das relações jurídicas civilísticas, não se aplicando às relações jurídicas tributárias.
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O direito tributário tem um mecanismo próprio para o contribuinte reagir contra um ato tributário já praticado, que é a revisão prevista no artigo 78º da LGT.
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O procedimento e processo tributário encontram-se sujeitos ao princípio da legalidade tributária, não existindo previsão legal de uma ação de enriquecimento sem causa ou sequer norma legal que preveja o uso deste instituto.
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A Recorrida viu indeferido por ato administrativo o pedido de devolução da taxa paga em excesso (facto provado v), não o tendo impugnado, conformando-se, assim, com o seu teor.
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Este ato administrativo, por ter decorrido mais de um ano da sua prática, mesmo que fosse inválido, converteu-se num ato válido, inimpugnável.
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O instituto do enriquecimento sem causa tem natureza absolutamente excecional, funcionando como uma válvula de escape do sistema quando não existe um meio de defesa de um direito.
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O instituto em causa não opera quando se esgotaram os meios administrativos e contenciosos ao dispor do contribuinte, quer este os tenha ou não usado.
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A douta sentença recorrida violou o disposto no artigo 474º do CCiv.
TERMOS EM QUE deve o presente recurso ser julgado procedente, anulando-se a sentença recorrida e substituindo-a por outra que julgue a ação improcedente, assim se fazendo Justiça» * 1.1.9. A Apelada contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e formulou as conclusões que se seguem: «1) A decisão constante da douta Sentença recorrida veio definir entre as partes, não uma relação jurídica tributária, nomeadamente aquela que se extinguiu com o indeferimento do pedido de revisão do ato tributário- a liquidação da taxa de compensação – mas sim uma relação jurídica assente no instituto do enriquecimento sem causa, convocado para solucionar a situação de locupletamento injustificado do Recorrente que resultou de se ter tornado inaplicável, pelo decurso do tempo, o meio previsto no art.º 78.º da LGT.
2) Assim, a imposição ao Recorrente da obrigação de restituir a parte da taxa de compensação paga em excesso, após a extinção da dita relação jurídica tributária, não representa qualquer tipo de invasão do instituto do enriquecimento sem causa ao procedimento e processo tributário, pelo que não coloca em causa o princípio da legalidade tributária, nem na vertente da criação e definição dos elementos essenciais dos impostos, nem na tipicidade das respetivas disciplinas legais, não se gerando qualquer conflito com o preceito contido na al. e) do n.º2 do art.º 8 da LGT.
3) Concordando as partes em que, dado o motivo que viciara a liquidação e pelo decurso do tempo, se tornara inacessível o meio próprio de revisão do ato tributário, jamais seria exigível à Recorrida que reagisse contra o ato administrativo de indeferimento do pedido de revisão que apresentou, visando a sua anulação por ilegalidade como pretende o Recorrente, quando nenhum vício lhe poderá imputado àquele ato, havendo consenso sobre a adequação e solidez dos respetivos fundamentos.
4) Resulta do exposto que a Recorrida ficou sem qualquer outro meio de obter a restituição do que pagou indevidamente ao Recorrente, uma vez que a taxa paga não corresponde à situação real ( a área correta a ser compensada) que acabou por conduzir à retificação do Alvará de loteamento, e que motivou o novo cálculo da taxa pela diferença favorável à Recorrida de €35.659,49.
5) Decidiu bem, pois, a Sentença recorrida julgando não ter a Recorrida a seu favor qualquer dispositivo legal específico para obrigar o Recorrente a devolver o montante pago em excesso a título de taxa de compensação, não havendo também do lado do Recorrente causa que justifique manter-se na sua esfera jurídica aquele montante pago a mais a título de taxa de compensação, pelo que foram devidamente aplicadas as disposições dos artigos 473.º e 474.º do Código Civil.
Nestes Termos, negando provimento ao recurso e mantendo inalterada a douta Sentença recorrida, farão VV/Ex.ªs JUSTIÇA».
1.1.10.
O Ministério Público junto deste TCA Norte, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º1 do CPTA, não emitiu parecer.
1.1.11.Prescindindo-se dos vistos legais mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
* II.DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO.
2.1.
Conforme jurisprudência firmada, o objeto de recurso é delimitado em função do teor das conclusões do Recorrente, não podendo este Tribunal...
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