Acórdão nº 1021/19.5BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 30 de Janeiro de 2020

Magistrado ResponsávelPEDRO NUNO FIGUEIREDO
Data da Resolução30 de Janeiro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul I. RELATÓRIO H…..

intentou ação administrativa, tramitada como processo urgente, contra o Ministério da Administração Interna, impugnando a decisão da Diretora Nacional do SEF, que considerou o seu pedido de asilo e de proteção subsidiária infundados, pedindo a sua anulação e a condenação à prática do ato devido, seja a concessão ao autor do asilo ou proteção internacional ou, subsidiariamente, a repetição da instrução.

Alega, em síntese, que no seu país de origem a sociedade secreta “O.....O.....F…..” quer que o requerente assuma a posição que ali tinha o seu pai, pondo em causa a sua segurança e interferindo com a sua liberdade religiosa e de associação, através de ameaças de morte e perseguição que as instituições estatais não estão em condições de impedir; subsidiariamente invoca que deve ter-se por verificado o défice de instrução, pois não foi carreada para o procedimento toda a informação disponível sobre o país de origem.

Por decisão de 25/09/2019, o TAC de Lisboa julgou a ação improcedente, absolvendo o réu do pedido.

Inconformado, o autor interpôs recurso desta decisão, terminando as alegações com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem: “1ª- O recorrente é, perseguido e ameaçado de morte, no seu país de origem por membros da sociedade secreta “O.....F.....”; 2ª- Considerando as declarações do recorrente e os relatórios existentes quanto à sociedade “O.....F.....”, que credibilizam os factos descritos pelo recorrente nas declarações que prestou perante o SEF, nomeadamente o relatório da EASO, de Novembro de 2018, citado pelo CPR, é nosso entendimento que, aplicando-se o princípio do “benefício da duvida”, os fundamentos apresentados pelo recorrente são suficientes e credíveis para o mesmo beneficiar de protecção internacional por se encontrar em risco de, no seu país de origem, sofrer ofensa grave à sua integridade física e liberdade religiosa, e para que, pelo menos, lhe seja concedido, o pedido de asilo por questões humanitárias.

  1. - A decisão impugnada violou, entre outros os art.ºs 7º, 19º e 34º da Lei 27/2008, de 20 de Agosto.” Não foram apresentadas contra-alegações.

O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto, nos termos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, concluindo que dos autos não resultam dados objetivos suficientes que permitam enquadrar a situação do requerente na proteção do direito de asilo, nem no regime subsidiário consagrado no artigo 7.º da Lei de Asilo, por não vir consubstanciada qualquer situação que permita fundar a ameaça ou o risco de vida do recorrente.

* Perante as conclusões das alegações do recorrente, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre aferir do erro de julgamento quanto ao não reconhecimento do seu direito à concessão de asilo / proteção internacional.

Dispensados os vistos legais, atenta a natureza urgente do processo, cumpre apreciar e decidir.

* II. FUNDAMENTOS II.1 DECISÃO DE FACTO Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes factos: “

  1. O Autor, H….., é natural de Ayede e nacional da Nigéria ─ fls. 1 e ss. do PA.

  2. A 4 de Abril de 2019, o Autor apresentou por escrito, junto dos serviços do R., pedido de asilo e protecção do Estado Português, o qual deu origem ao processo de asilo n.º …../19 ─ fls. 1, 6, 7 e 15 do PA.

  3. Desse requerimento, preenchido em formulário em língua inglesa, constam como razões para ter abandonado o seu país de origem “ameaça { vida por questões religiosas” [tradução livre] — cfr. fls. 7 do PA.

  4. A 20 de Maio de 2019, o A. prestou declarações junto do SEF, na presença da Inspectora do SEF tendo dito que pretendia efectuar a entrevista em língua inglesa ─ fls. 20/21 do PA.

  5. Referiu ainda que: «Pergunta (P). Que língua(s) fala? Resposta (R). Inglês.

    1. Em que língua pretende efetuar esta entrevista? R. Em Inglês.

    2. Tem advogado? R. Não.

    3. Em Portugal é-lhe concedido apoio por uma Organização Não Governamental designada por Conselho Português para os Refugiados (CPR) durante todo o procedimento de proteção internacional. Autoriza que seja comunicado ao Conselho Português para os Refugiados, de acordo com o previsto no n.º 3, do artigo 17º, da Lei n.º 27/08 de 30.06, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 26/14 de 05.05, as suas declarações e as decisões que vierem a ser proferidas no seu processo? R. Sim.

    4. Tem algum problema de saúde? R. Não.

    5. Neste momento, sente-se capaz e em condições de realizar esta entrevista? R. Sim.

    6. Esta primeira parte da entrevista serve para conhecermos melhor a sua pessoa, os seus antecedentes, a traçar o seu perfil. Pode falar sobre a sua pessoa, dando o máximo de detalhes sobre si.

    7. Sou casado e tinha 3 filhos: 20,17 e 7 anos. O meu filho mais novo, entretanto, faleceu. Se ele estivesse vivo, teria hoje 8 anos. Eu vivia da minha plantação de cacau e era motorista. Mas a minha plantação de cacau foi incendiada. Nada restou dela.

    8. Vamos agora falar sobre o percurso que fez desde que saiu do seu país até chegar a Portugal. Pode descrever todo o trajeto que efetuou, dando o máximo de detalhes? R. Saí da Nigéria em ….. de ….. de 2018 de avião para Lisboa. Depois apanhei o comboio na Estação do Oriente para França. Em França perdi a minha carteira, perdi tudo e dormi durante cerca de um mês nas ruas de Paris. Nas ruas de Paris pedia dinheiro e consegui juntar o dinheiro para um bilhete de autocarro para a Alemanha.

    9. Entrou em Portugal pelo aeroporto sem problemas? R. Sim.

    10. Pediu asilo no aeroporto de Lisboa quando chegou? R. Não.

    11. Porque não pediu asilo quando chegou? R. Porque não sabia o que era asilo.

    12. Qual era a o seu destino final quando saiu da Nigéria? R. Portugal.

    13. Porquê Portugal? R. Disseram que na Europa eu podia obter proteção. Falaram-me, em primeiro lugar, de Portugal, e também da França e Alemanha. Que "lá eles têm uma boa proteção".

    14. Se Portugal era o seu destino final, porque saiu de Portugal e foi para França e depois Alemanha? R. Eu não conhecia ninguém em Portugal. Eu nem sabia como pedir asilo. Foi só quando eu estava em Paris, que um outro nigeriano me disse que o melhor era pedir asilo em França ou Alemanha. Ele disse-me: "Se fores para Portugal, eles deportam-te para a Nigéria." P. Tem agora a oportunidade de fornecer, sem interrupções, o seu relato pessoal sobre os motivos que o levaram a sair do seu país de origem. Se possível, inclua o máximo de detalhes sobre esses motivos.

    15. Saí por motivos religiosos. Eu fui o primeiro rapaz a nascer, filho mais velho dos meus pais. Após a morte do meu pai, há dois anos no ano de 2017, um grupo de pessoas veio ter comigo. O meu pai tinha duas mulheres. A minha mãe era a primeira esposa, ou seja, a esposa "sénior", porque foi a primeira a casar com ele. Quando ele morreu, era suposto nós fazermos - tal como a nossa tradição dita - um enterro. Mas, durante as preparações fúnebres, um grupo de pessoas veio ter connosco e pararam-nos. Perguntei ao irmão mais novo do meu pai (o meu tio mais novo): "Quem são estas pessoas?" O meu tio respondeu "São da irmandade O.....O.....F…..". Eles disseram não podíamos continuar com as cerimónias fúnebres sem que antes pudessem fazer um ritual fúnebre de sacrifício com o corpo do falecido. Eu perguntei: "Que sacrifícios são esses? Eu não sei nada disso". Eu perguntei aos meus irmãos: "O pai alguma vez disse a algum de vocês alguma coisa sobre isto?" Eles disseram: "Não. Nunca soubémos que ele pertencia ao culto secreto". Perguntei a todos os meus irmãos e irmãs e disseram todos que não tinham conhecimento. Essas pessoas do grupo disseram-me: "É impossível que o seu pai lhe tenha omitido a si - ao filho mais velho dele - que pertencia ao culto secreto dos O.....". Eu disse: "Deixem-me perguntar à esposa mais jovem dele se ela sabia. Dêem-me 7 dias para eu saber". Eles foram embora. Liguei para a esposa júnior do meu pai e perguntei-lhe: "Sabias que o nosso pai estava na irmandade O.....?". Ela respondeu: "Sim. Eu nunca fui às reuniões, mas sabia". Então levámos o corpo para a morgue. Como o ritual dos sacrifícios fúnebres no corpo do meu pai custavam 350.000 Naira [moeda na Nigéria], cerca de 750 euros, decidimos, entre todos angariar esse dinheiro e juntámos os 350.000 Naira para o ritual.

    16. E o que o fez abandonar o seu país mais concretamente? R. Eles disseram que eu tinha de assumir a posição do meu pai.

    17. E qual era a posição do seu pai? R. Ele era um membro sénior na irmandade O.....

      .

    18. Eles não lhe disseram, em concreto, qual seria a posição do seu pai a ocupar? R. Sim. Ele era um dos membros proeminentes da irmandade O...... Eles não querem que a posição esteja vaga. Eles querem que seja o filho mais velho do falecido a substituí-lo. E isto é o que se passa para todos os membros. Mas eu não quis assumir essa posição.

    19. Porquê? R. Porque sou cristão. Sou ajudante na igreja.

    20. O que aconteceu depois? R. Pegaram fogo à minha plantação de cacau. E disseram que me iam matar. Ameaçaram-me.

    21. Como sabe que foram eles quem pegou fogo à sua plantação de cacau? R. Porque eles já me tinham ameaçado de que me matariam a mim, à minha esposa ou aos meus filhos.

    22. Quem, em concreto, o ameaçou? R. Essas pessoas. Por causa disso, eu fugi da minha cidade natal.

    23. Pode descrever, como o maior número de pormenores possível, "como se de um filme se tratasse" o momento em que o ameaçaram? R. A questão aqui é que, se eu não concordasse em assumir a posição do meu pai, seria morto. P. Poderia descrever melhor esse preciso momento? Quem lho disse isso, mais concretamente? R. Um deles.

    24. Quando? R. Depois do enterro. Em abril de 2017.

    25. Ok, mas poderia descrever em pormenor o momento em que se sentiu ameaçado? R. Se eu não aceitara posição matam-me. Porque eu sou o primeiro dos irmãos e sou cristão.

    26. E pode descrever como foram os sacrifícios com o corpo? Estava lá? R. Eu não estava. Mas viu uma parte.

    27. O que viu? R. Envolveram o corpo...

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