Acórdão nº 984/11.3BELRA-S1 de Tribunal Central Administrativo Sul, 30 de Janeiro de 2020

Magistrado ResponsávelALDA NUNES
Data da Resolução30 de Janeiro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: S........., SA, interveniente na ação administrativa comum em que é autor J........., tendo sido notificada do despacho de 16.5.2019, que determinou a sustação da produção de meio de prova – perícia médico legal, e com o mesmo não se conformando, dele interpôs recurso jurisdicional.

As alegações de recurso da recorrente terminam com as conclusões seguintes: I) «Vem o presente recurso interposto do douto despacho proferido pelo Meritíssimo Tribunal "a quo", datado de 16/05/2019, que considerou inútil a realização da perícia médico legal ao A. anteriormente designada nos autos, e determinou a sustação da produção de tal meio de prova, bem como a devolução pelo IML do processo físico ao tribunal.

II) Salvo o devido respeito, a ora apelante não pode concordar com os fundamentos que sustentam a douta decisão proferida, considerando que a mesma é ilegal, por atentar contra o princípio do contraditório e da audiência contraditória, plasmado no disposto nos arts. 3º a 5º e 415º do Cód. Proc. Civil, aplicáveis ex vi art. 1º do CPTA.

III) Fundam-se os presentes autos na responsabilidade civil extracontratual emergente de acidente protagonizado pelo Autor na via pública, cuja responsabilidade o mesmo imputa ao Município R.

IV) Entre o demais, e para o que releva na presente apelação, veio o Autor, aqui recorrido, alegar que como consequência direta e necessária do evento em causa resultaram, para si, lesões corporais e sequelas no âmbito de diversas especialidades clinicas, nomeadamente, de dermatologia, urologia, psiquiatria V) E pugnando pelo ressarcimento de tais danos mediante arbitramento de indemnização em sede de danos patrimoniais e não patrimoniais.

VI) Na contestação, a Interveniente, ora Apelante, requereu a realização de perícia médico-legal, na modalidade de avaliação corporal do dano, para apuramento e quantificação desses danos alegados pelo Autor/recorrido.

VII) Tal diligência probatória foi deferida, pese embora não nos moldes colegiais como requerido pela aqui Seguradora Apelante, mas mediante perícia singular a realização pelo INML.

VIII) Posteriormente, e tendo sido carreado aos autos o relatório de uma perícia médico-legal a que se submeteu o A/recorrido no âmbito do Processo nº 79/14 .8TVLSB, que correu termos pela 8ª Vara Cível do Tribunal Judicial de Lisboa, e realizada em 2015, foi proferido o douto despacho aqui posto em crise, e que se passa a recordar: "Atentos a data e o objeto do exame pericial efetuado no processo nº 79/14 .8TVLSB, ação de processo comum, bem como a posição assumida pelo Autor no seu requerimento de 27 de fevereiro, mostra-se inútil o que mais não seria do que uma repetição de perícia médico-legal ao mesmo Autor.

Como assim, determino a sustação da produção desse meio de prova e que se solicite ao IML a devolução do processo físico a este tribunal».

IX) Não se conforma a Seguradora Apelante com tal entendimento e decisão pois o relatório da perícia médico-legal realizada no indicado Processo nº 79/14.8TVLSB não constitui prova pericial nos presentes autos.

X) E, nessa medida, não é pelo mero efeito da junção aos autos de tal documento — porque, em sede de meio probatório é, efetivamente, de prova documental que se trata — que se torna inútil a realização da prova pericial devida e tempestivamente requerida e deferida no presente processo (e ainda que tenha um objeto similar à produzida no outro supra identificado processo cível): (…) Prova pericial é aquela que é realizada no processo, sendo requisitada pelo tribunal a estabelecimento, laboratório ou serviço oficinal apropriado ou, quando tal não seja possível ou conveniente, realizada por um único perito nomeado pelo juiz de entre pessoas de reconhecida idoneidade e competência na matéria em causa ou por perito que as partes, por acordo, indiquem, podendo ser colegial.

Os peritos prestam compromisso de honra e estão sujeitos ao regime e impedimentos e suspeições que vigora para os juízes.

E uma prova sujeita a contraditório (art. 415º do CPC), podendo as partes formular quesitos, pedir esclarecimentos e estar presentes durante a recolha de indícios ou exame que não contenda com a reserva da intimidade das pessoas. Efetivamente o art. 415º do CPC (Princípio da audiência contraditória) estabelece: 1 — Salvo disposição em contrário, não são admitidas nem produzidas provas sem audiência contraditória da parte a quem hajam de ser opostas.

2- Quanto às provas constituendas, a parte é notificada, quando não for revel, para todos os atos de preparação e produção da prova, e é admitida a intervir nesses atos nos termos da lei; relativamente às provas pré-constituídas, deve facultar-se à parte a impugnação, tanto da respetiva admissão como da sua força probatória.

À exceção da prova documental, todas as restantes provas são constituendas, isto é, são produzidas no processe e não fora dele. (...).

(Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 31/05/2019, proferido no Processo nº 1822/17.9T8BRG.G1) XI) No caso sub judice o relatório da perícia médico-legal em causa foi elaborado noutro processo judicial, porventura a requerimento das partes nele intervenientes, e de entre as quais não figurou a aqui apelante.

XII) Tal elemento probatório foi, assim, elaborado sem qualquer controlo possível ou contraditório da Apelante, que não teve qualquer hipótese de se pronunciar sobre a oportunidade da realização de tal exame pericial ou sobre a modalidade ou o objeto da perícia, não teve oportunidade de elaborar quesitos ou formular questões ou esclarecimentos junto dos peritos, ou sequer exercer o contraditório sobre eventuais questões que tenham sido colocadas pelas partes ali intervenientes.

XIII) A admitir-se que tal relatório tenha o valor de prova pericial nos presentes autos, está-se a subverter por completo o princípio basilar do nosso ordenamento jurídico, concretamente, o princípio do contraditório e da audiência contraditória, consagrado no art. 415º, nº 1 e 2 do Cód. Proc. Civil.

XIV) Acresce que, no presente caso, nem sequer se pode chamar à colação o disposto no art 421º, nº 1 do Cód. Proc. Civil quanto ao valor extra processual da prova e como eventual suporte da decisão proferida.

XV) Sendo certo que tal disposição admite que, verificados os pressupostos nela vertidos, a perícia produzida num processo possa ser invocada noutro processo contra a mesma parte.

XVI) Não menos correto é afirmar-se que, para que tal valor extra processual da prova ocorra, é mister que: - as partes num processo e no outro sejam coincidentes - que tenha tido lugar a audiência contraditória da parte contra a qual se...

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