Acórdão nº 015/19 de Tribunal dos Conflitos, 30 de Janeiro de 2020

Magistrado ResponsávelJÚLIO PEREIRA
Data da Resolução30 de Janeiro de 2020
EmissorTribunal dos Conflitos

Processo n.º 15/19 Tribunal de Conflitos Acordam no Tribunal de Conflitos I - Relatório 1.1 - Em 20 de novembro de 2015, A…….., de nacionalidade ucraniana demandou, por petição apresentada na Secção de Competência Genérica da Póvoa de Varzim, Comarca do Porto, em processo comum emergente de responsabilidade civil pelo risco: 1.º O Agrupamento de Escolas ………, com sede na Póvoa de Varzim; 2.º O Ministério da Educação e Ciência, com sede em Lisboa; 3.º O Instituto de Emprego e Formação Profissional, com sede em Lisboa e 4.º A Companhia de Seguros …………, com sede em Lisboa, pedindo: I. A - Serem as 1ª, 2.ª e 3.ª RR condenadas solidariamente a reconhecer que, às suas ordens, direcção e serviço, a A. ocorreu um acidente de trabalho que a vitimou; I. B- Que as sequelas sofridas pela A. foram consequência direta e necessária do acidente sofrido pela mesma, do qual lhe resultou uma incapacidade para o trabalho permanente parcial de 19,9994% de desvalorização; II. A - Serem as 1.ª, 2.ª, 3.ª e 4.ª RR. solidariamente responsáveis pelo pagamento de todas as despesas médicas no valor de €100,00 e pelo pagamento da respectiva indemnização no montante de €1766,56, bem como, de €60,00 de despesas de transporte e a pensão anual vitalícia de €2.523,17 (€83,34 x 14 + €98,21 x 11 + €25,10 x 11) remível para a quantia de €28.420,99 e ainda numa indemnização por danos morais, num valor nunca inferior a €10.000,00.

Importa referir que previamente a esta acção a A. apresentou, em 11 de abril de 2015, uma participação por acidente de trabalho na Procuradoria da República junto do Tribunal de Trabalho de Barcelos e, por se ter frustrado acordo na tentativa de conciliação, viria em 17 de março a intentar, por apenso ao processo de acidente de trabalho, acção especial de acidente de trabalho contra os mesmos RR., acção esta para a qual o tribunal de trabalho se considerou materialmente incompetente, por sentença de 9 de junho de 2015 (fls. 31 a 36), que foi confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 08/10/2016 (fls. 37 a 43).

1.2 - Fundamentando o pedido formulado na ação comum alegou a A. que em 28 de Setembro de 2011 formalizou com o 1.º R. um Contrato Emprego-Inserção para "execução de trabalho socialmente necessário, na área de vigilância de crianças", no âmbito de projecto aprovado em 09/09/2010 pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional, IP, sendo o Ministério da Educação, através do agrupamento vertical de escolas Dr. …………, a entidade responsável pelo processamento e abono da bolsa mensal, subsídio de refeição e de transporte à A., em conformidade com o mencionado contrato.

1.3 - No dia 20 de dezembro de 2011, pelas 10h00, no interior do auditório do 1.º R. (Pavilhão E), quando em execução de ordens superiormente recebidas, procedia à limpeza das paredes desse pavilhão, sofreu uma queda de que lhe resultaram lesões das quais teve apenas alta em 20/04/2012, com sucessivas recaídas.

Ao tempo dos factos determinantes da doença da A. estava a mesma ainda abrangida por contrato emprego- inserção, iniciado em 13/09/2011 e que terminaria em 31/07/2012, mas cujo termo foi antecipado para 08/02/2012, por iniciativa do 1.º R., dada a impossibilidade para o trabalho por parte da A.

1.4 - Por despacho de 04/04/2016 (fIs 186 a 188) o tribunal cível considerou-se incompetente em razão da matéria, que considerou ser da competência dos tribunais administrativos, absolvendo os RR da instância, tendo nesse contexto considerado: “Segundo alegou, a autora, formalizou com a 1ª ré Agrupamento de Escolas ………. um contrato de emprego-inserção, com vista à execução de trabalho socialmente útil na área da vigilância de crianças, no âmbito do projecto aprovado pelo IEFP. O 2º réu pagava-lhe a bolsa, subsídio de refeição e transporte. Ainda dentro do quadro contratual, com a 4ª ré foi celebrado um seguro de acidentes pessoais.

Ora, com excepção da seguradora, os réus são todos entidades públicas. Intervieram no âmbito dos seus poderes públicos para prossecução das finalidades públicas que lhes estão cometidas. Os 1º e 2ºs réus nas funções de prestar o serviço de ensino público, onde se incluem diversas actividades como a vigilância das crianças e a conservação do património escolar. E simultaneamente ajudar nos programas de ocupação de desempregados. O 3º réu dentro do seu escopo legal de promoção da empregabilidade.

Portanto, para além da natureza pública dos sujeitos. Temos, ainda, a prossecução de interesses públicos através dos mecanismos de carácter público previstos para o efeito.

Logo, o litígio insere-se numa relação jurídica administrativa.

Como se pode ler no Acórdão do STJ de 14/11/2001, in www.dgsi.pt: Estamos antes perante uma relação de segurança social, especificamente de acção social, fundamentalmente estabelecida entre os serviços públicos competentes (lEFP e Centros de Emprego) e os beneficiários, intervindo as "entidades promotoras" das actividades ocupacionais como colaboradoras da Administração na execução dessas finalidade de solidariedade e segurança social.

Portanto competente é o tribunal administrativo e não o judicial. E, acrescentamos, quer o litígio se funde na responsabilidade extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas. Quer seja enquadrável na responsabilidade contratual (art. 4.º, 1, f), ETAF).

Verifica-se, portanto, a excepção dilatória da incompetência material. Conduzindo à absolvição dos réus da instância (art.s 96º, al. a), 97º, 1, 99º e 278º, 1, al. a), do CPC).

*Pelo exposto, julga-se procedente a excepção, declara-se o tribunal incompetente em razão da matéria para apreciar a acção e absolvem-se os réus da instância.” 1.5 - Na sequência de tal despacho e por requerimento da A. foram os autos remetidos ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, onde deram entrada a 1 de julho de 2016.

1.6 - Por sua vez o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, por despacho de 15/02/2017 (fls 239 a 241), considerou-se também materialmente incompetente para conhecer dos pedidos, por entender que o objecto da acção se integra no regime dos acidentes de trabalho previstos no Código do Trabalho: “Acontece porém que a Autora não é dotada de um vínculo de emprego público nos termos que ressaltam do disposto no art.º 6.º da Lei n.º 35/2014, de 20.06, nem exerce funções nos serviços das administrações regionais e autárquicas e nos órgãos e serviços de apoio do Presidente da República, da Assembleia da República, dos tribunais e do Ministério Público e respectivos órgãos de gestão e de outros órgãos independentes.

Como tal, entende-se que a situação jurídica da Autora cai fora da reserva estabelecida no artigo 2º do citado DL nº. 503/99, antes se integrando no domínio do regime de acidentes de trabalho previsto no Código do Trabalho.

O que conduz à constatação, em face do disposto na alínea b) do nº. 4 do artigo 4º do ETAF que, quanto às pretensões nos pontos i) e ii) do petitório, esta jurisdição é materialmente incompetente para conhecer do litígio.

Nesta conformidade, pelas razões aduzidas, julga-se o Tribunal Administrativo do Porto materialmente incompetente para conhecer dos pedidos formulados pela Autora sob as alíneas i) e ii) do petitório, e, consequentemente, absolvem-se os Réus da Instância quanto aos mesmos.” 1.7 - Transitado em julgado este despacho requereu a A., por requerimento dirigido ao Ex.mo Presidente deste tribunal a decisão do conflito, tendo os autos sido mandados subir, por despacho de 19 de fevereiro de 2019.

1.8 - Neste tribunal o Ministério Público proferiu parecer, concluindo a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta: “(...) o contrato celebrado não é um contrato de trabalho em funções públicas, a A. não foi nomeada, nem exerceu o trabalho em comissão de serviço.

Estamos antes perante um contrato de trabalho que não acarreta nenhum vínculo de emprego público, pelo que os tribunais administrativos não são os tribunais competentes para apreciar este litígio (cfr art.º 4º nº 4 alínea b) do ETAF de 2015 e artº 4º nº 3 al d) do ETAF na redacção dada pela Lei nº 59/08 de 11-09, caso se considere este aplicável).

De facto ambos os dispositivos legais do ETAF excluem da competência da jurisdição administrativa os litígios emergentes de contratos de trabalho que não sejam contratos de trabalho em funções públicas.

Deste modo, dada a competência residual dos Tribunais comuns (artº 64º do CPC e artº 40º nº 1 da Lei nº 62/13, de 26-08), no nosso entender, são estes os competentes para apreciar a presente acção (neste sentido cfr acs de 28-02-2019, 042/18, de 31-01-2019, 040/18, de 25-01-2018, 053/17, de 20-06-2017, 40/16, de 10-10-17, 15/17 e de 25-01-18, 41/17, todos em www.dgsi.pt).

Isto quer se entenda estar-se perante um acidente de trabalho como considerou a jurisprudência citada, quer...

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