Acórdão nº 1286/14.9IDLSB-A.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 04 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelLUÍS GOMINHO
Data da Resolução04 de Fevereiro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, na Secção Criminal (5.ª) da Relação de Lisboa: I - Relatório: I - 1.) Inconformado com o despacho que foi proferido a fls. 1205 dos autos principais (fls. 42 do presente translado), no qual a Mm.ª Juíza de Instrução Criminal de Lisboa (Juiz 6), manteve o decidido a fls. 1195 (aqui fls. 34), recorreu o Ministério Público para a presente Relação, deixando consignadas, no remate da sua motivação, as seguintes conclusões: 1.ª - O despacho da Mm.ª Juiz de Instrução Criminal, viola o disposto no artigo art. 268.º n.º 1 alínea d) do CPP ao pretender que seja o Ministério Público a proceder à abertura de correspondência electrónica.

  1. - Conforme resulta dos relatórios periciais junto aos autos a fls. 1185, os ficheiros de correio electrónico, cuja apreensão foi previamente autorizada judicialmente, foram posteriormente pesquisados, autonomizados e gravados em DVD, não tendo sido abertos pelo OPC ou pelo Ministério Público, porquanto tal lhes está vedado legalmente.

  2. - Com a promoção de fls. 1193, o que é pretendido é que a Mm.ª Juiz de Instrução tome conhecimento do teor dos e-mails em primeiro lugar, conforme determina a lei, procedendo à abertura dos mesmos e que seja ordenada a sua junção aos autos, caso se mostrem relevantes à investigação do ilícito em apreço.

  3. - O regime de apreensão de correspondência encontra-se previsto no Código de Processo Penal, no art. 179.º, o qual estabelece, desde logo no n.º 1, que tais apreensões sejam determinadas por despacho judicial, o que decorre do art. 34.º da CRP, sob a epígrafe "Inviolabilidade do domicílio e da correspondência", que estabelece a proibição de toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência, salvos os casos previstos na lei em matéria de processo criminal.

  4. - "O juiz que tiver autorizado ou ordenado a diligência é a primeira pessoa a tomar conhecimento do conteúdo da correspondência apreendida".

  5. - O que se aplica ao correio electrónico já convertido em ficheiro legível, por força da subsequente Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro, o que constitui acto da competência exclusiva do Juiz de Instrução Criminal, nos termos do art. 268.º, n.º 1, alínea d), do CPP.

  6. - Constituindo a sua violação nulidade expressa absoluta e que se reconduz, a final, ao regime de proibição de prova, prevista no art. 120.º, n.º 2, alínea d), do CPP.

  7. - Pelo que, o douto despacho da Mm.ª Juiz deve, em nosso entender, ser revogado, substituindo-se por outro que designe data para abertura de correspondência, sob pena de o meio de prova ser declarado nulo.

  8. - Tendo-se, ainda, em conta que o presente inquérito foi declarado de natureza urgente, atento o perigo de prescrição.

I - 2.) Não coube resposta ao recurso apresentado.

A Mm.ª Juíza proferiu despacho de sustentação.

II - Subidos os autos a esta Relação, a Exm.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer aderindo à motivação apresentada.

* Seguiram-se os vistos legais.

* Tendo lugar a conferência.

Cumpre apreciar e decidir: III - 1.) Tal como decorre das conclusões acima deixadas transcritas, consabidamente definidoras do respectivo objecto, com o recurso apresentado, tem em vista o Ministério Público submeter à apreciação deste Tribunal basicamente a seguinte questão: Envolvendo a apreensão realizada correio electrónico, a quem compete proceder à sua abertura? III – 2.) Confiramos o teor do despacho recorrido: “Pese embora o referido pelo Ministério Público a fls. 1202 dos autos mantenho o decidido a fls. 1195 dos autos.

Devolva ao DIAP”.

Sendo que nesse lugar se havia deixado referido o seguinte: “Atendendo aos elementos já recolhidos, nos autos, indiciam estes a prática de factos suscetíveis de integrar a tipicidade objetiva e subjetiva dos seguintes crimes de fraude fiscal.

Face ao exposto, tendo em conta a natureza dos factos indiciados, as circunstâncias em que se indicia terão sido praticados e com vista ao esclarecimento da factualidade em investigação e à obtenção de prova e por se mostrar necessário, ajustado, proporcional e adequado, face ao fim e considerando a gravidade dos factos e crimes em investigação autorizo a pesquisa informática à caixa de correio eletrônico indicada a fls. 1193, bem como a apreensão e registo de ficheiros provenientes de comunicações eletrônicas ou de quaisquer dados relativos àquelas, existentes em tal caixa de correio, que se mostrem relacionados com os factos em investigação e que possam servir para seu esclarecimento e para prova - cfr. art. 11.º, n.º1, al. c), 15.º, 16.° e 27.° da Lei n.º 109/2009 de 15/9.

D.N.

Devolva ao DIAP.” III – 3.1.) Haverá que convir, que por via deste enunciado, não resulta nítida a questão a discutir - o teor deste segundo despacho, aponta, prima face, para uma autorização de pesquisa informática numa determinada caixa de correio electrónico e para a apreensão de ficheiros ou dados eventualmente aí existentes que possam servir de prova ou esclarecimento dos factos a investigar.

Que no caso em presença, esclareça-se, estão relacionados com um crime de fraude fiscal qualificada.

Tudo indica que no seu desenvolvimento foi autorizada e aparentemente já validada a apreensão, por meio do cumprimento de mandados de busca, de ficheiros referentes a comunicações electrónicas que foram “pesquisados” (julgamos no sentido da sua individualização e inventariação), mas não abertos.

Na tramitação aqui relevante para a discussão do problema, importará reter que em 14/05/2019, o Ministério Público, por referência aos “(…) ficheiros de correio electrónico copiados e que se encontram junto aos autos”, despachou no sentido da sua remessa “à Mm.ª Juiz de Instrução a fim de ser determinada a sua abertura e tomada de conhecimento, determinando-se a junção as autos, caso se mostre relevante, nos termos do artigos 179.º, n.º3, do Código de Processo Penal”.

Que em sua resposta autorizou “o MP a proceder à abertura” dos tais “ficheiros provenientes de correio electrónico e a seleccionar aqueles que considere de interesse para a investigação”.

Recepcionado o processo, a Sr.ª Procuradora-Adjunta insiste na apresentação dos autos à Mm.ª Juiz de Instrução “nos termos dos art.ºs 179.º, 268.º, n.º1, al. d) e 269.º, n.º1, al. d), “a fim de ser tomado conhecimento do teor dos e-mails junto aos autos – no DVD de fls. 1190 – e ordenada a sua junção, caso se mostre relevante para a matéria criminal em apreço”.

O que motiva o despacho de fls. 1195 – o acima transcrito em segundo lugar.

Nova devolução e subsequente apresentação, … com renovação do despacho supra mencionado.

Na sua resposta, coube a promoção que ora se transcreve: “Remeta os autos à Mm.ª Juiz de Instrução esclarecendo-se o seguinte: Encontram-se apreendidos e registados os ficheiros das comunicações electrónicas nos DVDs anexos por autorização prévia judicial nos autos.

Com a promoção de fls. 1193, o que é pretendido é que a Mm.ª Juiz de Instrução tome conhecimento do teor dos e-mails em primeiro lugar, conforme imposição legal, procedendo à abertura dos mesmos e que seja ordenada a sua junção, caso se mostrem relevantes à investigação do ilícito em apreço.

Ora, a Lei do Cibercrime, lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro, a qual transpõe para a ordem jurídica interna a Decisão Quadro n.º 2005/222/JAI, do Conselho da...

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