Acórdão nº 830/19.0T9LRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 05 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelMARIA JOS
Data da Resolução05 de Fevereiro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I. Relatório 1. No âmbito do processo n.º 830/19.0T9LRA, provindo do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, Leiria – Juízo Inst. Criminal – Juiz 3, finda a fase de inquérito o Ministério Público, entendendo carecer de legitimidade para o exercício da ação penal, por inadmissibilidade legal do procedimento, determinou o arquivamento dos autos – [cf. fls. 24 a 25].

  1. Requereu, então, o denunciante a sua admissão a intervir nos autos como assistente e, bem assim, a abertura da instrução, pugnando pela pronúncia a final dos denunciados (…) e (…) pela prática de um crime de burla qualificada – [cf. fls. 28 a 32].

  2. Por despacho judicial proferido em 10.07.2019 veio o requerimento de abertura da instrução a ser rejeitado, ao abrigo do disposto nos artigos 283.º, n.º 3, alínea b) e 287.º, n.ºs 2 e 3, todos do CPP, por inadmissibilidade legal.

  3. Inconformado recorreu o assistente, formulando as seguintes conclusões: 1. O ora Recorrente requereu a Abertura de Instrução com base na discordância face ao arquivamento do Ministério Público, em que, no entendimento deste, se estaria perante um crime particular e não de um crime público, como é convicção do Recorrente; 2. Entende o Recorrente que se está perante um crime público, não dependente de queixa ou acusação -, por se tratar de um crime de burla qualificada – em razão do valor do prejuízo e portanto, entende que não renunciou a qualquer direito de queixa ou acusação; 3. O Recorrente requereu a abertura da instrução para que se determinasse se se estava ou não diante de um crime de burla qualificada e, como tal, dependente de simples denúncia, e, consequentemente, não tendo renunciado a qualquer direito com a dedução do pedido cível prévio; 4. O Tribunal a quo quer impor ao Recorrente, enquanto participante/denunciante que faça mais do que lhe compete, indicando autorias, lideranças, poderes de autoridade, etc. Mas, entende o Assistente, não lhe caber tal função; 5. Mais, relatou o Recorrente na sua participação e no seu RAI tudo quanto sabia.

  4. Concretamente, e contrariamente ao aduzido pelo Tribunal a quo, o Recorrente enumerou/narrou os factos que entende ter de estar por base de uma acusação.

  5. Mais, no RAI, aplicou e enumerou as normas aplicáveis ao caso em análise e mostrando o porquê de se dever considerar a burla como qualificada e, como tal, pronunciar-se os Arguidos.

  6. Não parece ao Recorrente fazer sentido os argumentos aduzidos, quando queria, e quer, o Recorrente ver discutida em instrução a questão de saber se se está perante um crime público ou particular, dependente de denúncia ou acusação particular.

  7. Não se poderá acolher o argumento de que o Recorrente não autonomizou os argumentos de facto e de direito, porquanto, e embora não estando sujeito a qualquer forma, o Recorrente no seu RAI elencou 36 factos, tendo de seguida elencado as normas de direito aplicáveis, como se verá; 10. O RAI do Recorrente continha todos os factos que imputava aos Arguidos e que consubstanciam, na sua opinião crime público, bem como, elencou todas as normas que hajam de ser aplicadas.

  8. O ora Recorrente apresentou o seu RAI ao abrigo do artigo 287.º do CPP, cumprindo com o prescrito no seu n.º 2 e, consequentemente com o artigo 283.º, n.º 3, al. b) e c) do CPP; 12. Discorda o Recorrente com o Tribunal a quo porquanto contrariamente a este, o Recorrente considera ter feito uma narração dos factos que fundamentam a aplicação aos arguidos de uma pena, incluiu na medida do possível – conforme prevê a lei – o lugar, o tempo e a motivação da prática.

  9. Não lhe sendo exigido que adivinhe mais do que sabe, nem qualquer formalidade especial. O que fez o Recorrente, indicando os factos de que tinha efetivo conhecimento. Tudo conforme o artigo 283.º, n.º 3, al. b), por remissão do art.º 287.º, n.º 2 do CPP.

  10. Mais fez, indicando as disposições legais aplicáveis, ou seja, no seu RAI o Recorrente indicou as normas que considerava aplicarem-se ao caso, em concreto o artigo 218.º, conjugado com o artigo 217.º e ainda o artigo 202.º, al. a) do CP.

  11. Pretende o Recorrente a qualificação do crime de burla, por conta do prejuízo elevado e, como tal, a consideração do mesmo como crime público.

  12. E, consequentemente, que se declare que o Recorrente não tenha renunciado ao direito de queixa por não aplicação do 72.º e 116.º do CP.

  13. Assim, contrariamente ao alegado na douta sentença do Tribunal a quo, o Recorrente cumpriu com os requisitos do artigo 287.º, n.º 2 e artigo 283.º, n.º 3, al. b) e c) do CPP, pelo que, decidiu mal aquele Tribunal, devendo a decisão ser revogada e declarada aberta a instrução; 18. Andou mal o Tribunal a quo em decidir como decidiu, urgindo ponderação e decisão diversa da que se plasmou na sentença recorrida.

    Nestes termos e nos melhores de direito, deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser revogado o despacho recorrido e, em consequência, ser admitido o requerimento de abertura de instrução.

  14. Foi proferido despacho de admissão do recurso – [cf. fls. 50].

  15. Em resposta ao recurso o Ministério Público concluiu: A – Através do seu recurso, o recorrente/assistente vem reagir contra o despacho da Mm.ª Juiz de Instrução por inadmissibilidade legal (art.º 287.º, n.º 3, do CPP); B – A não admissão do requerimento para abertura de instrução alicerça-se corretamente, no disposto no art.º 287.º, n.º 3, do CPP, ou seja, na inadmissibilidade legal da instrução; C – Na realidade, o requerimento de abertura de instrução não contém os elementos referidos nos artigos 287.º, n.º 2 e 283.º, n.º 3, alínea b), do CPP; D – No RAI, o assistente enumera as suas razões de discordância relativamente ao arquivamento dos autos e tira conclusões quanto à análise da prova; E – Porém, a descrição dos elementos de facto que caracterizam o crime de burla qualificada é muito “esparsa”; F – Parafraseando a Mm.ª Juiz “Não são alegados factos integradores da intenção inicial de provocar engano, não alega que (…) sabia dos defeitos do veículo e omitiu-os deliberadamente ao assistente, com intenção de o enganar. Também não alega factualidade integradora da astúcia no provocar desse engano …”.

    G – Também no RAI não se descreve a consciência da ilicitude e o conhecimento da proibição e punição por parte dos suspeitos.

    H – O assistente pretende imputar a prática de um crime a dois arguidos sem mencionar se existe coautoria ou autorias singulares.

    I – Para o caso da “coautoria”, não se faz alusão ao eventual plano conjunto e atuação concertada dos arguidos para concretizarem aquele plano.

    J – Os arguidos são uma pessoa coletiva e uma pessoa singular. Contudo, o assistente não descreve “quem, ocupando uma posição de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT