Acórdão nº 18/19.0BEFUN de Tribunal Central Administrativo Sul, 16 de Janeiro de 2020

Magistrado ResponsávelALDA NUNES
Data da Resolução16 de Janeiro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: Relatório O...... & V...... - A......, Lda e AMRAM – Associação de Municípios da Região Autónoma da Madeira interpuseram, cada um e autonomamente, recurso jurisdicional da sentença de 18.7.2019 do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal que julgou a ação de contencioso pré-contratual intentada por V......, Lda parcialmente procedente e, em consequência, (a) anulou o ato de adjudicação da proposta apresentada pela contrainteressada aos lotes nº 10 e nº 11, (b) condenou a entidade demandada a adjudicar a proposta apresentada pela autora aos referidos lotes, (c) absolveu a entidade demandada do pedido de condenação no pagamento de todos os prejuízos resultantes da não adjudicação da proposta apresentada pela autora aos lotes nº 10 e nº 11, no valor de €: 10.830,57.

O...... & V...... recorreram da decisão e concluíram as alegações de recurso nos termos que seguem: «1. O tribunal a quo considerou que o ato de adjudicação padece de invalidade por violação dos artigos 70.º, n.º 2, alínea f), e 146.º, n.º 2, alínea o), do Código de Contratos Públicos, porque no protocolo foi acordado que os serviços serão prestados nas instalações da V......., que é um consultório médico-veterinário e não pode realizar grande cirurgia, nos termos do Decreto-Lei n.º 184/2009, de 11 de agosto.

  1. Assim, extravasou o âmbito de aplicação do artigo 70.º, n.º 2, alínea f), do Código de Contratos Públicos, que se reduz àquilo que rigorosamente se reconduz à fixação das prestações contratuais e dos direitos e obrigações recíprocos assumidos pelas partes.

  2. Os elementos comprovativos de uma conduta ilícita, no caso, a realização de grande cirurgia pelo consultório médico-veterinário, não são fundamento bastante para o descarte da proposta da Contrainteressada, ora recorrente.

  3. A sentença recorrida padece de erro de julgamento, por não ter feito uma correta interpretação e aplicação da norma constante do artigo 70.º, n.º 2, alínea f), do Código de Contratos Públicos e do Princípio da Legalidade da Administração, pelo que deverá a douta sentença proferida pelo tribunal a quo ser revogada.

  4. A Recorrida não alegou o incumprimento, por parte da Recorrente, do disposto na cláusula 10.º, n.º 1, do Programa do Procedimento.

  5. Em face do disposto no artigo 3.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e dos poderes de cognição do tribunal previstos no artigo 95.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, a atender-se ao local da prestação de serviços por forma a considerar-se, de alguma forma, que não foi extravasado o âmbito de aplicação do artigo 70.º, n.º 2, alínea f), do Código de Contratos Públicos, é violado o Princípio do Dispositivo, o que gera a nulidade da decisão judicial (artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).

  6. Ao ter analisado que a proposta da Recorrente cumpria com o disposto nas alíneas j) e k) do n.º 2 da cláusula 10.ª do caderno de encargos, o tribunal incorreu em excesso de pronúncia, por ter apreciado questão que não lhe cabia conhecer, o que configura uma nulidade da sentença (artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).

  7. A informação n.º 10…/DSP…/2015 não tem eficácia externa e não vincula os tribunais – não regula a matéria que versa, nem constitui regra de decisão para os tribunais.

  8. O tribunal a quo reduziu o artigo 5.º, n.º 1, alínea d), do Decreto-Lei n.º 184/2009, de 11 de agosto, à sua primeira parte e desconsiderou a 2.ª parte, que se refere à possibilidade dos consultórios médico-veterinários realizarem outro tipo de cirurgia que não a pequena cirurgia, desde que possuam sala de cirurgia independente, não exigindo nada mais para esse efeito.

  9. O tribunal a quo violou o Princípio da separação de poderes ao substituir-se à Administração – entidade adjudicante – na sua decisão, quando devia limitar-se a verificar se, através da interpretação levada a efeito, ocorria a violação de um qualquer preceito legal, em concreto, a violação do artigo 5.º, n.º 1, alínea d), do Decreto-Lei n.º 84/2009, de 11 de agosto (já que a Recorrida não alegou a existência de erro manifesto ou a adoção de um critério manifestamente desajustado).

  10. Atendendo à letra do artigo 5.º, n.º 1, alínea d), do Decreto-Lei n.º 84/2009, de 11 de agosto, a fim de provar que a ovariohisterectomia não era pequena cirurgia, a autora necessitava de provar que a ovariohisterectomia necessitava de algo mais do que tranquilização ou analgesia que são forma de supressão ou controlo da dor, o que não logrou fazer.

  11. O procedimento de declaração prévia previsto para os consultórios médico-veterinários dá primazia ao Princípio da autorresponsabilização do Requerente.

  12. A interpretação segundo a qual a grande cirurgia exige a penetração ou exposição da cavidade abdominal do animal não tem o mínimo de correspondência com a letra da lei, pelo que é violado o artigo 9.º do Código Civil.

  13. No âmbito do Decreto-Lei n.º 184/2009, de 11 de agosto, só existe pequena e grande cirurgia, pelo que outro tipo de cirurgia terá de encaixar-se no âmbito da grande cirurgia.

  14. As peças do procedimento não exigiam a junção de prova da existência de uma sala de cirurgia independente, a mesma que é referida a propósito das clínicas no artigo 17.º, n.º 2, alínea b), do Decreto-Lei n.º 184/2009, de 11 de agosto.

  15. Ainda que fosse de atender à informação n.º 10.../DSP.../2015, perante a existência de interpretações contraditórias, na parte em que refere o que a DSPA propôs e divulgou, os consultórios médico-veterinários poderiam realizar ovariohisterectomia, por ser uma cirurgia manifestamente simples e de curta duração, como resulta da prova testemunhal produzida nos presentes autos.

  16. A Autora, em momento algum alegou que os consultórios médico-veterinários não eram um CAMV devidamente autorizado para efeitos do Decreto-Lei n.º 184/2009, de 11 de Agosto, designadamente porque sujeitos ao procedimento de declaração prévia, pelo que ao concluir nesses termos, o tribunal a quo incorreu em excesso de pronúncia, o que configura uma nulidade da decisão judicial (artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).

    Caso assim não se entenda: 18. “Devidamente autorizado” não implica que seja previamente autorizado.

  17. Conforme clarifica o doc. n.º 2 junto à contestação da contrainteressada, ora Recorrente, o documento referido na cláusula 12.º, n.º 1, alínea c), do Programa do Procedimento que remete para o artigo 7.º, n.º 2, do Caderno de Encargos, é um documento de habilitação exigido tão-só ao adjudicatário.

  18. O artigo 12.º, n.º 3, do Programa do Procedimento tem natureza regulamentar, pelo que não podia contrariar o Código de Contratos Públicos, pelo que há que dar primazia ao estabelecido neste.

  19. Ao considerar que o documento previsto no artigo 12.º, n.º 1, alínea c), do Programa do Procedimento é um termo ou condição relativo a um aspeto da execução do contrato não submetido à concorrência pelo caderno de encargos, o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, por não ter feito uma correta interpretação e aplicação da norma constante do artigo 91.º, do Código de Contratos Públicos e do Princípio da Legalidade da Administração, pelo que deverá a douta sentença proferida pelo tribunal a quo ser revogada».

    Nestes termos a recorrente pede seja declarada nula a decisão da qual recorre e revogada a sentença recorrida, proferindo-se decisão que absolva a Entidade demandada e a Contrainteressada dos pedidos formulados pela Autora, ora recorrida.

    Nas alegações do recurso que interpôs, a AMRAM – Associação de Municípios da Região Autónoma da Madeira, mesmo depois de ser convidada a sintetizar as conclusões, teve dificuldade em responder ao convite, pelo que, em súmula, a ora recorrente: i) Impugna a decisão sobre a matéria de facto dada como provada, requerendo a alteração do facto provado sob o nº 16 e o aditamento de factos para si relevantes para a decisão da causa; ii) Alega a nulidade da sentença, nos termos do art 615º, nº 1, als c) e d) do CPC, porque o tribunal exige sala de recobro nos consultórios para que estes possam fazer grandes cirurgias, quando a lei se basta com sala de cirurgia independente; o tribunal não se pronunciou sobre a diferença entre um consultório com sala de cirurgia independente e uma clínica; não fundamentou porque a V....... é um consultório sem autorização prévia iii) Alega erro de julgamento de direito na interpretação do art 5º, nº 1, al d) do DL nº 184/2009, porque a única interpretação possível é que nos consultórios permite-se a pequena cirurgia e, desde que possua sala de cirurgia independente, também a grande cirurgia e, no caso, pela planta junta pela contrainteressada, constante do facto 16, a demandada verificou que tal requisito se encontrava preenchido. Pelo que para se exercer grande cirurgia num consultório não é necessária uma sala de recobro, a lei apenas exige sala de cirurgia independente.

    iv) Alega inconstitucionalidade, por o tribunal recorrido deixar de aplicar o art 5º, nº 1, al d) do DL nº 184/2009, e aplicar a interpretação contida num documento administrativo, que disse ser uma norma, mas que não foi precedida do processo legislativo, o que configura uma violação direta da independência dos tribunais – art 203º da CRP – do princípio da legalidade e da proibição de aplicação de normas que violem a CRP – art 205º da CRP.

    v) Alega que o documento que certifica que a entidade é um CAMV autorizado é uma característica que diz respeito à apreciação da qualificação da empresa concorrente e não a uma característica da proposta ou do modo de execução das prestações do contrato. Ao determinar que tal documento...

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