Acórdão nº 30/20 de Tribunal Constitucional (Port, 16 de Janeiro de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Pedro Machete
Data da Resolução16 de Janeiro de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 30/2020

Processo n.º 176/19

2.ª Secção

Relator: Conselheiro Pedro Machete

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1. A., Lda.ª, recorrente nos presentes autos em que são recorridos B. e C., deduziu, por apenso aos autos de execução de sentença, contra si instaurada pelos segundos, incidente de suspeição da juíza titular do processo, requerendo que a mesma fosse afastada da sua tramitação. Após resposta da juíza recusada, nos termos do disposto no artigo 122.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, foram os autos remetidos ao Presidente do Tribunal da Relação de Évora.

Por decisão de 18 de dezembro de 2018 do Vice-Presidente daquele tribunal, foi indeferido o incidente de suspeição e condenada a recusante, ora recorrente, como litigante de má-fé, na multa de 3 (três) UCs, nos termos seguintes:

«Des[t]arte, não havendo motivo para declarar a parcialidade da Mm.ª Juíza do processo, importará ainda averiguar se tal pode ser enquadrado na litigância de má-fé (como se disse supra e segundo o artigo 123.º, nº 3, in fine, do Código de Processo Civil, o juiz terá que ter presente que, “quando julgar improcedente a suspeição, apreciará se o recusante procedeu de má fé”).

Bem se compreende este regime, na medida em que com o levantamento do incidente da suspeição do juiz, coloca-se praticamente tudo em causa: desde logo a independência e imparcialidade do magistrado judicial (matriz e vocação intrínseca do mesmo), a regra do juiz natural na repartição dos processos, vai-se introduzir turbação no trabalho desenvolvido pelo visado, pondo-se em causa afinal a própria administração da justiça. Daí que haja que ver se foram tomadas as devidas cautelas na invocação de tão gravosa matéria – naturalmente, sempre sem obstaculizar a que o incidente possa ser suscitado quando a parte se sinta, efetivamente, lesada com a atuação do juiz.

No anterior Código de Processo Civil era quase automática a subsunção a uma conduta eivada de má-fé quando o incidente fosse julgado improcedente, já que, vindo os casos de suspeição do juiz taxativamente enunciados no seu artigo 127.º, n.º 1, era fácil ao recusante aperceber-se logo da adequação, ou não, dos factos aduzidos ao enquadramento numa das alíneas desse preceito.

Com o novo Código de Processo Civil, a coisa complicou-se neste ponto. É que se introduziu uma cláusula de âmbito geral e os casos descritos nas suas alíneas passaram a meros exemplos da sua verificação (nos termos do seu artigo 120.º, n.º 1, “As partes podem opor suspeição ao juiz quando ocorrer motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade”).

Esta versão já pressupõe uma análise ou trabalho de enquadramento.

Em todo o caso, no presente incidente, não nos surge nenhuma dúvida, salva melhor opinião – e, se as houvesse, sempre se teria que decidir a favor da requerente que a respetiva dedução se deva enquadrar na figura da litigância de má-fé (enquanto conduta eticamente censurável), precisamente dado aquele regime legal dos recursos que não permite ao Juiz decidir logo da sua admissão, antes tendo que esperar pelas contra-alegações da outra parte, ou pelo decurso do respetivo prazo (vide o artigo 638.º, n,º 5, do C.P.C.: “Em prazo idêntico ao da interposição, pode o recorrido responder à alegação do recorrente”, e o seu artigo 641.º, n.º 1, 'ab initio'. “Findos os prazos concedidos às partes, o juiz aprecia os requerimentos apresentados”).

E as partes (rectius, os seus advogados) devem saber desse regime e não vir logo peticionar a suspeição do juiz do processo – que foi aqui um expediente usado apenas para parar o andamento da execução.

Não é admissível que possa concluir-se por qualquer parcialidade do juiz, ou sequer aceitável que a parte, sem arguir qualquer outra factualidade, pudesse legitimamente estar convencida do contrário.

Pelo que será condenada em multa (artigo 27.º, n.º 3, do RCP).»

2. É desta decisão que vem interposto o presente recurso de constitucionalidade, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), «a fim de ver apreciada a seguinte questão de inconstitucionalidade»:

«A interpretação do preceito constante no n.º 3 do artigo 123.º do Código...

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