Acórdão nº 590/17.9T8EVR.E1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Dezembro de 2019

Magistrado ResponsávelMARIA JOÃO VAZ TOMÉ
Data da Resolução17 de Dezembro de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo n.º 590/17.9T8EVR.E1.S2 1.ª Secção Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, I – Relatório 1. AA, na qualidade de herdeiro de CC, intentou, a 28 de março de 2017, ação declarativa comum, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Évora (Juízo Central Cível e Criminal de Évora – J1), com fundamento na responsabilidade civil emergente de acidente de viação ocorrido a 6 de janeiro de 2011, contra BB – Companhia de seguros, S. A.

, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 138 278,06, acrescida de juros de mora.

  1. Alega que CC (entretanto falecido a 9 de novembro de 2011, vítima de assassínio) era transportado num veículo segurado na Ré, conduzido por DD, veículo este que se despistou devido à velocidade a que seguia e à imperícia e imprevidência do condutor. Como consequência do despiste, CC sofreu politraumatismos (craniano, facial, dos membros e coluna vertebral), tendo ficado incapacitado durante muito tempo e havendo sido sujeito a intervenções cirúrgicas e padecido de dores.

  2. Está, pois, em causa uma acção movida pelo pai e alegado herdeiro de uma vítima de um acidente de viação contra a seguradora do veículo onde este era transportado, pelos danos patrimoniais e não patrimoniais por este sofridos decorrentes do sinistro.

  3. O Autor/Recorrente - AA - alegou que o filho - CC - faleceu após o acidente de viação por si sofrido, por causas distintas deste: por parricídio perpetrado pelo seu único filho - DD. Assiste-lhe, assim, legitimidade ativa para a presente acção, já que na altura do falecimento do sinistrado este era divorciado, sendo os seus herdeiros o pai (ora Autor/Recorrente), a mãe (entretanto falecida) e o seu único filho que, em acção de indignidade contra si proposta, confessou não ter capacidade sucessória, tendo a transação aí alcançada sido homologada por sentença judicial.

  4. A Ré/Recorrida – seguradora -, na contestação, para além de ter impugnado os factos, deduziu a exceção perentória de prescrição do direito do autor, com fundamento no decurso do prazo tanto de 3 anos como de 5 anos – art. 498.º, n.

    os 1 e 2, do CC -, no momento em que foi citada – 26 de abril de 2017 -, pronunciando-se, igualmente, sobre as causas de interrupção da prescrição invocadas antecipadamente na petição inicial.

  5. Por saneador-sentença, o Tribunal de 1.ª Instância julgou procedente a exceção da prescrição do direito do Autor e, por conseguinte, absolveu a Ré do pedido.

  6. Por seu turno, o Tribunal da Relação de Évora, na sequência do recurso de apelação interposto pelo Autor, por acórdão proferido sem qualquer voto de vencido, confirmou a sentença recorrida: “Pelo exposto, nos termos supra referidos, decide-se julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.

    Custas pelo Apelante”.

  7. Inconformado, o Autor interpôs recurso de revista excecional, apresentando as seguintes Conclusões: “I. O entendimento vertido no acórdão recorrido, segundo o qual ocorre a prescrição do direito de recorrente de demandar a seguradora no pagamento de indemnização por danos decorrentes de acidente de viação (seguradora essa que havia reconhecido a sua obrigação de indemnizar) com o fundamento de que, entre a data do acidente (ou reconhecimento da obrigação de indemnizar) passaram já mais de 5 anos, não considerando que, durante esses anos esteve pendente o processo crime que condenou o filho do lesado no acidente pelo crime de homicídio doloso na pessoa de seu pai e a acção de declaração de indignidade, contende com valores da nossa ordem jurídica, que em muito extravasam os interesses particulares dos litigantes.

    1. A solução preconizada pelo recorrente para evitar semelhante injustiça – e determinar de forma definitiva o que acontece aos prazos prescricionais no hiato de tempo entre a prática do crime e a declaração de indignidade - é complexa, relevante juridicamente e totalmente nova, com repercussão não só nos presentes autos, mas interesse na sociedade e na aplicação do direito.

    2. Por outro lado, a equiparação do regime da incapacidade do exercício de direitos ou incapacidade de agir à incapacidade sucessória é uma questão de enorme relevo social e cultural.

    3. Aferir que deveres e direitos nascem na esfera daquele cuja actuação determinará a indignidade, que prazos se suspendem e que direitos precludem, entre a data da condenação do crime e a data da declaração da indignidade, mais do que ser questão do interesse pontual deste ou daquele cidadão, é do interesse geral, de toda a sociedade.

    4. Assim sendo, o carácter inusitado e insólito do decido no Acórdão recorrido a tal propósito, aliado ao dos valores em causa, justificam se admita excepcionalmente o presente recurso de Revista.

    5. Entende o recorrente que a excepção de prescrição não deveria ser considerada procedente.

    6. O recorrente só pôde exercer o seu direito a partir do momento em que foi habilitado herdeiro do seu filho (18 de Janeiro de 2017) e só nessa altura pode ser habilitado depois de lavrada a sentença da acção de declaração de indignidade do dia 7 de Dezembro de 2016.

    7. A condição para a declaração de indignidade era a condenação do seu neto DD (definitiva e transitada) pelo crime de homicídio qualificado do seu filho, condenação crime que apenas se tornou definitiva em Janeiro de 2014.

    8. O recorrente não pode representar (sem culpa sua e sem que nada pudesse fazer) o seu filho até à formalização da habilitação de herdeiros. Até essa altura teve de aguardar o desfecho do processo crime e da acção de declaração de indignidade.

    9. A lei qualifica a indignidade como incapacidade sucessória e essa incapacidade terá de ser entendida no igual sentido da capacidade para o exercício de direitos ou capacidade de agir.

    10. Aquando da abertura da sucessão do filho do recorrente, aquele que seria o seu legal herdeiro estava incapaz de lhe suceder por indignidade. Ao cometer o crime de homicídio sobre o seu pai, o referido DD torna-se incapaz para suceder.

    11. O recorrente para poder exercer os seus direitos, para ter capacidade de agir, necessita de obter uma declaração de indignidade do autor do crime. Ainda que a indignidade opere automaticamente, só a sua declaração a torna eficaz e oponível na ordem jurídica, e tal declaração só se tornou possível depois do trânsito em julgado da sentença penal, a qual só veio a tornar-se definitiva em Janeiro de 2014.

    12. A declaração de indignidade apenas foi declarada a 07 de Dezembro de 2017. Até essa data, o recorrente estava impedido de agir em juízo como representante do seu filho. Até essa data, o recorrente não tinha capacidade de agir.

    13. Determinando o artigo 2037º do Código Civil que declarada a indignidade, a devolução da sucessão ao indigno é havida como inexistente, temos forçosamente de considerar que o prazo que decorreu desde a data da abertura da sucessão até à da declaração de indignidade é também inexistente.

    14. Operando a inexistência é como se o prazo não tivesse corrido. Como se o prazo prescricional decorrido desde a data do óbito até a declaração de indignidade nunca tivesse acontecido, sendo que, se assim se entender, então o direito do recorrente não se encontra ainda prescrito.

    15. Considerando-se que a indignidade opera aquando do acto ilícito significa que, a partir dessa data, apesar de ainda não declarada judicialmente, essa incapacidade já existe.

    16. Empregando por analogia o regime prescricional aplicável aos incapazes, previsto no artigo 320º do Código Civil, dir-se-á que a prescrição não deve começar nem correr enquanto não for habilitado quem represente o autor da sucessão e, portanto, o direito do recorrente não se encontra ainda prescrito.

    17. Existe uma lacuna jurídica (caso omisso) quando uma determinada situação, merecedora de tutela jurídica, não se encontra prevista na Lei. A questão de saber-se se os prazos prescricionais correm enquanto se determina e declara a incapacidade sucessória do indigno não tem qualquer previsão legal, o que legitima o recurso à analogia.

    18. Decidir que a pretensão indemnizatória devia ter sido exercida pelo autor do crime, que, quando finalmente adquire a capacidade de suceder nos direitos do seu filho o recorrente não pode mais peticionar a indemnização pelos danos sofridos por esse seu filho por prescrição desse direito (recordando-se que o tempo decorrido foi o necessário à resolução do processo crime e acção de declaração de indignidade), que o prazo prescricional corre e não se interrompe enquanto o recorrente não tem legitimidade ou capacidade para o exercício do direito é intolerável, inaceitável para uma consciência ética e de valores e afronta de uma forma clamorosa aquilo que a moralidade e os bons costumes exigem.

    19. O direito tem limites internos cuja ultrapassagem é a entrada no não direito. É o abuso do direito tal como o define o art.334º do Código Civil XXI. A douta decisão recorrida violou, s.m.o, o disposto nos artigos , 10º, 320º, 334º, 2036º e 2037º do Código Civil, que deveriam ter sido interpretados de acordo com o alegado nas presentes conclusões de recurso.

    Assim sendo, revogando V.as Ex.as o Acórdão recorrido e substituindo-o por decisão que julgue improcedente a excepção de prescrição invocada pela Ré, estarão fazendo inteira justiça”.

  8. A Ré apresentou contra-alegações com as seguintes Conclusões: “Da não admissibilidade da Revista Excepcional 1. Contrariamente ao defendido pelo Recorrente, a questão objecto dos presentes autos não se afigura de manifesta dificuldade ou complexidade, não se suscitando quaisquer dúvidas na aplicação do...

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