Acórdão nº 0173/17.3BEBJA de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 11 de Dezembro de 2019

Magistrado ResponsávelPAULO ANTUNES
Data da Resolução11 de Dezembro de 2019
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo I. Relatório I.1.

A………, Lda., identificada nos autos, interpõe recurso da sentença exarada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, em 21/09/2018, que negou provimento aos recursos que intentara de decisões interlocutórias e decisões finais proferidas em diversos processos de contraordenação que a condenou em coima, por falta de pagamento do IVA e entrega do IRS retido.

I.2.

Aduziu alegações que terminou com as seguintes conclusões: I. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que condenou a sociedade arguida; II. O presente recurso é circunscrito à questão da violação do direito de defesa da sociedade arguida; III. Em relação a esta questão, entende a Recorrente que o Tribunal “a quo” quanto ao exercício do direito de defesa da sociedade arguida em processo de contra ordenação, decidiu ao arrepio do entendimento perfilhado por toda a jurisprudência; IV. É entendimento uniforme de toda a jurisprudência, que a ausência do arguido em relação à sua defesa, não é só a ausência física mas também a ausência processual, no sentido da impossibilidade do exercício do direito de defesa; V. A consequência de tal vício, é equiparável à ausência do arguido, nos casos em que a lei exige a respectiva comparência; VI. A ausência processual do arguido no sentido da impossibilidade do exercício do direito de defesa, conduz a que tais garantias, fiquem irremediavelmente prejudicadas; VII. O pleno exercício do direito de defesa no processo contra ordenacional, tem hoje consagração constitucional no n.° 10 do Art.° 32° da CRP e vem previsto no Art.° 71° do RGIT; VIII. Tais garantias, consagradas constitucionalmente, só se tornam efectivas, tornando nulo, de forma insanável, o acto em que esses direitos não tenham sido respeitados; IX. Porém, entendimento diverso teve a Meritíssima juiz “a quo” na sentença recorrida, ao manter as várias decisões administrativas, sem que a sociedade arguida, em qualquer fase do processo, tivesse a possibilidade de se defender e de apresentar as provas que julgasse pertinentes ao exercício do seu direito; X. A Meritíssima juiz “a quo”, na sentença recorrida, ao manter as várias decisões administrativas, sem que a sociedade arguida, ora Recorrente, em qualquer fase do processo, tivesse a possibilidade de se defender e apresentar provas, violou o seu direito de defesa; XI. Abrindo assim a via do presente recurso; XII. A decisão de aplicação da coima deveria ter sido tomada apenas e só, após a inquirição das testemunhas; XIII. Com o que isso significa de falha na decisão de um elemento de prova relevante para a defesa; XIV. O direito de defesa que, no caso concreto, não só foi violado pela não inquirição das testemunhas, como não foram indicadas razões bastantes para justificar a desnecessidade de inquirição; XV. “O dever de fundamentação das decisões judiciais não se cumpre com a indicação de uma qualquer razão, mas com o enunciado das razões que seguindo um caminho de lógica jurídica apontem para uma verdadeira outorga da tutela jurisdicional efectiva.

XVI. Os Juízes existem nos tribunais para dirimirem conflitos em conformidade com a lei, com obrigação de efectuar todo o esforço intelectual possível para que não seja denegada a tutela jurisdicional efectiva. Quando não aceitam uma pretensão que lhe é presente têm que ter o particular cuidado de explicar o raciocínio lógico que seguiram para a parte ficar ciente da sua falta de razão, sendo que a autoridade das XVII. decisões judiciais, assente na lei deve emergir delas próprias, do seu conteúdo, da sã utilização dos conceitos jurídicos e não ser imposta por forças ou interesses exteriores à relação material controvertida em que o Juiz não tem qualquer interesse próprio, sendo um terceiro imparcial chamado a dirimir o conflito em conformidade com a lei.” Texto constante da decisão sumária do Supremo Tribunal Administrativo de 23.03.2017, tirado do Recurso de Contra Ordenação n.° 539/16-30, subscrito pelo signatário; XVIII. A Meritíssima juiz “a quo” ao decidir sobre a violação do direito de defesa, enuncia em síntese, a falta de violação do direito, com o cumprimento pela AI de todas as notificações que permitiriam o exercício do direito por parte da Recorrente; XIX. Limita-se pois a enunciar o cumprimento da letra da lei, no que diz respeito a todas as notificações para o exercício do direito, sem explicitar o raciocínio lógico que seguiu para sustentar o indeferimento da inquirição das testemunhas e com isso, a Recorrente entender e compreender, a “falta de razão que lhe assiste”; XX. A falta de fundamentação da sentença tem também tratamento específico na lei processual penal, estatuindo o Art.° 379°, alínea a), que é nula a sentença que não contiver as menções referidas no Art.° 374°, n.° 2, ambos do mesmo CPP; XXI. Revisitemos pois o tema suscitado na parte inicial deste segmento da Reclamação, fazendo-se lembrar que quanto a este ponto em concreto, faltou ao Meritíssimo juiz “a quo” ter o especial cuidado de explicar o raciocínio lógico que seguiu para que a Recorrente ficasse ciente da improcedência dos seus recursos e consequentemente da sua falta de razão; XXII. Face ao exposto, nos termos conjugados do Art.° 64°, n.° 4 do RGCO com o Art.° 374°, n.° 2 e 379°, n.° 1, alínea a), ambos do CPP, aplicável por força do Art.° 41°, n.° 1 daquele Regime, a douta sentença sob recurso é nula, por falta de fundamentação; XXIII. O n° 10 do artigo 32° da CRP é claro na afirmação de que o arguido em processo contra-ordenacional tem o direito de defesa, norma directamente aplicável por dizer respeito a direitos fundamentais — Art.° 18° n.° 1 da CRP; XXIV. Essas violações concretizam-se numa nulidade, a prevista na alínea d) do n° 2 do artigo 120° do Código de Processo Penal e essa nulidade foi tempestivamente arguida pela recorrente; XXV. Conforme emanado do Assento n.° 1/2003 de 28.11.2002, publicado no DR 21 Série I-A, de 2003-01-25, que fixou jurisprudência nos seguintes termos: XXVI. “Quando, em cumprimento do disposto no artigo 50.º do regime geral das contra-ordenações, o órgão instrutor optar, no termo da instrução contraordenacional pela audiência escrita do arguido, mas, na correspondente notificação, não lhe fornecer todos os elementos necessários para que este fique a conhecer a totalidade dos aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, o processo ficará doravante afectado de nulidade, dependente de arguição, pelo interessado/notificado, no prazo de 10 dias após a notificação, perante a própria administração, ou, judicialmente, no acto de impugnação da subsequente decisão/acusação administrativa.” XXVII. A interpretação dada pela sentença sob recurso ao Direito de Defesa da sociedade arguida em processo contra ordenacional, cuja letra da lei, resultante do Art° 70° e 71° do RGIT e do Art.° 50° do RGCO conjugados com o n.° 10 do Art.° 32° da Constituição da República Portuguesa (CRP), padece de inconstitucionalidade, cuja arguição aqui se deixa alegada para todos os efeitos e cominações legais; XXVIII. Aliás, a mencionada interpretação do preceito legal, conflitua com o princípio da investigação e da descoberta da verdade material, ínsitos no Código de Processo Penal, “ex vi” Art.° 3° alínea b) do RGIT e Art.° 41° do RGCO; XXIX. Ao indeferir a audição das 3 testemunhas indicadas pela ora recorrente, com o fundamento abstracto e genérico, sem conteúdo concreto, a AT fez uma interpretação dos normativos então invocados, o Art.° 50° do RGCO e Art.° 70° e 71° ambos do RGIT desconformes à “Lex Fundamentalis”; XXX. Daqui resulta que, ao não inquirir as testemunhas arroladas, com base, apenas, naquela interpretação das normas em referência, desconforme à Constituição, nos termos em que se deixou alegado e ao não consignar, nos autos, de modo fundamentado, as concretas razões pelas quais tais audições eram indeferidas e quais as concretas razões porque tais inquirições se revelavam desnecessárias para a decisão a proferir no processo e dessa forma justificando a não realização das diligências probatórias, devida e atempadamente requeridas pela arguida no âmbito do seu direito, constitucionalmente consagrado, de defesa em processo contra-ordenacional, impõe-se concluir, ter sido violado o direito de defesa desta; XXXI. Ocorrendo a nulidade de todo o procedimento a partir da apresentação da defesa pela arguida com a consequente nulidade da decisão administrativa e dos actos posteriores, dela decorrente, tudo, nos termos conjugados do Art.° 50º do RGCO, com o Art.° 70° e 71º, ambos do RGIT e com o Art.° 32° n.° 10 da CRP, e ainda com o Art.° 61°, n.° 1 alínea g) e o Art.° 119° n.° 1 alínea c), ambos do Código de Processo Penal, (CPP) “ex vi” alínea b) do Art.° 3° do RGIT e Art.° 41° do RGCO; Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas. Doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e em consonância revogada a decisão recorrida, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.

I.3.

O Magistrado do Ministério Público, junto do TAF de Beja veio responder, concluindo o seguinte: 1º - O presente recurso, interposto da douta sentença proferida em 21/09/2018, que julgou improcedentes os recursos de impugnação judicial de fixação das coimas à arguida, circunscreve-se à questão relativa à invocada violação do direito de defesa da arguida, na parte em que foi proferida a decisão de aplicação da coima sem que a arguida tivesse possibilidade de exercer esse direito.

  1. - Entendemos não se ter verificado a invocada violação do direito de defesa da arguida que de algum modo pudesse conduzir à nulidade da decisão de aplicação da coima.

  2. - Na realidade, em todos os processos de contraordenação a arguida foi corretamente notificada para o exercício do direito de defesa, exerceu-a, e em todos foi proferido despacho a indeferir a defesa exercida e determinado o prosseguimento dos autos, sempre devidamente fundamentados.

  3. -...

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