Acórdão nº 367/14.3PATNV.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 19 de Dezembro de 2019

Magistrado ResponsávelRENATO BARROSO
Data da Resolução19 de Dezembro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA 1. RELATÓRIO A – Decisão Recorrida No processo comum singular nº 367/14.3PATNV, da Comarca de Santarém, Juízo Local Criminal de Torres Novas, foi condenada a arguida CC, pela prática de um crime de homicídio por negligência, p.p., pelo Artº 137 nº1 do C. Penal, na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa à taxa diária de € 7,00 (sete euros), o que perfaz a multa global de €.

1.050,00 (mil e cinquenta euros).

Mais foi condenada na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 12 (doze) meses.

Foi ainda julgado parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelos demandantes LP e HP, e, consequentemente, condenada a demandada A. Seguros, S.A., a pagar-lhes o valor global de € 263.000,00 (duzentos e sessenta e três mil euros), discriminado nos seguintes valores: - € 75.000,00 a título de dano de privação da vida, a favor dos demandantes, enquanto herdeiros de LM; - € 25.000,00 a título de danos morais, a favor da viúva/demandante LP; - € 25.000,00 a título de danos morais, a favor do filho/demandante HP; - € 138.000,00 a título de dano patrimonial futuro, a favor dos demandantes.

Inconformadas com o assim decidido, recorreram a arguida e a demandada.

Por esta Relação veio a ser proferido acórdão em que se declarou a nulidade da sentença recorrida, a ser suprida pelo tribunal a quo, com a elaboração de nova decisão em que se suprisse as deficiências apontadas, que tinham a ver com a determinação do limite de velocidade existente no local, a velocidade a que circularia o motociclo da vítima e quais os meios de prova usados pela instância sindicada para a definição destas matérias.

Em cumprimento do assim decidido, pela 1ª instância foi proferida nova sentença, em que a arguida CC voltou a ser condenada, quer crime, quer civilmente, nos precisos termos atrás expostos.

B – Recursos Ainda inconformadas com o assim decidido, voltaram a recorrer a arguida e a demandada.

B.1.

Recurso da arguida A arguida concluiu as respectivas motivações da seguinte forma (transcrição): A) A douta decisão recorrida condenou a Recorrente pela prática de um crime de homicídio por negligência, p. e. p pelo Art.º 137.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 7,00 (sete euros), perfazendo o montante total de € 1.050,00 (mil e cinquenta euros) e, na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 12 (doze) meses; B) A ora Arguida foi ainda condenada no pagamento de 4 (quatro) UC’s de taxa de justiça e demais custas criminais; C) Os factos ocorreram no dia 20 de Setembro de 2014, entre as 16h30 e as 17h00, no entroncamento da Estrada da Sapeira, com a Avenida do Bom Amor, em Torres Novas (EN 349), ao Km 79,100, no sentido norte/sul; D) Entendeu o Tribunal a quo que resultou provado que a ora Arguida “ (…) ao pretender mudar de direção para a esquerda, iniciou a referida manobra sem esperar que os veículos, que circulavam na via por onde pretendia entrar, passassem, e, assim, fazendo-o em segurança.”; E) Mais entendeu o Tribunal a quo que resultou provado que a ora Arguida não se certificou que, na via por onde pretendia passar a circular, não circulavam outros veículos com prioridade de passagem e, “…Por esse motivo, o motociclo conduzido por LM embateu no veículo conduzido pela Arguida “.(Pontos 7 e 8 dos Factos Provados); F) Por esse motivo, o Tribunal a quo também considerou provado que “Em virtude do choque mencionado, LM, foi projetado do veículo que conduzia, tendo sofrido várias lesões traumáticas crâniomeningoencefálicas, toracoabdominopélvicas e dos membros superiores e inferiores, que foram causa direta e necessária da sua morte.” (Ponto 11 dos Factos Provados); G) Acresce que, resultou igualmente provado que “A 16/10/2014, por colheita recebido no Serviço de Química e Toxicologia do Centro foi apurada, no já cadáver LM, uma quantificação de etanol no humor vítreo por GC/FID*Humor Vítreo, de 1,23 g/l.

” (Ponto 38 dos Factos Provados); H) Resulta da douta sentença condenatória que o Tribunal a quo “formou a sua convicção com base na análise crítica do conjunto da prova produzida, cotejada com as regras da experiência comum, tudo analisado em e si e entre si.”; I) No entanto, salvo o devido respeito e melhor opinião, se o Tribunal a quo tivesse atendido aos elementos probatórios constantes dos autos, não poderia, em primeiro lugar, ter considerado que não foi “produzida a prova necessária, mesmo que indireta, para podermos concluir que foi o facto de LM conduzir com uma taxa de álcool no sangue de 0,6 g/l a causa do evento assinalado.” e, em segundo lugar, dar como não provado, o facto de LM circular em excesso de velocidade, designadamente, a uma velocidade superior a 90 Km/hora (Ponto H dos Factos Não Provados); J) Através do relatório elaborado pelo serviço de química e toxicologia forenses (fls. 75) apurou-se uma quantificação de etanol no humor vítreo do cadáver de LM de 1,23 g/l; K) Com efeito, conforme resulta do relatório de autópsia médico-legal a fls. 71 a 74 verso, foi efetuada uma colheita de amostras de humor vítreo para pesquisa de álcool etílico e drogas de abuso no cadáver de LM “em virtude de não ter sido possível obter sangue femural devido às perdas hemorrágicas significativas resultantes das múltiplas lesões” que sofreu; L) Por esse motivo e, tendo em consideração que existe uma substancial variabilidade na taxa de conversão do álcool em humor vítreo em concentração de álcool no sangue, o serviço de patologia forense utilizou uma proposta cientificamente fundamentada no artigo científico intitulado Uncertainly In estimating blood etanol concentrations by analysis of vitreous humour, pulicado em 2001 na Revista Journal of Clinical Pathology, de que “se a concentração de álcool no humor vítreo for dividida a metade, o valor obtido traduzirá, para além da dúvida razoável, um valor de alcoolémia que não seria superior ao valor real, reportado ao momento da morte.”; M) Ora, no caso em apreço, o serviço de patologia forense concluiu por uma taxa de alcoolémia de, pelo menos, 0,6g/l; N) Isto significa que no momento do sinistro objeto dos presentes autos, LM conduzia o seu motociclo com uma taxa de álcool no sangue de, pelo menos, 0,6 g/l, ou seja, superior ao permitido por lei e configurando a prática de uma contra-ordenação grave à luz do Art.º 145.º, n.º 1, alínea l) do Código da Estrada; O) O Tribunal a quo considerou como boa a taxa de álcool de 0,6 g/l no organismo da vítima no momento da sua morte, contudo entendeu que mesma não se mostra, por si só, bastante para concluir que LM contribuiu para a produção do sinistro do qual resultou a sua morte; P) É comumente sabido que a ação do álcool no sistema nervoso origina efeitos nefastos que prejudicam o exercício da condução, assumindo especial relevância os seguintes: · Audácia incontrolada (frequente estado de euforia, sensação de bem estar e de otimismo, com a consequente tendência para sobrevalorizar as próprias capacidades, quando, na realidade, estas já se encontram diminuídas); · Perda de vigilância em relação ao meio envolvente (capacidades de atenção e concentração do condutor ficam diminuídas); · Perturbação das capacidades sensoriais, particularmente as visuais (a presença de álcool no sangue reduz a acuidade visual, quer para perto, quer para longe e leva à alteração dos contornos dos objetos, quer estáticos, quer em movimento. A visão estereoscópica é prejudicada, ficando o condutor incapaz de avaliar corretamente as distâncias e as velocidades. A visão noturna e crepuscular fica reduzida. O tempo de recuperação após encandeamento aumenta. Estreitamento do campo visual. O campo visual vai diminuindo com a eliminação progressiva da visão periférica (lateral) podendo, com o aumento da intoxicação alcoólica, chegar à visão em túnel); · Perturbação das capacidades percetivas (A identificação da informação, recebida pelos órgãos dos sentidos, fica prejudicada e torna-se mais lenta. Aumenta o tempo de reação. Lentificação da resposta reflexa e diminuição da resistência à fadiga); Q) Note-se que, estudos efetuados sobre o campo de visão, comprovam que a uma velocidade estabilizada, o condutor sofre uma redução de cerca de 30% com uma TAS de 0,50 g/l; R) Mais, está demonstrado que é mais perigoso um condutor que ingeriu uma qualquer bebida alcoólica em quantidades pequenas ou moderadas do que o que está declaradamente embriagado, uma vez que este último não tentará conduzir, enquanto que o primeiro sim, está convencido que se encontra em ótimas condições, sobrestima as suas faculdades e inclina-se a correr riscos no preciso momento em que as suas capacidades já se encontram reduzidas devido aos efeitos do álcool contido na bebida.

S) Na verdade, mesmo com valores pouco elevados de TAS, as capacidades necessárias para uma condução segura já se encontram diminuídas muito antes do estado de embriaguez ser atingido; T) Conforme refere e bem o douto Tribunal a quo “ (…) a comunidade científica está tendencialmente de acordo relativamente à influência e relação entre o exercício da condução após consumo de álcool e o risco de envolvimento em acidente mortal, que aumenta exponencialmente à medida que cresce a concentração de álcool no sangue.”; U) Acrescenta ainda o douto Tribunal a quo que “ (…) uma taxa de álcool no sangue de 0,50 g/l aumenta 2 vezes o risco de acidente mortal,”; V) Saliente-se que, no momento do sinistro, LM conduzia o seu motociclo com uma taxa de álcool no sangue de, pelo menos, 0,6 g/l, portanto, com uma audácia incontrolada, com perda de vigilância em relação ao meio envolvente, com perturbação das capacidades sensoriais, nomeadamente, as visuais e, com perturbação das capacidades percetivas; W) A condução sob o efeito e/ou a influência do álcool constitui, só por si, facto notório que o condutor conduzia com uma...

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