Acórdão nº 2/19.3YFLSB de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Dezembro de 2019

Magistrado ResponsávelMARIA DA GRAÇA TRIGO
Data da Resolução10 de Dezembro de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça I – Relatório 1.

AA, Juiz …, veio impugnar a deliberação do Conselho Superior da Magistratura (CSM) de ..., tomada no âmbito do processo disciplinar, nos termos da qual foi aplicada ao demandante “a pena de 15 (quinze) dias de multa pela prática de uma infração disciplinar de execução permanente por violação dos deveres funcionais de prossecução do interesse público (neste caso especificamente na vertente de atuar no sentido de criar no público a confiança em que a justiça repousa) e de zelo - cfr. artigos 82º, 85º, nº 1, al. b), 87º e 92º do Estatuto dos Magistrados Judiciais e 73º, nºs 1, 2, alíneas a) e e), 3 e 7, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei nº 35/2014, de 20 de Junho, “ex vi” dos artigos 32º e 131º do Estatuto dos Magistrados Judiciais”.

Para tanto alegou, em síntese, o seguinte: - Os factos provados não correspondem à realidade, no sentido de demonstrarem a intenção do demandante de provocar o arrastamento do processo judicial nº68/06....; - Verificou-se a prescrição do procedimento disciplinar uma vez que, à data da instauração do inquérito, já decorrera o prazo de 60 dias, a contar do conhecimento da infracção, para a instauração do processo disciplinar ou do processo de inquérito; - Ocorre vício de fundamentação; - Ocorre erro na apreciação dos pressupostos jurídico-factuais: (i) Por não se verificar o tipo objectivo de ilícito; (ii) Por ser inexigível ao demandante outro comportamento; - De qualquer forma, a sanção aplicada sempre terá de ser atenuada em função do princípio da proporcionalidade; - Invoca que interpretação diferente violaria tanto o princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva constitucionalmente consagrados, como o direito a um processo equitativo reconhecido no nº 1 do artigo 6º da Constituição Europeia dos Direitos do Homem.

Termina pedindo que: a) Seja declarada a prescrição do procedimento disciplinar com a consequente declaração de nulidade da deliberação impugnada; b) Subsidiariamente seja a deliberação impugnada declarada nula ou anulada por erro manifesto na apreciação da prova e dos pressupostos jurídico-factuais.

  1. O CSM deduziu resposta a sustentar o seguinte: - A título de enquadramento, alega que neste meio contencioso não cabe ao Supremo Tribunal de Justiça reapreciar o mérito, conveniência ou oportunidade do acto administrativo e a sua substituição por outro, devendo circunscrever-se a apreciar os elementos vinculados, como sejam a competência, a forma, as formalidades de procedimento, o dever de fundamentação, o fim do acto, a utilização de critério racional e razoável, assim como os princípios constitucionais que norteiam o exercício da actividade administrativa, designadamente os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade; - Não se verifica a alegada prescrição do procedimento disciplinar uma vez que, de acordo com os factos apurados, o momento em que a conduta do demandante ganhou relevância disciplinar corresponde à data de 20/09/2017, data que (já) não estava compreendida no período considerado na inspecção extraordinária; - Mas, ainda que assim não se entenda, o momento relevante a ter em conta para efeitos de contagem do prazo de prescrição é a data da cessação da conduta omissiva, ou seja, a data da decisão (17/04/2018); - Não se verifica o invocado vício de fundamentação; - A respeito do alegado erro sobre os pressupostos de facto, alega que o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) não é uma verdadeira segunda instância para reapreciação da matéria de facto, cingindo-se a sua intervenção à apreciação da matéria de direito; - Não tem o demandante razão ao invocar erro na apreciação dos pressupostos jurídico-factuais por não verificação do tipo objectivo de ilícito, na medida em que, na deliberação recorrida, se procedeu a uma rigorosa subsunção dos factos provados ao direito e se concluiu que os mesmos preenchem os tipos legais de infracção disciplinar punível com pena de multa, consubstanciada na violação dos deveres profissionais de prossecução do interesse público e de zelo, prevista e punível nos termos conjugados dos artigos 82º, 85º, nº 1, alínea b), 87º e 92º do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ) e do artigo 73º, nº 1, nº 2, alíneas a) e e), nº 3 e nº 7 da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LGTFP), aprovada pela Lei nº 35/2014, de 20 de Junho, aplicável ex vi artigos 32º e 131º do EMJ; - Tampouco se verifica erro na apreciação dos pressupostos jurídico-factuais por inexigibilidade de comportamento diferente, uma vez que, de acordo com os factos dados como provados, não resulta demonstrada uma insuperável impossibilidade objectiva de adopção de comportamento distinto daquele que foi adoptado, antes resulta demonstrado que tal comportamento se deveu a uma falta de cuidado no estudo, preparação e tramitação do processo, considerando todo o circunstancialismo profissional; - Tendo em conta a escala de penas e das situações que justificam a aplicação da pena de multa, atenta a gravidade dos factos apurados, o grau de culpa do demandante, os aspectos relativos ao modo como ocorreu a tramitação do processo, bem como a inexistência de factores atenuantes especiais, a pena de 15 dias de multa aplicada é justificada e adequada, não violando o princípio da proporcionalidade; - Por fim, não se vislumbram, nem o demandante o indica, que tanto a deliberação como a interpretação das normas aplicadas desrespeitem normas constitucionais.

    Termina pedindo que se julgue improcedente a impugnação da deliberação.

  2. Posteriormente, o demandante apresentou alegações em que, perante o teor da resposta do demandado, suscita questão prévia relativa à natureza do presente meio contencioso e, quanto ao mais, reitera no essencial os fundamentos e a argumentação inicialmente invocados. Formula as seguintes conclusões: “1) A tramitação do recurso dos autos tem de ser a da ação administrativa (de impugnação de atos) regulada no CPTA com as especificidades constantes dos artigos 168º a 178º do EMJ; 2) Outra interpretação traduzir-se-ia, por um lado, num "privilégio" (inconstitucional) do Conselho Superior da Magistratura relativamente a outros altos órgãos da Administração Pública e até dos órgãos de soberania do Estado, designadamente Presidente da República, Assembleia da República e seu Presidente, Conselho de Ministros, Primeiro-Ministro, Tribunal Constitucional e seu Presidente, Presidente do Supremo Tribunal Administrativo, Tribunal de Contas e seu Presidente, além de outros [cfr. artigo 24º, nº 1, alínea a), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais]; 3) Por outro lado, os magistrados judiciais e outros eventuais interessados deixariam de ter tutela jurisdicional efetiva quanto aos atos do CSM; 4) Ou seja, tal interpretação, além do mais, violaria, por um lado, o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva constitucionalmente consagrados e, por outro lado, o direito a um processo equitativo, consagrado no nº1 do artigo 69 da Constituição Europeia dos Direitos do Homem; 5) Neste sentido, assim tem sido a mais recente jurisprudência do...

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