Acórdão nº 90/18.0YFLSB de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Dezembro de 2019

Magistrado ResponsávelMANUEL AUGUSTO DE MATOS
Data da Resolução10 de Dezembro de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

* Acordam no Supremo Tribunal de Justiça – Secção do Contencioso: I - RELATÓRIO 1.

AA, Juíza ..., designada como Recorrente, vem impugnar a deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura, doravante designado por CSM, de … de … de …, que determinou: (i) "(...) ratificar o despacho do Exmo. Sr. Vice-Presidente deste Conselho de ..., que concordou com o teor da proposta do Exmo. Sr. Inspector Judicial Extraordinário, Juiz Conselheiro Dr. ..., relativamente à determinação da conversão do processo de inquérito n.° .../IN em processo disciplinar à Exma. Sra. Juíza ...AA"; (ii) "(...) remeter os autos ao Exmo. Sr. Inspector Judicial Extraordinário, Juiz Conselheiro Dr. ..., para prosseguir com a instrução dos mesmos".

Com os fundamentos sintetizados nas conclusões que se transcrevem: «CONCLUSÕES.

  1. O presente recurso tem por objecto a deliberação do Plenário do CSM de ..., que determinou a conversão do inquérito em procedimento disciplinar e determinou a imediata prossecução da sua instrução.

  2. O EMJ não contém disposição relativa a prazos de prescrição, aplicando-se subsidiariamente, nos termos do disposto no artigo 131.° do EMJ, as normas da LGTFP.

  3. O artigo 178.°, n.° 2 da LGTFP determina que o direito de instaurar o procedimento disciplinar prescreve no prazo de 60 dias sobre o conhecimento da infracção por qualquer superior hierárquico.

  4. Deve entender-se que o superior hierárquico é, in casu, o Plenário do CSM, ao mesmo cabendo, em exclusivo, o poder para exercer a acção disciplinar relativamente a magistrados judiciais que exerçam funções em tribunais superiores (Supremo Tribunal de Justiça e Relações), 5. O artigo 178.°, n.° 3 da LGTFP determina, porém, que o prazo prescricional de 60 dias se suspende, por um período até seis meses, em virtude da instauração de processo de inquérito.

  5. O Plenário do CSM tomou conhecimento da putativa infracção a 6 de Fevereiro de 2018, data em que deliberou ratificar o despacho que determinava a instauração do processo de inquérito n.° .../IN e a suspensão preventiva de funções da Recorrente.

  6. O processo inquérito deve considerar-se instaurado a ... de ... de 20....

  7. Por efeito da instauração do inquérito, suspendeu-se, durante um período até seis meses, o prazo de 60 dias para exercício do direito de instaurar procedimento disciplinar.

  8. Tal prazo de seis meses, contado da data em que o Plenário tomou conhecimento da putativa infracção, terminou a ... de ...de 20....

  9. Finda a suspensão, deve o prazo de 60 dias previsto no artigo 178.°, n.° 2 da LGTFP, começar a contar a 7 de Agosto, terminando, por conseguinte, a ... de ... de 20..., devendo considerar-se o direito prescrito no dia imediatamente seguinte.

  10. A ... de .. de 20.., o Exmo. Senhor Inspector Judicial Extraordinário propôs ao CSM a instauração de procedimento disciplinar à Recorrente e a imediata suspensão desse mesmo procedimento disciplinar até ao trânsito em julgado de decisão finai que venha a ser proferida no processo crime n.º 19/16.0....

  11. O Exmo. Senhor Vice-Presidente do CSM, por despacho datado de 1 de Outubro, veio concordar com o teor do relatório final proferido no processo de inquérito, determinando a instauração do procedimento disciplinar e a imediata suspensão do procedimento.

  12. O Plenário do CSM, por seu turno, deliberou, a ... de ... de 20..., o seguinte: (i) a conversão do inquérito em procedimento disciplinar; (ii) a remessa dos autos para imediata prossecução da respectiva instrução.

  13. O conteúdo material do acto do Plenário difere do conteúdo de ambos os actos que o antecedem, que pugnam pela instauração, ex novo, de um procedimento disciplinar.

  14. A deliberação do Plenário também não acolheu a suspensão do procedimento disciplinar, determinando, pelo contrário, o prosseguimento dos autos.

  15. Inexiste qualquer acto de ratificação por parte do Plenário, porquanto este adoptou uma deliberação de conteúdo substancialmente diverso.

  16. A deliberação do Plenário do CSM é adoptada depois do término do prazo de prescrição do direito de instaurar procedimento disciplinar.

  17. O Exmo. Senhor Vice-Presidente do CSM só pode deliberar, de forma válida e eficaz, a instauração de procedimento disciplinar contra a Recorrente se tal poder lhe pudesse ser e tivesse sido delegado.

  18. Do artigo 158.° do EMJ resulta que a competência para instauração do procedimento disciplinar não é delegável, omitindo a lei, intencionalmente, qualquer referência à faculdade de delegação daquele poder.

  19. O Exmo. Senhor Vice-Presidente não tem, nem pode ter, poder para instaurar procedimento disciplinar à ora Recorrente, cabendo tal poder, em exclusivo, ao Plenário do CSM.

  20. O poder para instaurar procedimento disciplinar só foi exercido, por quem de direito, a ..., data em que já se encontrava prescrito o direito de instaurar procedimento disciplinar.

  21. Requer-se, assim, que seja declarado prescrito, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 178.°, n.

    os 2 e 3 da LGTFP, aplicável ex vi do artigo 131.° do EMJ, o direito de instaurar o procedimento disciplinar contra a ora Recorrente.

  22. Ainda que assim não se entendesse, sempre deveria existir válida delegação de poderes no Vice-Presidente do CSM, o que não sucedeu.

  23. Da análise dos instrumentos de delegação de poderes em vigor, resulta que o poder para instaurar procedimentos disciplinares não foi - como não podia ser - delegado no Vice-Presidente do CSM, pelo que este, de harmonia com o disposto no artigo 154.°, n.° 1 do EMJ, não tinha competência para instaurar procedimento disciplinar contra a Recorrente.

  24. Este é também o entendimento plasmado no artigo 44.°, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo, que determina que, inexistindo habilitação legal para a delegação de poderes, a mesma não pode validamente ter lugar.

  25. Não se diga que o Exmo. Senhor Vice-Presidente do CSM poderia determinar a instauração do procedimento disciplinar com fundamento no disposto no artigo 158.°, n.º 1, alínea g) do EMJ, uma vez que o referido normativo diz respeito a assuntos de carácter urgente, o que não é o caso.

  26. O artigo 158.º do EMJ, fazendo expressa menção à possibilidade de delegação dos poderes de instauração de processos de inquérito e sindicâncias, é omisso quanto à instauração de procedimento disciplinar, o que significa que a lei não pretendeu que este último fosse passível de delegação.

  27. Não pode contornar-se o sentido objectivo da lei por via da aplicação do artigo 158.°, n.º 1, alínea b) do EMJ, de carácter residual e sem aplicação ao caso vertente, uma vez que os factos que constam do relatório final elaborado pelo Exmo. Inspector Judicial Extraordinário já eram do conhecimento do mesmo há largos meses, correspondendo aos factos que constam do despacho de aplicação de medidas de coacção proferido no âmbito do processo n.º 19/16.O..., despacho que foi oportunamente notificado ao CSM, nos termos do disposto no artigo 199.°, n.º 2 do Código de Processo Penal.

  28. Inexiste qualquer razão de urgência que possa justificar a prolação, por parte do Exmo. Senhor Vice-Presidente, de um despacho que versa sobre um tema para cuja decisão o mesmo não dispõe de competência legal.

  29. Reitera-se, assim, que seja declarado prescrito, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 178.°, n.

    os 2 e 3 da LGTFP, aplicável ex vi do artigo 131.° do EMJ, o direito de instaurar o procedimento disciplinar contra a ora Recorrente.

  30. Sem conceder quanto ao que antecede, impõe-se, a título subsidiário, aferir da admissibilidade da conversão do processo de inquérito em procedimento disciplinar.

  31. Muito embora o relatório final e o despacho de 1 de Outubro de 2018 nada mencionem quanto à aplicação do artigo 135.° do EMJ, a deliberação sob recurso determina a conversão.

  32. A conversão, contudo, não pode ter aplicação no nosso caso, porquanto nunca a Recorrente foi ouvida em inquérito, volvidos mais de nove meses desde a sua instauração.

  33. O processo de inquérito não poderá assim constituir parte instrutória do procedimento disciplinar, devendo a deliberação sob recurso ser declarada nula, por violação do disposto no artigo 135.° do EMJ e, bem assim, por violação do disposto no artigo 124.°, n.º 1 do EMJ, aplicável ex vi do artigo 133.° do mesmo diploma legal.

    Termos em que deverá ser concedido provimento ao presente recurso, determinando-se, em consequência, que: a) Seja declarado prescrito, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 178.°, n.

    os 2 e 3 da LGTFP, aplicável ex vi do artigo 131.° do EMJ, o direito de instaurar o procedimento disciplinar contra a ora Recorrente; b) Subsidiariamente, caso assim não se entenda, seja declarada nula a deliberação sob recurso, por violação do disposto no artigo 135.° do EMJ e, bem assim, por violação do disposto no artigo 124.°, n.º 1 do EMJ, aplicável ex vi do artigo 133.° do mesmo diploma legal».

  34. Respondeu o CSM dizendo em síntese: «[…] sendo indiscutível e aceite que o Exm.º Vice-Presidente não dispunha de competência para proferir o despacho de instauração do processo disciplinar, houve a necessidade de suprir a falta desse pressuposto – competência própria ou delegada – o que se verificou mediante a ratificação do referido despacho pelo Plenário do CSM – órgão competente para a decisão».

    Quanto à instauração do inquérito, «o Exm.º Vice-Presidente dispunha de poder subdelegado – determinação de inquérito – tal decisão considerou-se ab initio válida e eficaz, sem necessidade de ratificação».

    Já não assim relativamente à instauração de processo disciplinar determinada por despacho do Exm.º Vice-Presidente de .... que «carece de suprimento da invalidade por incompetência relativa para a prática do acto, o que veio a acontecer mediante deliberação do Conselho Plenário de ...».

    A ratificação do despacho do Exm.º Senhor Vice-Presidente, por parte do Plenário do CSM, representa, pois, a confirmação, a adoção ou mesmo a perfilhação do teor do despacho, bem como a assumpção da autoria do...

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