Acórdão nº 764/19 de Tribunal Constitucional (Port, 12 de Dezembro de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Mariana Canotilho
Data da Resolução12 de Dezembro de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 764/2019

Processo n.º 1057/19

2.ª Secção

Relatora: Conselheira Mariana Canotilho

Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Évora, A. e B. vieram apresentar reclamação, nos termos do n.º 4 do artigo 76.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (doravante designada por LTC), do despacho proferido por aquele tribunal que, em 19 de setembro de 2019, não admitiu o recurso interposto para o Tribunal Constitucional.

2. Os aqui reclamantes interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Évora da decisão de 1.ª instância, pugnando pela alteração da matéria de facto e sindicando a ponderação vertida nessa decisão, no que se refere ao direito à saúde dos recorrentes e ao direito de tapagem da recorrida, peticionando a revogação da sentença proferida. Por acórdão datado de 27 de junho de 2019, este tribunal julgou parcialmente procedente o recurso, condenando «a Ré alterar a localização dos pilares de suporte de modo ou tomar medida equivalente de modo a permitir a abertura do recetáculo onde está colocado o contador da água, obra essa a realizar igualmente no prazo de 60 (sessenta) dias, mantendo-se no mais a decisão recorrida».

3. Inconformado com esta decisão, dela vieram os recorrentes interpor recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, referindo (fls. 92):

«Tal decisão ao optar pelo direito de tapagem da Ré [viola] o disposto nos artigos 64º, 65º e 66º da Constituição, i.é., o direito à saúde dos A.A. e à saúde de quem habite a casa e que pressupõe que esta tenha o mínimo de conforto e salubridade, sem humidades vindos do exterior.

Efetivamente, na presente ação, existe uma colisão entre o direito de tapagem da Ré (arts 1356º do Código Civil) e o direito dos A.A. à saúde (arts 64º 65º e 66º da C.R.P.), pelo que neste conflito deve prevalecer o direito à saúde dos A.A., que se deve considerar superior, dada a sua dignidade constitucional, como, aliás, consta das alegações dos recorrentes onde na al. g) das conclusões desse recurso se alegou o seguinte:

g) - O direito da Tapagem da Ré - arts 1356º do C. Civil - e o direito à saúde dos Autores e de quem habita a casa, que pressupõe que esta tenha o mínimo de conforto, e salubridade, sem humidades vindas do exterior, direito este como dignidade constitucional (arts 64º 65º e 66º da Constituição da República Portuguesa) encontram-se aqui em conflito, devendo prevalecer o direito dos A.A. como direito superior».

Por despacho de 19 de setembro de 2019, no Tribunal da Relação de Évora, o relator indeferiu o requerimento de interposição de recurso afirmando (fls. 98-99):

«O recorrente fundamenta a sua pretensão no teor da alínea g) das conclusões de recurso apresentadas para o Tribunal da Relação de Évora. Porém, não se está perante um caso em que tenha sido aplicada uma norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, como bem evidencia o recorrido no seu requerimento autónomo de pronúncia sobre o presente objeto.

Efetivamente, no plano axiológico-normativo, não se poderá confundir o apelo à dignidade constitucional de uma norma em ordem a perfectibilizar a supremacia de um bem protegido sobre outros numa situação de colisão de direitos com a apreciação da compatibilidade constitucional de um ato legislativo.

Na realidade, a questão decidenda situava-se na esfera de proteção da colisão de direitos - entre outro argumentário apresentado - mas aquilo que foi decidido pelo Tribunal da Relação de Évora não incidiu sobre a apreciação da constitucionalidade de qualquer norma nem houve uma invocação prévia de inconstitucionalidade nos termos exigidos pela jurisprudência estabilizada do Tribunal Constitucional».

Em síntese, não admitiu o recurso com base na ausência de carácter normativo da questão suscitada.

4. Notificados da decisão que não admitiu o recurso, os recorrentes apresentaram reclamação, nos termos do n.º 4 do artigo 76.º da LTC. Nessa sede, os recorrentes – ora reclamantes – reiteraram (fls. 6):

«Portanto

parece bem claro que os A.A. alegaram que o art. 1356° do C. Civil não podia ser interpretado e aplicado como, aliás, foi no sentido da Ré ver reconhecido o direito de tapar a fachada da casa de habitação dos A.A., pois estes estavam protegidos pelo disposto nos arts...

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