Acórdão nº 8923/18.4T8LSB.L1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 18 de Dezembro de 2019

Magistrado ResponsávelAMÉLIA REBELO
Data da Resolução18 de Dezembro de 2019
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa I - Relatório M….. instaurou a presente ação declarativa de processo comum contra L…., S.A., pedindo seja declarada nula ou anulada a deliberação tomada pela Assembleia Geral da ré na sua reunião de 13 de Abril de 2018, tendo por objeto “a perda da qualidade de sociedade aberta da L… S.A., nos termos e para os efeitos do artigo 27.°, n.° 1, alínea b) do Código dos Valores Mobiliários, e consequente atribuição de poderes a qualquer dos membros do Conselho de Administração da Sociedade para praticar qualquer dos atos necessários ou convenientes à plena execução dessa deliberação”.

Em síntese, fundamenta a anulabilidade da deliberação invocando: 1) Impedimento ilegal de participar e votar na assembleia geral pelo Presidente da Mesa, com fundamento em divergência entre o número de ações (200) bloqueadas pelo intermediário financeiro para efeito de participação da autora na Assembleia Geral (AG) e o número de ações (100) que em sede de declaração que previamente remeteu à ré a autora declarou querer utilizar para exercer os seus direitos políticos.

2) Recusa injustificada de prestação das informações que pretendia obter na AG, nos termos do art. 290º, nº 1 do CSC, decorrente do facto de ter sido impedida de nela participar.

3) Violação do princípio do tratamento igual dos acionistas e vantagem a um em detrimento de outros, concretizado: i) no facto de a autora ter sido impedida de participar na AG pelo Presidente da assembleia, ao mesmo tempo que permitiu que outros acionistas o fizessem, apesar de ambos preencherem os mesmos pressupostos necessários à sua participação.

ii) no facto de a deliberação em causa permitir ao oferente, acionista da ré, escudar-se na condição de o valor justo da oferta ser estabelecido num intervalo que o mesmo define para cumprir com a obrigação prevista no artigo 27.° do CVM, ao mesmo tempo que aumenta o risco dos restantes acionistas destinatários da oferta perante tal condição, e o aprisionamento dos mesmos numa sociedade dominada a mais de 98% pela oferente.

4) Fundamenta a nulidade da deliberação alegando que por força do estabelecido no artigo 27.°, nº 3 al. a) do CVM a deliberação tem como consequência uma oferta pública (nos termos do artigo 109º, nº 1 do CVM) e que, a sua sujeição à condição de, em momento algum do processo de perda da qualidade de sociedade aberta, não vir a ser fixada uma contrapartida mínima, devida aos acionistas minoritários da Luz Saúde que não votem favoravelmente a deliberação ora proposta, superior a € 5,75 (cinco euros e setenta e cinco cêntimos) por ação da Luz Saúde, salvo no caso de a Fidelidade vir a aceitar pagar uma eventual contrapartida mais alta que venha a ser fixada no âmbito de tal processo, viola os artigos 119.°, n.° 1, al. b) e 124.° n.° 3 e 4 do CVM e constitui fraude à lei já que o artigo 27.°, n.°s 1 e 3, conjugado com o artigo 188.°, visa que os acionistas titulares das ações remanescentes que não votem favoravelmente a deliberação possam receber o justo valor pela venda das suas ações perante um evento corporativo desta natureza.

Citada a ré apresentou contestação pedindo a improcedência da ação, alegando, em síntese, que: 1), 2) e 3) A autora não foi impedida de assistir à Assembleia Geral, apenas lhe foi vedado o exercício do direito ao voto com fundamento no artigo 385.° do Código das Sociedades Comerciais, norma que impõe ao acionista um dever de “votar unitariamente com o peso do voto correspondente à totalidade das suas ações” e impede o fracionamento do seu voto.

4) A oferta de aquisição de valores mobiliários resultante do artigo 27.°, n.° 3, alínea a) do CVM nada tem que ver com ofertas públicas, está sujeita a um regime especial, e em lugar algum é qualificada como oferta pública, quer expressamente quer por remissão para o regime das últimas. Designadamente, dos efeitos da perda da qualidade de sociedade aberta listados no artigo 29.º do CVM não consta o dever de lançar uma oferta pública de aquisição das ações detidas pelos acionistas que não votassem favoravelmente a deliberação de perda da qualidade de sociedade aberta e, se assim fosse, tal estaria necessariamente previsto naquele artigo; se a oferta prevista no artigo 27.°, n.° 3, do CVM consubstanciasse uma oferta pública não faria qualquer sentido a remissão contida no n.° 4 daquele artigo pela qual o legislador manda aplicar a regra prevista no regime das ofertas públicas para a fixação da contrapartida devida pelos valores mobiliários; tratando-se de uma oferta pública teria sido necessário cumprir uma série de formalidades, incluindo a aprovação de prospeto, o que não sucede neste caso. Mais alega que, ainda que consubstanciasse oferta pública de aquisição de ações, a condição aposta em nada afetaria a validade da deliberação de 13 de abril posto que é a própria deliberação da perda de qualidade de sociedade aberta que está sujeita a condição e não a oferta feita aos acionistas que votem contra a deliberação de perda da qualidade de sociedade aberta, que as ofertas públicas podem ser sujeitas a condições, nos termos do disposto no artigo 124.° do CVM, e que o mecanismo de oferta previsto no artigo 27.° do CVM visa tutelar os acionistas que não votem favoravelmente a decisão de perda da qualidade de sociedade aberta, nos termos do art. 188º do CVM, permitindo-lhes desinvestir sem ser prejudicados pela desvalorização dos seus títulos ou pela submissão a um regime de negociação caracterizado por uma menor liquidez, que necessariamente existe após a perda de qualidade de sociedade aberta.

Notificada da contestação a autora apresentou requerimento formulando pedido de condenação da ré como litigante de má fé em multa a favor do Tribunal e em indemnização a favor a autora em valor nunca inferior a €30.000,00 a título de honorários do mandatário da autora e demais prejuízos por esta sofridos com a presente ação e resposta ao comportamento da ré, e o que fundamenta alegando que na sua contestação a ré alterou a verdade dos factos ou omitiu factos relevantes para a decisão, a saber, omitiu que 100 das 200 ações que à ré foram comunicadas pelo intermediário financeiro não eram providas com direito de voto por não terem sido comunicadas nos termos do contrato da sociedade, e a ré afirma que nesta a autora alega que o seu representante foi impedido de assistir à assembleia geral, o que da leitura atenta da petição resulta não ser verdade porque o que a autora diz é que foi impedida de participar e votar na assembleia geral de 13 de abril, e assim se passou porque o Presidente da Mesa expressamente não concedeu à autora a possibilidade de exercer o seu direito de voto e, consequentemente e expressamente, de participar na discussão da proposta e votação, que é diferente de assistir.

A ré respondeu ao pedido de litigância de má fé concluindo pelo seu indeferimento alegando, em síntese, que os fundamentos aduzidos pela autora correspondem a matéria atinente com o mérito da ação, ou com a falta dele, e a posições de direito que a autora toma como óbvias e adquiridas e não o são.

Foi realizada audiência prévia, no âmbito da qual foi identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.

Realizada audiência de julgamento com produção de prova na sessão realizada no dia 14.03.2018 e prestação de alegações orais na sessão realizada em 03.05.2018, foi proferida sentença que julgou a ação improcedente e condenou a autora no pagamento das custas.

Inconformada a autora recorreu formulando as seguintes conclusões: 1. A recorrente interpõe o presente recurso por entender que o Tribunal a quo não fez a melhor e mais correta interpretação da prova produzida nos autos, seja a testemunhal seja a documental, tendo dado como provado erradamente, total ou parcialmente, a matéria constante dos “Factos Provados" n.° 12 (em parte), n.° 13 (em parte e quanto ao alcance que de tal facto se deveria extrair) e dado, também erradamente, como não provada a matéria de facto constante dos “Factos não provados” n.°s 1 e 2 (sendo que o ponto 2 comporta necessariamente o ponto 1), e n.°s 6 a 8 da douta sentença recorrida.

  1. Em consequência dessa errada decisão da matéria de facto acima referida, o Tribunal a quo, ao invés de julgar procedente a ação, julgou-a improcedente, e, em consequência, absolveu a Ré do peticionado.

  2. No entender do recorrente, face á prova produzida, nomeadamente à documental, se devidamente apreciada, era expectável que o Tribunal recorrido julgasse a ação procedente e condenasse o recorrido nos exatos termos em que foi peticionado pela Autora “que declare nula, ou anule, consoante a qualificação dos vícios que resultar do julgamento, a deliberação tomada pela Assembleia Geral da L…., SA, na sua reunião de 13 de Abril de 2018, tendo por objeto «a perda da qualidade de sociedade aberta … S.A., nos termos e para os efeitos do artigo 27.°, n.° 1, alínea b) do Código dos Valores Mobiliários, e consequente atribuição de poderes a qualquer dos membros do Conselho de Administração da Sociedade para praticar qualquer dos atos necessários ou convenientes à plena execução dessa deliberação.» ".

  3. Decantando os factos provados n.°s 2 a 8 e n.°s 10 a 12 temos que: a. para além da qualidade substancial de sócia da Ré (que é indiscutível, no caso), a Autora satisfez todos os requisitos formais estabelecidos no n.° 3 do artigo 23.°-C do CVM, a que está sujeito "quem pretenda participar em assembleia geral de sociedade emitente de ações admitidas à negociação em mercado regulamentado" e no contrato da sociedade da ré, pelo que estava em condições de participar, por intermédio do seu representante, na discussão e exercer o seu voto relativamente às 100 ações de que era titular; b. mas foi impedida de exercer o seu direito de voto pelo presidente da mesa da assembleia geral da sociedade ré.

  4. Perante esta factualidade assente é forçoso concluir que a acionista, aqui Autora, ao ser impedida de...

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