Acórdão nº 602/16.3GBVVD.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17 de Dezembro de 2019

Magistrado ResponsávelAUSENDA GON
Data da Resolução17 de Dezembro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I – Relatório No identificado processo, a arguida M. C.

foi submetida a julgamento e condenada, por sentença proferida e depositada a 2/5/2019, como autora material de um crime de difamação, p. e p. pelo art. 180º, n.º 1 do C. Penal, na pena de 70 (setenta) dias de multa à taxa diária de € 15,00 (quinze euros) e, ainda, a pagar a I. M., a título de indemnização por danos não patrimoniais a esta causados com a sua conduta, a quantia de € 200 (duzentos euros), acrescida de juros de mora à taxa de 4%, desde a data da decisão, até integral pagamento.

Inconformada com o decidido, a arguida interpôs recurso, pugnando pela sua absolvição, cuja motivação rematou com as seguintes conclusões (transcrição): «(…) III. Ora o Tribunal deu como provada a referida factualidade exclusivamente com base em depoimentos indiretos, porquanto nunca nenhuma das testemunhas ouvidas afirma ter ouvido a arguida proferir as acusações de que está acusada.

  1. Nos termos do artigo 129º do CPP “Se o depoimento resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, o juiz pode chamar estas a depor. Se o não fizer, o depoimento produzido não pode, naquela parte, servir como meio de prova, salvo se a inquirição das pessoas indicadas não for possível por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem encontradas.” V. O A. P. e o M. S. não foram ouvidos quer em sede de inquérito quer em audiência de julgamento, nem tão pouco o Tribunal ou o Ministério Público requereram a sua inquirição, pelo que o depoimento indirecto não pode ser valorado nessa parte.

  2. Acresce que, o F. S. foi ouvido em sede de audiência de discussão e julgamento e confirmou que a acusação era falsa, e que a irmã M. C. nunca lhe tinha dito nada do que constava na acusação, VII. Assim como também a mencionada M. P., foi ouvida em audiência de discussão e julgamento, tendo negado de forma peremptória que a arguida alguma vez tenha dito que a assistente era ladra.

  3. Logo, o Tribunal fez uma errónea aplicação do direito, porquanto desconsiderou o plasmado no artigo 129º do CPP, sendo certo que uma correcta aplicação da norma implicaria a não valoração dos depoimentos indirectos prestados pelas testemunhas G. P., A. P., pela própria assistente e até pelas testemunhas do pedido cível.

  4. A testemunha F. S., o ouvido por iniciativa da arguida, negou de forma cabal que alguma vez tenha questionado a assistente sobre a conta no Luxemburgo e negou também que alguma vez tenha dito ou ouvido dizer que esta alguma vez tenha chamado ladra à assistente - depoimento da testemunha F. S., gravado no sistema citius, dia 23/04/19, ficheiro 20190423163242_5589195_2870598.wma, minutos 01:20 a minutos 25:24 X. A testemunha M. P., que a sentença considerou provado ter dito à testemunha G. P. que a arguida tinha dito que a assistente era uma ladra, porquanto tinha acedido a uma conta dos pais no Luxemburgo de onde tinha retirado 6.000,00€, negou que a arguida alguma vez tenha proferido tal expressão - depoimento da testemunha M. P., gravado no sistema citius, dia 10/04/19 ficheiro 20190410164342_5589195_2870598.wma, minutos 01:10 a minutos 22:00 XI. Ora, se as próprias fontes de ciência negam alguma vez terem ouvido a arguida dizer as expressões de que vem acusada, assim como negam alguma vez terem dito à assistente ou a outras testemunhas que a arguida M. C. teria proferido tais expressões, nunca poderia o Tribunal dar como provada a factualidade constante dos pontos 1 e 2 dos factos provados.

  5. Acresce que, o Tribunal valorou o depoimento da testemunha G. P. como verdadeiro, quando a mesma prestou declarações manifestamente divergentes com as que havia prestado em sede de inquérito, motivando que o Exmo. Sr. Procurador requeresse a leitura das declarações prestadas em sede de inquérito, atentas as discrepâncias evidenciadas. – cfr. acta de audiência de discussão e julgamento de 10-04-2019 e minutos 06:00 e seguintes do depoimento gravado sistema citius, dia 10/04/19, ficheiro 20190410152709_5589195_2870598.wma, minutos 00:44 a minutos 27:21 XIII. A necessidade de se confrontar uma testemunha com as declarações anteriormente prestadas em sede de inquérito, é realmente um factor que apenas pode ser interpretado como motivo de dúvida e desconfiança, contudo para o Tribunal recorrido foi interpretado exactamente ao contrário.

  6. Acresce ainda que, essa mesma testemunha G. P. em sede de acareação entre si e a testemunha M. P. – gravado no sistema citius, dia 10/04/19, ficheiro 20190410164342_5589195_2870598.wma, minutos 24:50 a minutos 26:56 – disse: “Eu estive contigo no rio malheira e disseste que a I. M. dizia mal de mim e que recebia um molho de notas assim, ..... E que tinhas que te levantar às seis da manhã, enquanto ela estava com o cu alapado na cama até ao meio dia, foi mesmo assim. Que foi buscar 5 mil euros ao Luxemburgo e que a M. C. disse que até as camas articuladas foi ela que as pagou.

  7. Ou seja, em momento algum a referida G. P. diz que a M. P. disse que a M. C. tinha dito, antes diz que a própria testemunha M. P. teria dito.

  8. Realidade que se repetiu na acareação entre a testemunha G. P. e a testemunha F. S., gravada no sistema citius, dia 23/04/19, ficheiro 20190423163242_5589195_2870598.wma, minutos 29:11 a minutos 35:50, onde diz: “Sim, Dra. Juíza, eu ouvi o meu ex-marido ene vezes dizer em casa que a irmã era uma ladra que foi à conta do pai buscar 5 mil euros.” XVII. E dessa acareação resultou ainda mais: “G. P.

    : É mentira, é mentira, eu só deixei de ter contacto em 2017, quando tu voltas-te a sair, mas já antes, 2015, 2014, 2013 eu ouvi essa conversa: a minha irmã é uma ladra, só quer dinheiro.

    F. S.: Mas ouvis-te a dizer quem? G. P.: Tu, tu.

    ..” XVIII. Ouvindo com um mínimo de atenção as declarações prestadas pela testemunha G. P. em sede de acareação e percebemos de forma clara, evidente, simples e transparente que a mesma se limita a acusar, quer a testemunha M. P., quer a testemunha F. S., de terem sido os próprios a proferir afirmações referentes à assistente.

  9. A testemunha G. P., em sede de acareação com a testemunha F. S., repete por diversas vezes que aquele F. S. dizia mal da I. M. e todos os outros. Mas nunca diz que o F. S. lhe disse que a M. C. tinha dito.

  10. Por outro lado, arguida M. C. negou a prática dos factos – depoimento gravado sistema citius, dia 10/04/19, ficheiro 20190410143917_5589195_2870598.wma, minutos 07:25 a minutos 19:00 XXI. Enquanto a assistente se limitou a dizer que outras pessoas lhe disseram que a arguida tinha dito, depoimento indirecto – depoimento gravado sistema citius, dia 10/04/19, ficheiro 20190410145903_5589195_2870598.wma, minutos 01:00 a minutos 27:21 XXII. E a já mencionada testemunha G. P. - depoimento gravado sistema citius, dia 10/04/19, ficheiro 20190410152709_5589195_2870598.wma, minutos 00:44 a minutos 27:21 – assumiu que estava de relações cortadas com a arguida.

  11. E repetiu aquela testemunha ainda (minuto 04:43 da mencionada gravação): “... e nesse contexto a gente às vezes chateava-se e ele dizia, ela é uma ladra, e até à conta do meu pai ela foi buscar dinheiro”.

  12. Apesar de instada pelo Exmo. Sr. Procurador: “Certo, o que lhe perguntei agora foi, o seu marido comentou consigo essas expressões, sem e consegue dizer quando é que elas tiveram lugar, poderia comentar consigo, olha encontrei-me com a Sra. M. C. ali ou acolá” XXV. A testemunha G. P. não deixou margem para dúvidas: “ ahh não, não, não! Não tinha nada a ver com isso, tinha simplesmente a ver comigo e com ele. Ele não defendia a I. M., ele atacava a I. M., assim num contexto de conversa.” (minuto 05:01 da mencionada gravação) XXVI. A arguida M. C. não pode ser condenada por aquilo que as testemunhas M. P. e F. S. possam ter dito da assistente, só porque esta se lembrou de imputar as afirmações de terceiros à arguida.

  13. Por último a testemunha M. S., marido da arguida, depoimento gravado no sistema citius, dia 23/04/19, ficheiro 20190423161014_5589195_2870598.wma, minutos 02:40 a minutos 17:50, esclareceu também que nunca a sua esposa proferiu a palavra “ladra” reportando-se à irmã I. M..

  14. Revela-se assim evidente que os depoimentos das testemunhas G. P. (depoimento gravado sistema citius, dia 10/04/19, ficheiro 20190410152709_5589195_2870598.wma, minutos 00:44 a minutos 27:21), M. P. (gravado no sistema citius, dia 10/04/19 ficheiro 20190410164342_5589195_2870598.wma, minutos 01:10 a minutos 22:00), F. S. (gravado no sistema citius, dia 23/04/19, ficheiro 20190423163242_5589195_2870598.wma, minutos 01:20 a minutos 25:24) e M. S. (gravado no sistema citius, dia 23/04/19, ficheiro 20190423161014_5589195_2870598.wma, minutos 02:40 a minutos 17:50), as declarações da arguida (gravado sistema citius, dia 10/04/19, ficheiro 20190410143917_5589195_2870598.wma, minutos 07:25 a minutos 19:00) e bem assim as duas acareações realizadas, uma entre a testemunhas G. P. e a testemunha M. P. (gravado no sistema citius, dia 10/04/19, ficheiro 20190410164342_5589195_2870598.wma, minutos 24:50 a minutos 26:56) e outra entre a testemunha G. P. e a testemunha F. S. (gravada no sistema citius, dia 23/04/19, ficheiro 20190423163242_5589195_2870598.wma, minutos 29:11 a minutos 35:50) impunham necessariamente que fossem considerados como não provados os pontos 1 e 2 dos factos provados.

  15. Sendo certo que como refere Figueiredo Dias, o princípio da livre apreciação não pode de modo algum querer apontar para uma apreciação imotivável e incontrolável – e portanto arbitrária – da prova produzida, XXX. Pelo que, a “livre” ou “íntima” convicção do juiz não pode ser uma convicção puramente subjectiva, emocional e portanto imotivável.

  16. Dado o exposto afigura-se evidente que as conclusões a que chegou o Tribunal a quo na sentença recorrida, são infundadas e sem qualquer suporte factual, pelo que devem os pontos 1 e 2 serem considerados não provados e em consequência ser a sentença...

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