Acórdão nº 01644/18.0BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 13 de Dezembro de 2019

Magistrado ResponsávelHelena Canelas
Data da Resolução13 de Dezembro de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I. RELATÓRIO A. M. A. F. P.

(devidamente identificada nos autos) instaurou em 09/07/2018 no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga ação administrativa contra o FUNDO DE GARANTIA SALARIAL, IP (igualmente devidamente identificado nos autos) na qual impugnou o despacho do Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial que indeferiu o pedido de pagamento de créditos emergentes da cessação do contrato de trabalho, peticionando que o mesmo fosse anulado ou, pelo menos, julgado ineficaz, com todas as legais consequências, e o réu condenado à prática do ato devido, concedendo à autora procedência ao requerimento por esta formulado em 20/04/2016, e condenado a pagar-lhe a quantia por aquela peticionada naquele seu requerimento, acrescido de juros contabilizados desde 20/05/2016 até efetivo e integral pagamento.

Por sentença (saneador-sentença) datada de 28/02/2019 a Mmª Juíza do Tribunal a quo julgou a ação improcedente, absolvendo o réu do pedido.

Inconformada a autora interpôs o presente recurso de apelação (que se mostra tempestivo face à autoliquidação e respetivo pagamento da multa devida, nos termos do artigo 139º do CPC, ex vi do artigo 1º do CPTA – cfr. fls. 494 SITAF), pugnando pela sua procedência, com condenação do recorrido, a final, à pratica do ato devido, anulando-se ou, pelo menos, julgando-se ineficaz o ato impugnado, formulando as seguintes conclusões, nos seguintes termos: i. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida nos autos supra referenciados, em 28-02-2019, segundo a qual o Tribunal a quo decidiu: «Nos termos e com os fundamentos acima expostos, julgo improcedente, a presente acção administrativa e, em consequência, absolvo o Réu Fundo de Garantia Salarial do pedido.

» (sic).

ii. A sentença recorrida assenta, em suma, não seguinte entendimento (errado) do Tribunal a quo: (i) o contrato de trabalho que uniu a Autora/Recorrente à entidade patronal em causa teria cessado em 28-08-2014 (facto 3. dado como provado) e, por isso, (ii) «Os créditos laborais da Autora venceram-se na data da cessação do contrato de trabalho, ou seja, em 28-08.2014, pelo que denota-se que tais créditos não se venceram nos seis meses anteriores à propositura da acção de insolvência – 11.03.2016.

» (sic, sublinhado nosso).

iii. Acrescenta ainda o Tribunal a quo que «Mesmo a indemnização pelo despedimento ilícito, bem como, todas as retribuições que a Autora deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão que declarou a ilicitude do despedimento no dia 30.04.2015 (facto provado 4.), estão fora do período de referência.

», o que afirma com base na mesma premissa de que os créditos da Recorrente se teriam vencido na data da cessação do contrato reportada a 28-08-2014.

iv. No entanto, não é assim, por um lado, porque os créditos laborais que a Recorrente pretendeu ver pagos pelo Réu/Recorrido não se venceram em 28-08-2014, e, por outro, os créditos laborais em causa estão abrangidos pelo período de referência.

A- Do erro de julgamento independentemente da necessária alteração à decisão factual v. Sem prejuízo da alteração que se impõe à decisão factual contante da sentença (como adiante se verá circunstanciadamente) mesmo que se a decisão quanto aos factos, a sentença proferida, ainda assim, não se poderia manter na ordem jurídica por erro de julgamento.

É que: vi. O Tribunal a quo afirma na sentença proferida: «Por sua vez, o artigo 2.° do mesmo DL, dispõe que: Artigo 2.° Créditos abrangidos 1- Os créditos referidos no n.° 1 do artigo anterior abrangem os créditos do trabalhador emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação.

[…] 4 – O Fundo assegura o pagamento dos créditos previstos no n.° 1 que se tenham vencido nos seis meses anteriores à propositura da ação de insolvência ou à apresentação do requerimento no processo especial de revitalização ou do requerimento de utilização do procedimento extrajudicial de recuperação de empresas.

5- Caso não existam créditos vencidos no período de referência mencionado no número anterior ou o seu montante seja inferior ao limite máximo definido no n.° 1 do artigo seguinte, o Fundo assegura o pagamento, até este limite, de créditos vencidos após o referido período de referência.

[…] 8 - O Fundo só assegura o pagamento dos créditos quando o pagamento Ihe seja requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.

[…] De acordo com o artigo 2.°, n.° 4, o FGS cobre os pagamentos que deveriam ter sido feitos ao trabalhador pela entidade empregadora nos seis meses anteriores à data de início do processo de insolvência, da apresentação do requerimento do Processo Especial de Revitalização ou do Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial (SIREVE), até aos limites indicados no artigo 3.°. Preceitua o n.° 1 desta norma que o Fundo assegura o pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho, com o limite máximo globa] equivalente a seis meses de retribuição, e com o limite máximo mensal correspondente ao triplo da retribuição mínima mensal garantida.

O pagamento dos créditos requeridos apenas é assegurado pelo FGS até um ano (antes 9 meses - artigo 319.°, n.° 3 da Lei n° 35/2004) a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.

A ratio deste regime legal é, na sequência de determinações comunitárias, garantir, em tempo útil, o pagamento das prestações referidas na lei ao trabalhador, evitando que este fosse excessivamente penalizado pela morosidade dos processos judiciais, ficando o Fundo subrogado nos direitos dos trabalhadores.

[…] «A Autora requereu a insolvência da sua entidade patrona] em 11.03.2016 (ponto 5 dos factos provados), sendo que, por tal facto, o período de referência está compreendido entre 11.09.2015 e 11.03.2016.

Os créditos laborais da Autora venceram-se na data da cessação do contrato de trabalho, ou seja, em 28.08.2014, pelo que denota-se que tais créditos não se venceram nos seis meses anteriores à propositura da ação de insolvência - 11.03.2016.

Mesmo a indemnização pelo despedimento ilícito, bem como, todas as retribuições que a Autora deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão que declarou a ilicitude do despedimento no dia 30.04.2015 (facto provado 4.), estão fora do período de referência.

» (sic, sublinhado e destaque nossos).

vii. O Tribunal a quo acrescenta ainda, na tentativa de fundamentar a conclusão vinda de citar: «A decisão judicial do Tribunal do Trabalho não tem a virtualidade de fazer alargar o período de referência encontrado.

Sumariou-se no Acórdão do TCAN de 02.07.2015, Proc. n.° 01826/11.5BEPRT, o seguinte: “ (...) II- O artigo 91.° do CIRE não se aplica aos créditos que já se tenham vencido em momento anterior à declaração de insolvência.

III- A exigência imposta pelo artigo 436.° do CT da ilicitude do despedimento ter de ser declarada por decisão judicial implica, correlativamente, o vencimento aos créditos salariais relativos à indemnização por despedimento ilícito e às retribuições vencidas desde a data do despedimento, apenas com o trânsito em julgado de decisão judicial que os reconheça.

IV- Não vale como decisão judicial para efeitos do disposto no artigo 436.º do CT a decisão que, no âmbito de processo de insolvência, declare a entidade empregadora insolvente".

».

viii. Ora, desde logo, a citação do acórdão em causa, na senda de pretender fundamentar a decisão proferida, é contraditória com a decisão proferida na medida em que o que sedefende no acórdão citado na sentença é exactamente o oposto daquilo que o Tribunal a quo conclui e dispôs na mesma – aliás, do próprio sumário do acórdão citado se retira a contradição com a sentença proferida.

ix. É que, contrariamente ao que pretendeu o Tribunal a quo (que defende que os créditos laborais da Recorrente se teriam vencido em 28-08-2014, data em que ilicitamente a sua entidade patronal pôs termo ao contrato, conforme sentença que julgou ilícito tal despedimento), o que resulta do acórdão citado é que «III- A exigência imposta pelo artigo 436.° do CT da ilicitude do despedimento ter de ser declarada por decisão judicial implica, correlativamente, o vencimento aos créditos salariais relativos à indemnização por despedimento ilícito e às retribuições vencidas desde a data do despedimento, apenas com o trânsito em julgado de decisão judicial que os reconheça.

» (sic, sublinhado e destaque nossos).

x. Nos apontados termos, com a fundamentação apresentada pelo Tribunal a quo, a sentença recorrida padece de nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão – art. 615.º n.º 1 c) do CPC.

xi. Vale a pena ver, cuidadamente, o que se defendeu no aresto deste Tribunal Central Administrativo Norte citado na sentença recorrida: «Do quadro legal traçado resulta que o pagamento dos créditos salariais reclamados pelo trabalhador a título de indemnização por alegado despedimento ilícito e referentes às retribuições que deixou de auferir a contar da data do “despedimento”, só será exigível a partir do momento em que o despedimento seja declarado ilícito, e nos termos do art.º 435.º do CT/03, como vimos, a ilicitude do despedimento «só pode ser declarada por tribunal judicial em acção intentada pelo trabalhador».

Assim sendo, afigura-se-nos insofismável que a obrigação da entidade empregadora indemnizar o trabalhador com fundamento em despedimento ilícito apenas se constitui com a decisão judicial que declare a ilicitude do despedimento, o que tem como contraponto que o direito do trabalhador ao pagamento do crédito salarial daí decorrente apenas se firme na sua esfera jurídica após o trânsito em julgado da respetiva decisão judicial condenatória.

A este entendimento conduz claramente a consideração do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 439.º do CT/03, que para o caso do trabalhador optar por indemnização...

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