Acórdão nº 539/19.4BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 10 de Dezembro de 2019

Magistrado ResponsávelDORA LUCAS NETO
Data da Resolução10 de Dezembro de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório A.....

intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra contra a Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução (doravante OSAE) processo cautelar visando a suspensão de eficácia do acórdão proferido pelo Plenário do Conselho Superior da OSAE, de 18.02.2019, que considerou a requerente pessoa inidónea para o exercício da profissão de Solicitadora, na sequência de processo de averiguação de idoneidade, e ordenou o cancelamento da sua inscrição na OSAE.

Por sentença de 13.09.2019 foi julgada procedente a pretensão cautelar e decretada a providência requerida.

Não se conformando com o assim decidido veio a Requerida OSAE, ora Recorrente, interpor recurso para este Tribunal Central Administrativo, tendo, nas respetivas alegações, formulado as seguintes conclusões: «(…) A) A sentença datada de 17 de setembro de 2019 veio dar provimento à providência cautelar apresentada pela decorrida, decretando a suspensão da eficácia do acórdão do Conselho Superior da OSAE, por três razões essenciais: (i) verifica-se fundado receio de constituição de uma situação de facto consumado e da produção de prejuízos de difícil ou impossível reparação (periculum in mora); (ii) afigura-se provável que a pretensão da Recorrida no processo principal, de invalidação do acórdão do Conselho Superior da OSAE, venha a ser julgada procedente fumus boni iuris); (iii) devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultam da concessão da providência não se afiguram superiores aos danos que poderiam resultar da sua recusa.

B) Quanto ao ponto (i), assume-se na decisão recorrida, injustificadamente, que estando em causa a possível inibição de exercício de uma profissão, a execução do acórdão do Conselho Superior da OSAE acarretaria prejuízos patrimoniais para sempre, eliminando ou reduzindo substancialmente os meios de subsistência da Recorrida C) Esta asserção configura nada mais do que uma “presunção” judicial sem mínimo cabimento legal, que demonstra que, ao nada se provar (ainda que a título meramente indiciário) sobre todos os meios de subsistência da Recorrida, e ao se identificar a situação de abuso de direito em que consistiria a alegação de que a execução da decisão teria perdas irreparáveis ao nível de reputação e honorabilidade, o Tribunal a quo falhou ao considerar existente uma situação de fundado receio na verificação prejuízos de difícil ou impossível reparação.

D) Para além do referido, entende o Tribunal a quo que a expectável demora na obtenção de uma decisão jurisdicional definitiva quanto ao mérito, no âmbito da ação principal, acarretaria prejuízos irreparáveis, de difícil ou impossível reparação, e situações de facto consumado, dado que a exclusão da Recorrida da OSAE implicaria uma impossibilidade perpétua de voltar a nela ser inscrita e voltar a exercer a atividade.

E) Porém, do n.° 5 do artigo 106.° do Estatuto da OSAE retira-se que a Recorrida poder-se-á voltar a inscrever na OSAE, se a Recorrente entender que a mesma se encontra reabilitada, podendo vir a julgar, no futuro, que as condições de idoneidades da Recorrida já se encontram novamente reunidas. Falha, também aqui, o preenchimento do periculum in mora.

F) No que diz respeito ao ponto (ii), o Tribunal a quo entende que a Recorrente se limitou a fazer uma importação automática da matéria de facto da sentença criminal para o seu juízo de inidoneidade, não podendo ter ignorado que a Recorrida não era vezeira, não tinha antecedentes delituosos e se encontrava socio-profissionalmente bem inserida na sociedade (elementos que fundaram a formação da convicção do Tribunal a quo de que a condenação criminal da Recorrida foi uma mera circunstância episódica).

G) Considera-se, ainda, na sentença que a Recorrente, na decisão suspendenda, estava obrigada a ter procedido a um preenchimento do conceito indeterminado de inidoneidade moral de acordo com elementos que foram identificados pelo próprio Tribunal a quo e que a Recorrida já teria sido punida de forma considerável.

H) Por este motivo, conclui o Tribunal a quo que a Recorrente se encontrava obrigada a concluir, na decisão suspendenda, que a Recorrida reunia as condições de idoneidade para continuar a exercer a profissão, mesmo que entendesse que esta última não se encontrava reabilitada pelo cumprimento da pena (mediante processo de reabilitação).

I) No entanto, verifica-se que, contrariamente ao que é defendido pelo referido Tribunal, a Recorrente não estava, no âmbito do seu juízo relativo à (in)idoneidade da Recorrida, legalmente obrigada a considerar os fatores que o Tribunal a quo identifica, no que constitui um claro erro de direito da sentença por errónea interpretação e aplicação do regime legal (que não prevê nenhum comando impositivo para a Recorrente, antes consagrando um claro comando permissivo).

J) Ademais, verifica-se que o Tribunal a quo incorreu num caso de assunção proibida de funções administrativas pelo decisor judicial, substituindo-se à Administração numa decisão que só a si pertence, ultrapassando os seus limites funcionais e entrando na margem reservada constitucionalmente à Administração, em violação do princípio fundamental da separação de poderes (cfr. artigo 111.° da CRP).

K) E isto porque não só procedeu ao preenchimento de conceitos indeterminados que a si não estava legalmente cometido (no que diz respeito à identificação de elementos relevantes no âmbito da ponderação de idoneidade que incumbe ao Conselho Superior da OSAE realizar, para efeitos do juízo que consta do n.° 5 do artigo 106.° do Estatuto da OSAE), mas, também, porque efetuou a ponderação dos elementos em causa no juízo de idoneidade, em substituição da Recorrente.

L) Portanto, para efeitos da sua análise quanto ao fumus boni iuris, o Tribunal a quo entrou indevidamente no campo da liberdade avaliativa da Recorrente, que por todos é reconhecido como sendo um domínio inviolável da discricionariedade administrativa (apenas sendo permitido aos tribunais, nos termos do n.° 2 do artigo 202.° da CRP, fiscalizar a legalidade, e não o mérito, da atuação da Administração Pública).

M) Por fim, relativamente ao ponto (iii), o Tribunal a quo entendeu que, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultam da concessão da providência não se afiguram superiores aos danos que poderiam resultar da sua recusa, dado que o interesse público na tutela dos bens jurídicos defendidos pelos tipos criminais e disciplinares já se encontra bastante salvaguardado e esbatido.

N) Porém, verifica-se que o Tribunal a quo não confere o adequado relevo ao interesse público fundado na confiança, na respeitabilidade e na honorabilidade que deve ser reconhecida à OSAE, por via de cada profissional que esta autoriza a exercer a profissão, no âmbito da ponderação dos interesses em presença.

O) Afigura-se, claro está, mais prejudicial permitir que, através da suspensão da decisão do Conselho Superior da OSAE, um profissional que já foi condenado em crimes que o Estatuto da OSAE expressamente qualifica como desonrosos continue a exercer a sua atividade, criando um clima de impunidade (ao nível deontológico) no exercício da profissão. Este clima pode, por sua vez, vir a comprometer as próprias finalidades que à função de solicitador se encontram adstritas, como seja a administração da justiça.» A Recorrida, por seu turno, apresentou contra-alegações, concluindo, em suma, pelo acerto da decisão recorrida, concluindo nos seguintes termos: «(…) 1. Bem decidiu o Tribunal a quo ao dar provimento à providência cautelar, decretando a suspensão da eficácia do Acórdão do Conselho Superior da Recorrente.

  1. o que decorre de tudo o alegado supra, começando pela circunstância de o Tribunal não ter intencionalmente feito a notificação do teor da sentença condenatória, tal como estava obrigado, 3. como pelo facto de a Recorrente ter demorado seis anos para decidir pela inidoneidade, nada tendo diligenciado durante esse período de tempo no sentido de suspender a actividade da ora Recorrida, se fosse esse o caso - e não foi, não se compreendendo porque é que durante seis anos não houve o risco de prejuízo para o interesse público e agora considera haver.

  2. ainda pelo tempo entretanto decorrido desde os factos: doze anos, período durante o qual à Recorrida nada pode ser apontado, quer disciplinar quer criminalmente.

  3. No que diz respeito ao periculum in mora é evidente que a proibição de exercício de uma actividade profissional tem consequências imediatas, não só no que concerne ao rendimento, como às consequências sociais e profissionais, que serão impossíveis de reparar no futuro, caso se mantenha a decisão da Recorrente.

  4. E a situação financeira da Recorrida está espelhada na circunstância de lhe ter sido concedido o apoio judiciário, e tanto assim é que o próprio Tribunal a quo dispensou a audição de testemunhas, por parecer desnecessário, atentos os elementos constantes nos autos.  7. O fumus boni juris, que configura a probabilidade de “bom direito” por ser séria a possibilidade de procedência da pretensão principal, funda-se na circunstância de não terem sido devidamente ponderados pela Recorrente vários elementos relevantes para a sua decisão, como sejam a concreta pena aplicada bem como o facto de a Recorrente ter agido em conjunto com outra pessoa, a não comunicação da sentença condenatória por parte do Tribunal, a incerteza quanto ao quorum que deliberou a declaração de inidoneidade, a dupla punição pelos mesmos factos, o tempo decorrido desde a prática daqueles e a reabilitação criminal da Recorrida.» Neste tribunal, a DMMP não se pronunciou.

    Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, mas com prévia divulgação do texto do acórdão pelos Mmos. Juízes Adjuntos, vem o processo submetido à conferência desta Secção de Contencioso Administrativo para decisão.

    1. ...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT