Acórdão nº 11213/19.1T8LSB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Dezembro de 2019

Magistrado ResponsávelMANUEL CAPELO
Data da Resolução10 de Dezembro de 2019
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra Relatório No CIMPAS – Centro de Informação, Mediação, Provedoria e Arbitragem de Seguros, A..., apresentou contra F... – Companhia de Seguros, S.A., reclamação por força da qual solicitou a esta o pagamento de indemnização no montante de €3.660,00 (três mil seiscentos e sessenta euros), para reparação de um dano cuja causa entendia integrar-se num contrato de seguro celebrado entre ambos.

Porque havia celebrado com o requerido um contrato de seguro do ramo “Multirriscos”, designado “Seguro Casa”, tendo por objecto um imóvel urbano, no dia 21 de Março de 2018 participou o sinistro ocorrido no local objecto do seguro, que consistira no aluimento das margens das valas de escoamento de água, com consequentes danos nos caminhos rurais, de terra, paralelos a estas.

A requerente declinou o sinistro, por entender que não se enquadrava em qualquer das coberturas da apólice.

Tendo recorrido ao CIMPAS por ter havido oposição da seguradora foi, depois de realizada instrução, proferida decisão que, julgando “ demonstrada a queda abundante e excepcional de pluviosidade nas semanas que antecederam o sinistro (...)” e assim considerou que “afigura-se inegável e inclusão do sinistro na cobertura de inundações e/ou de aluimento de terras (artº 1º das condições gerais do contrato de seguro),uma vez que os danos causados advieram da subida do caudal das valas de escoamento existentes no imóvel seguro.” (...) “nesta conformidade e total procedência da reclamação, condena-se a reclamada a pagar ao reclamante a quantia de € 4.178,46, incluindo valor do IVA, mas quanto a este apenas desde que demonstrada a sua liquidação através do correspondente recibo/fatura.” Não se conformando com esta decisão a seguradora veio pedir a sua anulação, concluindo que: a) Não sendo possível aferir da concreta integração do evento reclamado numa das coberturas da apólice e na medida que estamos na esfera da responsabilidade contratual, claramente o Tribunal Arbitral não se pronunciou sobre uma questão que se deveria ter pronunciado, o que, além do mais, torna ininteligível a douta decisão, pois não está sustentada por factos que permitam a integração do sinistro na apólice, termos em que se requer a sua anulação por força da segunda parte do ponto v), alínea a) do nº 3 do Artº 46º da Lei 63/2011, de 14 de Dezembro, e do Artº 615º nº 1 c) C.P.C ; b) Caso assim não se entenda e dado que a sentença ora em crise condena a requerida no pagamento da quantia de €4.178,46, (quatro mil cento e setenta e oito euros e quarenta e seis cêntimos), o que constitui condenação em quantia superior ao pedido, €3.660,00 (três mil seiscentos e sessenta euros), o que está vedado ao julgador, conforme de resto estatui do disposto no artº 609º nº 1 C.P.C.., termos em que se tem por verificado o fundamento de anulação da sentença arbitral previsto em na primeira parte do ponto v), alínea a) do nº 3 do Artº 46º da Lei 63/2011, de 14 de Dezembro, o que se requer para os devidos efeitos.

… … Notificado para deduzir oposição o recorrido veio defender a confirmação da decisão apelada.

Cumpre decidir.

Fundamentação.

O tribunal arbitral considerou provada a seguinte matéria de facto: “- 1 – O reclamante e a reclamada celebraram um contrato de seguro na modalidade multi riscos titulado pela apólice nº ...

2 – O imóvel seguro é uma quinta agrícola sita na estrada da ...

3 – O contrato de seguro foi celebrado em Agosto de 2013.

4 – Antes da celebração do contrato de seguro a mediadora de seguros do reclamante deslocou-se ao local de modo a conhecer a amplitude do bem a segurar.

5 – O imóvel seguro, para alem do edifício principal, engloba igualmente terreno agrícola incluindo e duas valas de escoamento de água e diversos caminhos rurais.

6 – Por decisão do CIMPAS de 31-3-2015 (Proc. ...) foi reconhecida a inclusão dos referidos caminhos no objecto seguro e, em consequência, condenada a reclamada a indemnizarem virtude das chuvas provocadas pelas tempestades então verificadas.

7 – No interior da quinta existem igualmente duas lagoas.

8 – Durante o mês de março de 2018 verificou-se uma quantidade de precipitação muito superior à habitual nessa época do ano.

9 – Essa precipitação correspondeu, designadamente, ao período de tempo que mediou entre as passagens das tempestades Félix (10-3-2018) e Irene (30-3-2018).

10 – O inverno de 2017/2018 teve uma quantidade de precipitação muito inferior à normal originando uma secura dos solos.

11- No final de março de 2018 o reclamante participou à reclamada o sinistro.

12 – O sinistro participado consistiu na subida de água de duas valas de escoamento de águas cujo nível subiu e danificou os combros (em maior medida) e os taludes (em menor medida) circundantes.

13 – Os taludes e os combros danificados foram reforçados nomeadamente com a colocação de pedras na sequencia do anterior sinistro em 2013.

15 – O local onde ocorreu o sinistro de 2013 não é o mesmo onde se verificaram os danos de 2018.

16 – Os danos nos taludes e nos combros comprometem a circulação pelos caminhos contíguos.

17- No dia 11-4-2018 a empresa G..., S.A. efectuou a pedido da reclamada uma peritagem aos danos reclamados.

18 – Em 17 -5-2018 a reclamada comunicou ao reclamante que declinava a responsabilidade, considerando que o sinistro participado não se enquadrava nas garantias do contrato seguro.

19 – A reparação dos danos do imóvel orça em 4.178,46 (IVA incluído).

Além de delimitado pelo objecto da acção, pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, subjectivo ou objectivo, do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Essa restrição pode ser realizada no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (arts. 635 nº3 e 4 e 637 nº2 do CPC).

Na observação destas prescrições normativas concluímos que o objecto do recurso incide sobre a nulidades da decisão por condenação além do pedido e por o tribunal não se ter pronunciado sobre questões que devia apreciar e cuja omissão gera a ambiguidade e obscuridade da sentença que a tornam ininteligível.

Quanto à nulidade da sentença por condenação além do pedido, sustenta a recorrente que o tribunal condenou no quantitativo referente ao IVA quando o recorrido não tinha feito esse pedido.

Apreciando esta temática, o n.º 1 do art.º 609 do CPC estabelece que a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir, sendo nula a sentença quando o juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido (al. e) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC).

A proibição de condenação em quantidade superior à do pedido, consignada no art. 609.º, n.º 1 do CPC, é justificada pela ideia de que compete às partes a definição do objecto do litígio, não cabendo ao juiz o poder de se sobrepor à vontade daquelas e, também, de que não seria razoável que o demandado fosse surpreendido com uma condenação mais gravosa do que a pretendida pelo autor. É na observância do princípio do dispositivo que o tribunal está impedido de condenar em quantia superior ou em objecto diverso do que for pedido.

Com efeito, esse é um dos princípios estruturantes do direito processual civil, a que alude o n.º 1 do art.º 5.º do CPC, nos termos do qual “às partes cabe alegar os factos essenciais que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas”.

“O princípio do dispositivo é, substancialmente, a projecção, no campo processual, daquela autonomia privada que, dentro dos limites marcados pela lei, encontra a sua afirmação mais enérgica na figura tradicional do direito subjectivo; até onde a lei substancial reconhecer tal autonomia, mesmo para a coordenar melhor com os fins colectivos, o princípio dispositivo deverá ser coerentemente mantido no processo civil, como expressão irrefragável do poder atribuído aos particulares, de dispor da sua esfera jurídica própria.

Conservaram-se, por isso, no Código como afirmações de princípio, os aforismos da sabedoria antiga: ne procedat judex ex officio, ne eat judex ultra petita partium, judex secundum allegata et prabata decidere debet.

Suprimir estes princípios equivaleria a reformar, mais do que o processo, o próprio direito privado; dar ao juiz o poder de iniciar ex officio um pleito que os interessados querem evitar, ou de conhecer de factos que as partes não alegaram, significaria cercear, no campo do direito processual, aquela autonomia individual que, no campo do direito substancial, a lei vigente reconhece e garante”[1] .

De igual, a jurisprudência é a constante a entender que “Encontra-se, há muito, firmado na jurisprudência o entendimento segundo o qual os limites da condenação contidos no art.º 609.º, n.º 1 do CPC têm de ser entendidos como referidos ao valor do pedido global e não às parcelas em que aquele valor se desdobra.

Esta orientação tem sido assumida como válida na solução de casos em que o efeito jurídico pretendido se apresenta como indemnização decorrente de um único facto ilícito, traduzindo-se o total do pedido na soma dos valores de várias parcelas, que correspondem, cada uma delas, a certa espécie ou classe de danos (v.g. danos patrimoniais e danos não patrimoniais, danos emergentes e lucros cessantes, danos presentes e danos futuros), componentes ou integrantes do direito cuja tutela é jurisdicionalmente solicitada.

Compreende-se que assim seja nos casos em que, com base na descrição de uma situação de facto, se afirma a titularidade de um direito que se pretende ver tutelado mediante a declaração da sua existência e a concretização em valor único da sua dimensão global, porque, então, se trata de pedido unitário, decomposto ou desdobrado em parcelas que integram um só...

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