Acórdão nº 3037/16.4T9GDM-B.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 04 de Dezembro de 2019

Magistrado ResponsávelANTÓNIO LUÍS CARVALHÃO
Data da Resolução04 de Dezembro de 2019
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso Penal n.º 3037/16.4T9GDM-B.P1 Comarca do Porto Juízo Local Criminal de Gondomar – J1 Acordam em conferência na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do PortoRELATÓRIONo processo comum com intervenção do Tribunal Singular nº 3037/16.4T9GDM, do Juízo Local Criminal de Gondomar – J1, da Comarca do Porto, foi em 15.10.2019 proferido despacho a indeferir liminarmente o pedido de indemnização civil apresentado no processo por “B…, Lda”.

Não se conformando com essa decisão, dela veio a sociedade demandante civil (e assistente) “B…, Lda” interpor recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES, que se transcrevem[1]: I. O presente recurso interposto tem como objeto o despacho, na sua integralidade, proferido a fls. dos autos, que decidiu indeferir o pedido de indemnização formulado pela recorrente, nos termos dos arts. 71º e seguintes do Código de Processo Penal, com base na responsabilidade civil por factos ilícitos (cfr. art.º 483º do Código Civil).

  1. O tribunal a quo, no que concerne à admissibilidade do pedido de indemnização civil, decidiu da seguinte forma: “Com efeito, nos termos do artigo 71.º do Código de Processo Penal e em conformidade com o princípio da adesão que aí se consagra, o pedido de indemnização civil, fundado na prática de um crime, deve ser deduzido no âmbito do processo penal em que se aprecia a responsabilidade criminal emergente da infração cometida.

    […] Por isso, a atribuição de indemnização civil aos lesados só poderia verificar-se se estes se tiverem constituído partes civis, lançando mão do processo de adesão e deduzindo oportunamente as respetivas pretensões indemnizatórias enxertadas no processo penal.

    Anote-se que nos presentes autos, foi deduzida acusação pelo Ministério Público contra os arguidos C… e D… por factos que integram, em abstrato, a prática de um crime de insolvência dolosa. O arguido C… foi já declarado insolvente no processo de insolvência respetivo.

    Assim, seja qual for o tipo de ação ou processo pendente, proferida que seja sentença, transitada em julgado, a declarar a insolvência do respetivo devedor, deixar de exigir qualquer interesse prático na prossecução de uma ação declarativa ou no conhecimento de um pedido de indemnização formulado num processo penal, pois que o respetivo crédito haverá, sempre, de ser reclamado no processo de insolvência se se quiser obter o seu pagamento, conforme decorre do disposto no artigo 90.º do CIRE: “Os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do presente Código, durante a pendência do processo de insolvência”.

    […] Na verdade, compulsando o pedido cível conexo com a ação penal que nos autos está formulado, o direito que com ele se visa realizar não emerge do ato criminoso, enquanto tal, mas sim da obrigação de pagamento do crédito propriamente dito, não se autonomizando nenhuma consequência específica de cariz indemnizatório decorrente da punição criminal.

    O mesmo já não sucederia, no entendimento do Tribunal, caso tivesse sido peticionada uma quantia a título de danos não patrimoniais. Note-se, pois, que a demandante/assistente peticiona a condenação dos arguidos/demandantes no pagamento do montante do crédito que refere deter sobre o arguido C…, sendo que, como referido quer na acusação pública, quer no pedido de indemnização civil formulado, existiu já uma ação cível que reconheceu, precisamente, esse crédito e este foi já, inclusivamente, reclamado no processo de insolvência.

    Face a todo o exposto, pelos fundamentos expostos e de acordo com os normativos supra citados, indefere-se liminarmente o pedido de indemnização civil formulado por B…, Lda..”.

  2. O tribunal a quo não logrou de se libertar de uma ideia preconcebida de que, com a reclamação do crédito da Recorrente, no âmbito do processo de insolvência, a Recorrente não poderia ser indemnização, com base em responsabilidade civil por factos ilícitos, ao abrigo do art.º 483º, do Código Civil, por conta da conduta dos Recorridos que, segundo o despacho de acusação pública, se subsumem à prática de um ilícito típico – crime de insolvência dolosa, previsto e punido pelo art.º 227º, do Código Penal –, o que determinava o nascimento de responsabilidade criminal.

  3. Considerando que a Recorrente detém de legitimidade para deduzir, sob o princípio de adesão (cfr. art.º 71º, do Código de Processo Penal), o pedido de indemnização civil (cfr. nº 1, do art.º 74º, do Código de Processo Penal), porquanto é a pessoa, apesar de coletiva, que sofreu os danos originados pela prática do ilícito típico descrito no despacho de acusação pública e porquanto tem capacidade judiciária para tal (cfr. art.º 11º e alínea d), do art.º 12º, do Código de Processo Civil ex vi art.º 4º, do Código de Processo Penal).

  4. O pedido de indemnização civil deduzido pela Recorrente, indeferido liminarmente pelo Tribunal a quo, foi fundado em responsabilidade civil extracontratual ou por factos ilícitos (cfr. art.º 483.º, do Código Civil), tendo sido demandados ambos os Recorridos, visto que a responsabilidade civil recai sobre ambos.

  5. A Recorrente, no mencionado pedido de indemnização civil, é clara ao indicar que se encontram preenchidos os pressupostos previstos no art.º 483º, do Código Civil, ao exarar que, considerando o descrito no despacho de acusação pública: “31- A conduta dos Demandados é ilícita, nos termos do disposto no artigo 483º, nº 1 do CC, tendo delas resultado prejuízos na esfera patrimonial da Demandante, pois inviabilizou a Demandante de se fazer pagar à custa do património do 1º Demandado.

    32- A atuação dos Demandados é culposa, uma vez que, perante as circunstâncias de facto, não atuaram com a diligência de um bom pai de família, cfr. artigo 487º, nº 1 e 2 do CC, 33- Os atos praticados pelos Demandados afiguraram-se aptos a causar dano à Demandante, o qual corresponde ao não ressarcimento dos créditos que detinha sobre o 1º Demandado com a disposição dos bens, atuação que gera obrigação de responder pelos danos causados, cfr. artigo 484º do CC.

    34- Em resultado da atuação dos Demandados, a Demandante sofreu danos patrimoniais, que se traduziram na impossibilidade de receber, por qualquer forma, o seu crédito supra elencado, cfr. 562º do CC.

    35- Entre os atos praticados pelos Demandados e os danos sofridos pela Demandante existe nexo de causalidade, por os mesmos se mostrarem adequados à produção de tais danos, 36- ou seja, existe um vínculo entre a conduta dos Demandados e o resultado ilícito provocado na esfera patrimonial da Demandante.”.

  6. A Recorrente, ao contrário do exarado no despacho de indeferimento liminar de que agora se recorre, não pretendo, com o pedido de indemnização civil, ser ressarcida do crédito de que detém sobre o 1º Recorrido, mas sim ser indemnizada (cfr. art.º 562º, do Código Civil) pelos danos e perdas emergentes da conduta dos Recorridos, com base no instituto da responsabilidade civil por factos ilícitos (cfr. art.º 483º, do Código Civil), porquanto essa mesma conduta se subsumiu, segundo o despacho de acusação, na prática de um ilícito típico.

  7. Se é certo que o crédito que a Recorrente detém sobre o 1º Recorrido foi, no prazo legalmente previsto, reclamado em sede de processo de insolvência, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo de Comércio de Santo Tirso – Juiz 5, sob o n.º 1453/16.0T8STS, IX. É igualmente certo que, no âmbito de incidente de qualificação de insolvência, que correu por apenso ao processo de insolvência, sob o n.º 1453/16.0T8STS-B, por via de sentença proferida e já transitada em julgado, judiciou-se a insolvência do 1º Recorrido como culposa, porquanto ficou provado que este dissipou, conscientemente, património da sua esfera jurídica, de forma a impedir o ressarcimento dos seus credores, X. Tendo essa dissipação, tal como exarado no pedido de indemnização civil deduzido, mediante interajuda da 2ª Recorrida, conseguida através da celebração, entre os Recorridos, de um acordo de partilhas para separação de meações, XI. Dissipando património da esfera jurídica do 1º Recorrido, colocando-o numa posição de insolvência iminente e impedindo o ressarcimento dos seus credores e, por conseguinte, provocando-lhes, de forma inevitável, num dano na esfera jurídica de cada um dos credores.

  8. O mencionado acordo, celebrado entre os Recorridos, com o objetivo de dissipar o património do 1º Recorrido, fez gerar responsabilidade civil por factos ilícitos, nos termos do art.º 483.º, do Código Civil, tendo a Recorrente o direito a ser indemnizada no montante do valor do seu crédito não ressarcido, com base nesta mesma responsabilidade (cfr. art.º 562º, do Código Civil), valor este peticionado em sede de pedido de indemnização civil, porquanto os danos e perdas emergentes na esfera jurídica da Recorrente se subsumem ao valor do seu crédito.

  9. O Tribunal a quo não poderá, contudo, é entender que, por causa de a Recorrente ter reclamado o seu crédito, no processo de insolvência e na qual foi indeferido o pedido de exoneração do passivo restante do 1º Recorrido, esse facto impede que esta seja indemnizada, por danos e perdas emergentes de responsabilidade por factos ilícitos (cfr. art.º 483º, do Código Civil), pelo não ressarcimento do crédito, porquanto a indemnização peticionada, no pedido de indemnização civil indeferido liminarmente, tem como objetivo o ressarcimento por danos e perdas emergentes das condutas dos Recorrentes, que se subsumem à prática de um ilícito típico descrito no despacho de acusação pública.

  10. O mesmo se extrai da leitura atenta do exarado e peticionado no pedido de indemnização civil deduzido, porquanto apenas se pretende o ressarcimento dos danos que a conduta descrita no despacho de acusação pública causou à Recorrente, mediante o pagamento de uma indemnização (cfr. art.º 562º, do Código Civil) no valor do seu crédito, por esse esse o valor dos danos e perdas sofridos pela Recorrente.

  11. Pelo que não se poderá aceitar, nem compreender, a...

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