Acórdão nº 709/19 de Tribunal Constitucional (Port, 04 de Dezembro de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução04 de Dezembro de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 709/2019

Processo n.º 112/2019

3ª Secção

Relator: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, em que é recorrente o Ministério Público e recorrido A., foi interposto recurso, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (doravante, «LTC»), da sentença proferida por aquele Tribunal, em 10 de janeiro de 2019, que recusou a aplicação, com fundamento em inconstitucionalidade orgânica, do artigo 100.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (doravante, «CIRE»), «na interpretação que prevê que a declaração de insolvência suspende o prazo prescricional das dívidas tributárias imputáveis ao responsável originário no âmbito do processo tributário», e, em consequência dessa recusa, julgou «prescritas as dívidas exequendas de IVA, nos termos do art. 48.º, n.ºs 1 e 3, 49.º da LGT» e «extintos os processos de execução fiscal por dívidas de IVA» revertidos contra o ora recorrido.

2. No segmento que aqui releva, consta da referida sentença a seguinte fundamentação:

«3 - Fundamentação.

3.1 - Matéria de facto.

3.1.1 - Com relevância para a decisão da causa o Tribunal julga provado:

A) Por despacho de 17/10/2009, o Serviço de Finanças de Santo Tirso reverteu o PEF n.º 1880200401054023 e apensos contra o reclamante, por dívidas de IVA dos anos de 2004 a 2007, inclusive, sendo a data limite de pagamento voluntário da dívida mais recente o dia 16/08/2007, no montante total de €11.939,35, e de coimas no montante de €2.604,78 (fls. 90 a 166, 225 a 261, 281 e 293).

B) O reclamante foi pessoalmente citado para o PEF em 20/10/2009 (fls. 90 a 186, 225 a 261, 261 e 293).

C) Em 16/01/2010, o PEF foi declarado em falhas (fls. 90 a 186, 225 a 261, 281 e 293).

D) O reclamante foi declarado insolvente por sentença de 13/01/2012, tendo o processo sido encerrado em 15/03/2012, com decisão de exoneração do passivo restante, tendo o despacho de exoneração do passivo restante sido proferido em 17/04/2018 (fls 90 a 186. 225 a 261, 261 e 293).

E) O PEF esteve suspenso entre 13/01/2012 e 17/04/2018 na pendência do processo de insolvência do reclamante (fls. 90 a 186,225 a 261,281 e 293).

F) Depois da declaração em falhas em 16/01/2010, não houve qualquer outra suspensão do prazo de prescrição da dívida exequenda para além da suspensão pelo motivo e período referidos em D) e E) (fls. 280 e 261).

G) A executada originária foi extinta em 07/04/2014 com o registo do encerramento da dissolução, liquidação e cancelamento da matrícula (fls. 441 e 442 do SITAF).

H) Os PEF por dívidas de coimas foram extintos por anulação da dívida exequenda em 25/11/2017, por extinção do infrator, C., Ld.ª, pessoa coletiva n.º …. (fls. 90 a 186, 225 a 261, 261 e 293).

I) Em 13/06/2018 o órgão de execução fiscal teve conhecimento que o reclamante tinha um crédito a receber da sociedade comercial B., Ld.ª, pessoa coletiva n.º ….., com sede na Rua …., n.º …, Bairro, Vila Nova de Famalicão, a título de compensação global pela cessação do contrato individual de trabalho no valor de €10.619,73 (fls. 90 a 186, 225 a 261, 281 e 293).

J) Em 15/06/2018, o órgão de execução fiscal penhorou o direito de crédito do reclamante no montante de €9.619,73, detido sobre a sociedade comercial B., Ld.ª, pessoa coletiva n.º …., com sede na Rua …., n.º …, Bairro, Vila Nova de Famalicão (fls. 90 a 186, 225 a 261, 281 e 293).

K) Em 10/08/2018, no despacho proferido nos termos do art. 277.º, n.º 2, do CPPT, o órgão de execução fiscal considerou as dívidas não prescritas (fls. 90 a 186, 225 a 261, 281 e 293).

[…]

Da matéria de facto julgada provada resulta que depois de 16/01/2010 a única causa de suspensão do prazo de prescrição foi a suspensão do PEF entre 13/01/2012 e 17/04/2018, por força da pendência do processo de insolvência do reclamante, nos termos do art. 100.º do CIRE.

Todavia, o art. 100.º do CIRE é inconstitucional.

O art, 100,º do CIRE foi declarado inconstitucional com força obrigatória geral pelo Colendo Tribunal Constitucional no seu douto acórdão n.º 557/2018, de 23/10/2018, publicado Diário da República, 1.º Série, n.º 219, de 14/11/2018, interpretado "interpretada no sentido de que a declaração de insolvência aí prevista suspende o prazo prescricional das dívidas tributárias imputáveis ao responsável subsidiário no âmbito do processo tributário, por violação do artigo 165º·, n.º 1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa".

Só que os fundamentos da inconstitucionalidade orgânica do art. 100.º do CIRE, para esta interpretação, são igualmente aplicáveis e extensíveis a um juízo de inconstitucionalidade orgânica desse artigo para o caso da suspensão da prescrição das dívidas tributárias do devedor originário.

A inconstitucionalidade orgânica do art. 100.º do CIRE abrange também as dívidas tributárias do devedor originário.

Com efeito, o art. 100.º do CIRE na parte em que prevê que a declaração de insolvência suspende o prazo prescricional das dívidas tributárias imputáveis ao responsável originário no âmbito do processo tributário, viola o artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa, pelos mesmos motivos invocados no referido acórdão n.º 557/2018, de 23/10/2018, do Colendo Tribunal Constitucional, cujo teor e fundamentos aqui se dão por reproduzidos, por uma questão de fidedignidade e autenticidade.

De resto foi já essa a jurisprudência defendida pelo Colendo Supremo Tribunal Administrativo no seu douto acórdão de 03/10/2018, proferido no processo n.º 0694/17.8 BEALM, processo n.º 0789/18, disponível em www.dgsi.pt, em que considerou:

"1- As causas de suspensão da prescrição das dívidas fiscais são matéria de garantias dos contribuintes, abrangidas no âmbito da reserva de lei parlamentar (artigos 103.º, n.º 2 e 165.º, n.º 1, alínea i)), quer as respeitantes aos responsáveis subsidiários, quer as respeitantes aos originários devedores, sendo que umas e outras são, nos termos da lei tributária, as mesmas (sem prejuízo do disposto no n. º 3 do artigo 48. º da LGT), daí que o Governo só possa sobre elas legislar munido de válida autorização legislativa para o efeito, que o Acórdão do Tribunal Constitucional já por duas vezes reconheceu inexistir no que às dívidas tributárias imputadas ao responsável subsidiário no processo tributário respeita (cfr. os acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 36212015, de 9/07/2015 e n.º 27012017, de 31/0512017)

II - Perante os fundamentos que estão na base do juízo de inconstitucionalidade orgânica, da norma do artigo 100.º do CIRE, formulado pelo Tribunal Constitucional, que, na verdade, em rigor, abrangem toda matéria relativa à prescrição das dívidas fiscais, entende-se que os mesmos e, bem assim, o aludido juízo de inconstitucionalidade que dai deriva, são transponíveis também para o caso do devedor originário".

Por isso, aderindo a esta jurisprudência do Colendo Supremo Tribunal Administrativo e do Colendo Tribunal Constitucional entendemos que o art. 100.º do CIRE padece de inconstitucionalidade orgânica, por violação dos arts. 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa, na parte em que prevê que a declaração de insolvência suspende o prazo prescricional das dívidas tributárias imputáveis ao responsável originário no âmbito do processo tributário.

Por isso, atenta a referida inconstitucionalidade do art. 100.º do CIRE e não havendo qualquer outra causa de suspensão do prazo de prescrição posterior a 16/01/2010, as dívidas exequendas prescreveram em 16/01/2018, porquanto entre aquela data e esta decorreu o prazo normal de prescrição das dívidas tributárias de 8 anos, previsto no art, 48.º, n.º 1, da LGT.

Assim, as dívidas tributárias julgam-se prescritas em 16/01/2018.

A esta prescrição não obsta qualquer outra eventual causa de interrupção posterior a 20/10/2009, porque por força do art. 49.º, n.º 3, da LGT, na redação do art. 89.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, a interrupção só tem lugar uma única vez pelo que não pode relevar qualquer outra causa de interrupção da prescrição eventualmente ocorrida posteriormente a essa.

[…]

Assim, desaplicando-se o art. 100.º do CIRE por julgar-se organicamente inconstitucional, as dívidas exequendas de IVA de 2004 a 2007 revertidas contra o reclamante julgam-se prescritas em 16/01/2018 e como tal julgam-se extintos os PEF por prescrição das dívidas exequendas (arts. 48.º, n.ºs 1 e 3, e 49.º da LGT. e 176.º. n.º 1, alínea e). do CPPT).

[…]

4- Decisão.

Pelo exposto, o tribunal decide:

A) Julgar parcialmente extinta a instância quanto à reclamação referente aos processos de execução fiscal por dívidas de coimas e custas dos processos de contraordenação, por extinção desses processos de execução fiscal por anulação da dívida exequenda por extinção do infrator, C., Ld.ª, pessoa coletiva n.º ….., pelo montante de €2.604,78;

B) Absolver a Fazenda Pública da instância da reclamação relativamente ao PEF n.º 1880200701079832 e ao PEF n.º 1880200901022938 e apensos, por ocorrer uma cumulação ilegal de reclamações, que ascendem ao montante total de €1.018,10;

B) Julgar organicamente inconstitucional o art. 100.º do CIRE, por violação do art. 165.º, n.º 1, alínea I), da Constituição da República Portuguesa, na interpretação que prevê que a declaração de insolvência suspende o prazo prescricional das dívidas tributárias imputáveis ao responsável originário no âmbito do processo tributário e determinar a sua desaplicação;

C) Julgar prescritas as dívidas exequendas de IVA, nos termos do art. 48.º, n.ºs 1 e 3, 49.º da LGT e por desaplicação do art. 100.º do...

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